Sidónio Monteiro – Zelo na dedicação à causa pública
01 Out 2012

Sidónio Monteiro – Zelo na dedicação à causa pública

Nasceu nos Mosteiros, na ilha do Fogo. Do seu pai, herdou a visão estratégica e proativa pela qual se viria a pautar ao longo da sua carreira profissional e política. Médico, membro findador da Juventude Africana de Amílcar Cabral, deputado, ministro e líder parlamentar do PAICV, Sidónio Monteiro é um homem que não esconde o amor à terra que o viu nascer, e pela qual, se empenha em fazer crescer.

 

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Após ter completado o liceu na cidade da Praia, inicia-se nos movimentos de libertação nacional, razão que o leva a adiar o seu tão ansiado curso de medicina. Após a Independência, obtém uma bolsa de estudo para se formar fora do país, onde participa ativamente nos movimentos estudantis, como responsável pela organização de estudantes da Guiné e Cabo Verde.

Terminado o curso, regressa a Cabo Verde, onde, já na qualidade de médico, dá as primeiras consultas, primeiro no Fogo e depois em Santiago. Após este período inicial, volta a sair do país para se especializar em urologia.

Apesar da grande paixão pela sua atividade profissional, nunca se desligou da política. Foi membro da direção da Juventude Africana Amílcar Cabral – a organização da juventude do PAIGC – a quem coube a missão de mobilizar jovens em torno dos objetivos programáticos do partido. Foi líder parlamentar do PAICV, e de 2003 a 2010 assumiu o cargo de ministro em várias pastas. Desde as últimas eleições que se ocupa, como deputado pela emigração, da representação pelo círculo das Américas. Com Aristides Lima, é dos deputados mais antigos do nosso parlamento.

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Os primeiros anos de médico

Começou por exercer medicina na ilha do Fogo. Após a Independência, o número de médicos que em Cabo Verde exerciam, era extremamente reduzido. Conforme refere, “eu faço parte da primeira leva de jovens cabo-verdianos que foram enviados para formação no exterior. Após o nosso regresso, já formados, o país começou a registar avanços significativos no seu desenvolvimento. Na área da saúde, este avanço, foi extraordinariamente notório”, e dá como exemplo, a grande taxa de mortalidade infantil, que, a par do predomínio de doenças infetocontagiosas, “criavam enormes debilidades às populações, e que acabavam por absorver o reduzido número de médicos que na altura Cabo Verde possuía. Como éramos poucos, muitas vezes, até os enfermeiros tinham de fazer o nosso papel,  dando consultas e fazendo triagens”, recorda.

Desses primeiros anos, recorda o fervor revolucionário com que todos se empenhavam pela causa pública. “O sentimento de então era que, após a nossa formação, teríamos que participar na reconstrução nacional. Tudo isso nos motivava, e apesar dos fracos recursos do país e das dificuldades ao nível do financiamento do sistema de saúde, sentíamo-nos empenhados nesse objetivo”, diz.

No entanto, este número reduzido de profissionais médicos, aliado aos escassos recursos de meios, obrigava-os, muitas vezes, a terem que desempenhar tarefas para as quais não estavam preparados. “Certa vez, por falta de anestesista, e deparando-me com uma situação de emergência, tive que fazer uma cesariana apenas com anestesia local. Isso hoje é impensável”, e adianta, “é claro que o trabalho do médico é compensado fundamentalmente, não pela parte material, mas essencialmente pela parte emocional com que exerce o seu trabalho e todas essas dificuldades apenas nos enriqueceram mais”.

3- Ilha do Fogo a renacer das cinzas - Revista Nos Genti -
O desenvolvimento da saúde na Ilha do Fogo

Sidónio Monteiro é da opinião que, “o trabalho efetuado pelos médicos de hoje, não é igual ao efetuado pelos médicos antigamente, pois as condições e o grau de exigência dos cabo-verdianos, é atualmente mais elevada, fruto do aumento da sua qualidade de vida”.

Apesar da população do Fogo não ter aumentado substancialmente – devido essencialmente aos fenómenos de emigração interna e para o exterior – o número atual de profissionais da saúde é bastante superior ao de outros tempos. Têm sido feitos grandes investimentos públicos com a construção de dois novos centros de saúde e um moderno hospital, assim como com a modernização dos equipamentos hospitalares. Estes investimentos acabam por se traduzir em melhorias significativas nas condições de trabalho do pessoal da saúde, e na qualidade dos serviços prestados à população.

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Estes investimentos têm contribuído para o aumento significativo da esperança de vida dos cabo-verdianos, mas não só. Conforme diz Sidónio Monteiro, “o aumento da esperança de vida deve-se essencialmente ao desenvolvimento do país como um todo. O aumento da qualidade da água, o acesso mais facilitado aos bens de primeira necessidade, o acesso à formação, a melhoria das vias de comunicação, entre outros, traduzem-se numa melhoria da vida das populações”, afirma.

Essa melhoria, acaba por abrir novas perspetivas a Cabo Verde, contribuindo de forma significativa para a redução da taxa de mortalidade infantil do país. Fruto do trabalho de prevenção que tem vindo a ser feito ao longo dos anos, foram erradicadas várias doenças que limitavam a esperança de vida dos cabo-verdianos, tais como a paralisia infantil. Outro exemplo, foi a erradicação da lepra, que era uma doença que proliferava, especialmente na Ilha do Fogo. O próprio centro que se dedicava ao controlo e combate da lepra em Cabo Verde – e que estava precisamente localizado no Fogo – deixou de existir. Esta patologia era essencialmente derivada das más condições higiénico-sanitárias que havia na altura. Conforme recorda, “confrontávamo-nos com grandes taxas de febre tifóide, precisamente devido à contaminação da água que muitas zonas consumiam. Era água armazenada das chuvas ou das ribeiras, que não era tratada. Hoje essas situações estão completamente ultrapassadas.”

Investir no desenvolvimento do Fogo

Os investimentos ao nível dos acessos foram extremamente importantes para a melhoria da qualidade de vida das populações. Atualmente, no Fogo, estão em curso grandes investimentos na melhoria da rede de estradas, quer através da construção de novas vias, quer melhorando as já existentes. Tal facilita a mobilidade entre as populações, contribuindo de forma significativa para a economia local, o que em última análise, permite a melhoria da qualidade de vida de todos os foguenses.

Contudo, conforme Sidónio Monteiro salienta, “ao nível das acessibilidades há ainda muito trabalho a realizar”, e dá como exemplo os Mosteiros, que “devido às difíceis condições de acessibilidade, permitiu que as suas gentes desenvolvessem uma identidade muito própria. Antigamente, as pessoas – muitas das quais com grande poder económico proveniente da cultura do café e da forte produção agrícola que ainda hoje regista – acabaram por, em determinados momentos, reivindicar a sua autonomia, através da criação do concelho dos Mosteiros e da criação de um aeródromo.” A importância dos Mosteiros na economia local era tal, que uma das condições que essas pessoas influentes impunham, é que o avião aterrasse em primeiro lugar nos Mosteiros e só depois em São Filipe.

4- Ilha do Fogo a renacer das cinzas - Revista Nos Genti -

Ao nível de equipamentos portuários, há também reivindicações para a melhoria das atuais condições. Conforme recorda, “desde sempre que os Mosteiros tiveram uma infraestrutura marítima. Lembro-me de nos meus tempos de estudante, usar o porto dos Mosteiros nas minhas deslocações. Os proprietários abastados das terras dos Mosteiros usavam botes enormes – chamados de lambotes – para o transporte de mercadorias de outros pontos da ilha onde tinham propriedades. Havia igualmente alguns armadores residentes nos Mosteiros que faziam viagens marítimas entre as ilhas, o que nos mostra, do ponto de vista histórico, o porquê de os mosteirenses continuarem a reivindicar o seu porto e o seu aeroporto”.

12- Ilha do Fogo a renacer das cinzas - Revista Nos Genti -Para a economia cabo-verdiana, muito tem contribuído o empreendedorismo dos foguenses. Apesar das dificuldades cíclicas, especialmente com as secas, o Fogo sempre contribuiu para o desenvolvimento nacional, especialmente através da agricultura e pecuária. Tem a particularidade de ter grandes quantidades de água subterrânea, da qual neste momento, apenas se utilizam 6% dos recursos. Contudo, existe uma condicionante muito grande ao nível destas reservas, que é o facto das mesmas estarem localizadas ao nível do mar. Conforme explica, “há atualmente um grande investimento em tecnologia de perfuração, com furos que podem atingir mais de 800 metros, por forma a se obter água a um nível mais elevado, evitando desta forma a bombagem e os custos a ela associados”.

Desde os primórdios da ilha, embora já sem grande peso na economia atual, a cultura do algodão desempenhou um papel importante. Raramente se fala disso, no entanto, e tal como refere Sidónio Monteiro, “mesmo na minha família, além de se cultivar o algodão, também o transformavam. Havia um tear com o qual se faziam panos e outros trabalhos ligados à tecelagem”.

Nos Mosteiros, por ser uma zona com um microclima específico, podemos ainda encontrar o cultivo do café. Devido a esta especificidade climatérica, a zona também possibilita o cultivo e o desenvolvimento de várias espécies de frutos mediterrânicos, como a laranja, a uva, o pêssego, a maçã entre outros, que embora em poucas quantidades, também contribuem para a economia local.

Outra vantagem do Fogo é a fertilidade dos seus solos. Com a introdução das novas tecnologias de irrigação, nomeadamente através dos processos de irrigação gota-a-gota, podemos obter produtividades bastantes elevadas. Este facto, por si só, justifica os investimentos que estão a ser feitos na captação de água através de furos artesianos. Já no passado se tinham feito alguns investimentos nesta área, nomeadamente através da construção de reservatórios, mas os beneficiários de tais tecnologias eram residuais. Com este novo processo, pretende-se alargar os benefícios a outros pontos da ilha e com isso beneficiar um maior número de populações.

Conforme argumenta Sidónio Monteiro, “o futuro da ilha do Fogo, terá que passar pelo desenvolvimento da agricultura”, e continua afirmando que, “atualmente temos a produção do café, onde já há projetos concretos com investidores holandeses, os quais pretendem introduzir novas técnicas de produção e transformação, que esperamos sejam motivo para o impulsionar da atividade. Há ainda o vinho, que em parceria com investidores italianos, também contribui para a economia da ilha.”

Este desenvolvimento agrícola no Fogo, visa não só o abastecimento nacional, como pretende servir de alavanca para o renascimento de alguns setores muito particulares – como é o caso do café – capazes de serem exportados para outros mercados internacionais.

O turismo como fonte de riqueza 

Ainda outra área que pode ser fortemente explorada é a do setor do turismo. O Fogo acolhe um dos ex-líbris de Cabo Verde, que é precisamente o vulcão e a zona de Chã das Caldeiras. Conforme observa Sidónio Monteiro, “não existem muitas Chãs das Caldeiras por esse mundo o que me leva a acreditar que, com uma boa promoção de Chã das Caldeiras e do vulcão da ilha do Fogo, teríamos capacidade para atrair inúmeros turistas”, e justifica que “para a sustentabilidade turística de Cabo Verde, o turismo balnear não é suficiente, até porque este tipo de turismo, é de mais baixa rentabilidade económica, pois de uma maneira geral, é praticado pela classe média dos países mais desenvolvidos. Por seu lado, o turismo de montanha, é mais seletivo, o que permite maiores receitas ao país. Veja-se o caso de Lanzarote, que apostou neste tipo de turismo específico e altamente compensatório. Atualmente não suporta mais turistas que aqueles que recebe ao ano. Como já recebe cerca de dois milhões de turistas, a sua capacidade hoteleira encontra-se esgotada. Penso que seria uma boa oportunidade se Cabo Verde conseguisse captar alguns desses turistas. Contudo, há que ter condições para os receber”, e termina dizendo que, “resolvidas essas questões, penso que a Ilha do Fogo tem muito a ganhar no futuro.”

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O governante

Sidónio Monteiro possui uma carreira política invejável, o que só é possível com convicções ideológicas muito fortes. Hoje em dia está investido da função de servir as comunidades cabo-verdianas na diáspora. Reconhece que “é uma experiência interessante e gratificante”, e justifica que, o facto de durante muito tempo, ter trabalhado como médico ligado à assistência social, tem-lhe sido muito útil nos vários cargos políticos que tem desempenhado. “Durante o meu período como deputado, usava a minha experiência de médico por forma a encontrar alternativas para ajudar as pessoas nos seus problemas sociais. Por sorte minha, quando fui chamado ao governo, foi para me dedicar, em grande parte, aos problemas sociais ao nível do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social. Atualmente como deputado pela emigração, também não sinto muito a diferença comparativamente ao papel que, ao longo dos anos, já vinha a desempenhar”, afirma.

1- Sidonio Monteiro -Sidónio Monteiro, já tinha experiência nestas temáticas. Foi um dos elementos que montou um ministério até aí inexistente – o Ministério das Comunidades – o qual encabeçou como ministro durante mais de um ano.

Sobre as suas novas funções como deputado da emigração, admite que “pode haver uma dupla leitura, com uns a defenderem que o deputado devia estar junto da emigração e com outros a defenderem o contrário”, no entanto sustenta que “este deputado deve estar onde se decidem os problemas, podendo influenciar as decisões que são tomadas. Este tem sido o meu papel, por forma a que, o trabalho alinhavado enquanto ministro, possa agora ser desenvolvido e concretizado, pois considero-o muito importante para o futuro das comunidades fora do país.”

Para minimizar alguns dos condicionamentos impostos pela distância física entre o local onde são tomadas as decisões e o ponto onde essas comunidades se encontram, o deputado observa que, “tem-se apostado fortemente nas novas tecnologias, fazendo-se recurso a webtv’s e linhas telefónicas diretas e gratuitas. Inclusive, através do portal  porton de nos ilha, muitos dos nossos emigrantes conseguem obter, de forma imediata, variada documentação, tais como certidões de nascimentos e outro tipo de documentos.” Contudo, admite que há ainda muito a fazer, e que, “existem algumas deficiências, contra as quais estamos a trabalhar – nomeadamente, alguma demora na emissão dos passaportes dos nossos emigrantes nos Estados Unidos – mas que a curto prazo serão ultrapassadas”, afirma.

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Apesar de todo o crescimento económico e social de Cabo Verde nos últimos anos e ser um exemplo de boa governação em África, Sidónio Monteiro é da opinião que, “Cabo Verde ainda não atingiu a maturidade política e democrática”. Conforme justifica, “apesar de termos dado passos significativos na qualidade da governação e na implementação democrática, há ainda muito trabalho que tem de ser melhorado, sobretudo no que diz respeito a um dos aspetos fundamentais da democracia: a possibilidade de todos poderem ter acesso aos bens e serviços de igual forma. Enquanto não pudermos ainda dar esse tipo de acesso igualitário, penso que não podemos afirmar que a democracia esteja enraizada, pois a democracia não se refere apenas à liberdade de expressão ou à transparência dos processos governativos, tem também a ver com a parte distributiva. Temos que continuar a trabalhar por forma a melhorar as desigualdades sociais e isso deve ser motivo de preocupação de qualquer governo” e termina afirmando que “a diminuição do nível de desigualdade social, é, aliás, uma das prioridades do atual governo.”

Desejos futuros para a o Fogo

Como foguense, Sidónio Monteiro tem o desejo que se continue a apostar na educação e formação, pois como refere, “quando fui pela primeira vez para o Ministério do Trabalho, disse para mim mesmo que, se a minha passagem por aquele órgão governativo me possibilitasse a criação de um centro de formação profissional na Ilha do Fogo – isto relativamente aos projetos específicos para a ilha – eu já me dava por satisfeito. O foguense, de uma maneira geral, é um empreendedor nato. Pela sua capacidade e brio, sendo-lhes dada a possibilidade de terem vias de comunicação, água e energia, conseguem certamente um nível de desenvolvimento aceitável e esse será o meu maior desejo para o Fogo: que se continue a apostar na formação, pois tudo o resto será uma consequência desse investimento.”


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