01 Jan 2012
Padre Campos – Ligar a fé ao povo
Quando se fala da Ribeira Grande, em Santiago, é impossível dissocia-lo da génese dos seus habitantes. É dos membros mais antigos da comunidade, e falar da Cidade Velha, é falar do Padre Campos, um homem atento e preocupado com a evolução que actualmente vive a sociedade que o acolheu, há mais de 50 anos.
Tido como um homem simples, solidário e generoso, o padre português Custódio Ferreira de Campos é considerado por todos, uma forte ligação entre o povo cabo-verdiano e a Igreja. Recebeu-nos na sua humilde mas acolhedora casa, para ao longo de mais de uma hora, nos contar a suas experiências, preocupações e expectativas relativas ao futuro do povo que tanto ama.
Que memórias guarda dos primeiros tempos que chegou a Cabo Verde?
Cheguei a Cabo Verde a 4 de Outubro de 1954, já lá vão quase sessenta anos e, no entanto, parece-me que apenas passaram cinco curtos anos. Tenho esse dia na memória, pois fui mandado para cá e logo tomei contacto com as pessoas. Eram umas pessoas amáveis, simples, abertas. E essa memória nunca mais se esquece. É uma memória agradabilíssima, pelo carácter das pessoas. O que mais me impressionou foi o modo como estão à vontade connosco e nós com elas.
Nunca me arrependi de ter vindo. Como missionário, quando cheguei a Cabo Verde, tive que me desligar da terra que me viu partir, e integrar-me na vivência e nos costumes do povo que me recebeu de braços abertos. Comecei a minha integração a acompanhar o pároco que então aqui exercia.
Quais as grandes diferenças entre aqueles tempos e os dias de hoje?
Eu não acho que hajam diferenças essenciais. Há as diferenças normais, pois os tempos são outros. Houve mais progresso material. Não digo que o progresso espiritual não tenha também evoluído, mas sem dúvida houve muito mais progresso material que espiritual. Abriu-se caminho à emigração o que permitiu que as pessoas pudessem sair e ganharem lá fora a sua vida. Muitos foram para Portugal, para a Holanda, para os Estados Unidos, onde ganharam condições que cá não podiam ambicionar vir a ter. No entanto, o progresso espiritual e o progresso cultural não acompanharam o desenvolvimento verificado ao nível material.
Quando chegou a Cabo Verde, começou o sua actividade sacerdotal no Tarrafal. O que é que o motivou a começar precisamente aí?
Bem, em Portugal eu ouvia falar tanto mal do Tarrafal, com todas as situações ali vividas pelos presos políticos, que quando aqui cheguei, pedi imediatamente para ser destacado para lá, precisamente para confirmar pessoalmente, se era verdade ou não tudo o que diziam do Tarrafal. Depois de dois anos a missionar lá, depois do que vi e presenciei, concluí que a paixão é que dominava as mentes das pessoas.
Como é lógico, ninguém gosta de estar preso, ninguém diz bem da prisão, mas eu queria ver com os meus olhos. Concluí que as paixões falam muito mais alto que a verdade. Tomei conhecimento da prisão por dentro, conheci o pessoal da prisão, que eram portugueses e alguns cabo-verdianos. O que eu vi é que o modo de vida deles na prisão, em termos materiais, era muito melhor que o modo de vida que havia, por exemplo, na Praia.
Em sua opinião, a presença portuguesa em Cabo Verde ajudou a criar a identidade característica do povo cabo-verdiano?
Sem dúvida nenhuma. O governo português, tomou conhecimento das dificuldades que o nosso povo sentia. Chegou-se ao ponto em que Salazar disse “não pode morrer nenhum cabo-verdiano à fome, pois são nossos irmãos” e o governo fez tudo o que estava ao seu alcance por esta gente.
No entanto também devo dizer que este é um povo diferente. Qualquer pessoa que chegue a Cabo Verde, sente-se como que em casa. No entanto se for a outros países de África ou da Europa já não é assim. Há uma diferença radical entre este povo e outros povos. Onde podemos ver esta diferença é no amor do cabo-verdiano pela sua família. O cabo-verdiano faz tudo pela sua família. A ideia de sair de Cabo Verde e ganhar o sustento noutras terras é sempre com o objectivo em mente de um dia voltar e poder ajudar os seus. Esta é uma característica muito especial deste povo. Para mim esta é a grande diferença do povo cabo-verdiano.
Como viveu o momento da proclamação da independência de Cabo Verde?
No dia 5 de Julho de 1975, quando se proclamou a Independência Nacional no estádio da Várzea, viveu-se um momento maravilhoso. O Presidente da República, Aristides Pereira, e o Pedro Pires, fizeram um discurso em português extraordinário. Todo o povo teve a noção que aquele era um momento histórico.
A bandeira portuguesa desceu e subiu em seu lugar a bandeira de Cabo Verde. Tudo ocorreu de maneira pacífica, pois toda a gente concordou com a independência do país. Não quer dizer que não tenham havido algumas escaramuças e zaragatas, mas tudo sem grande importância. No entanto, também se tem de reconhecer o papel apaziguador da Igreja em todo o processo.
Apesar da mudança de regime, a Igreja sujeitou-se às novas autoridades de Cabo Verde legitimamente constituídas, no entanto sem nunca abdicar da fé em Deus.
Quase toda a sua vida evangelizou na Ribeira Grande. Como vê a perda de importância quando esta foi relegada para segundo plano após a construção da cidade da Praia e, no seu ponto de vista, o que esteve na origem dessa mudança?
Houveram vários factores que contribuíram para essa perda de importância, no entanto, para mim, o factor principal foi a insalubridade associada ao paludismo. O paludismo foi um mal que matava aqui muita gente e ninguém conhecia a doença. Chamavam-lhe “a doença da terra”. Essa doença matava gente do povo, do clero e até governantes. Derivado a isso, em 1760 a rainha Mariana Vitória de Bourbon, Rainha de Portugal, ordenou que a capital fosse transferida para a Praia, pois o clima era melhor, e não havia tantos mosquitos.
Esta é mais uma prova que a colonização dos portugueses foi muito diferente da dos ingleses ou franceses, por exemplo. Inclusive os ingleses afirmavam que Portugal não colonizou, mas sim, cristianizou. Daí que os portugueses se tenham fixado com tanto sucesso aqui. O factor fundamental para este sucesso foi sem dúvida o cristianismo.
Cabo Verde sempre teve um papel importante para Portugal. Naquele tempo, era essencialmente um ponto de passagem na descoberta o caminho marítimo para a Índia. No entanto, enquanto a Europa se preocupava com guerras religiosas, Portugal virou-se para o mar, (daí se compreender que em 1500 Portugal tenha chegado ao Japão, levando conhecimento e cultura – a primeira arma que chegou ao Japão foi levada pelos portugueses) e Cabo Verde teve um pequeno papel, mas muito importante, nesses marcos únicos e históricos de Portugal. Daí que a história de Cabo Verde não possa ser dissociada da história de Portugal. Esta é a verdadeira razão da união destes dois povos.
Prova da importância de Cabo Verde no processo de evangelização, é a presença aqui, na Ribeira Grande, da primeira Sé Catedral dos trópicos, a primeira de toda a África.
A Sé Catedral foi inicialmente dirigida por um jesuíta Francisco Santa Cruz, em 1546 e em 1700 estava destruída, devido à Pirataria que se instalou aqui aquando da perda da soberania de Portugal para os Espanhóis. Quando Portugal recuperou a sua soberania, uma das primeiras ordens dos reis de Portugal foi enviar bispos para cá, por forma a continuarem o trabalho de evangelização da Igreja.
Naquela altura, havia uma série de dialectos já instalados nas ilhas. Como era a comunicação entre os evangelizadores e o povo?
A questão do crioulo é uma questão muito engraçada. O crioulo não existia como dialecto, o que havia era o português mal falado. O crioulo surgiu mais tarde com a vinda dos escravos da Guiné Bissau, que passavam por aqui na sua viagem para a América Central. O convívio dos dialectos desses escravos com o “português mal falado” dos portugueses que aqui estavam, deu origem ao crioulo. E tudo começou precisamente aqui, na Ribeira Grande.
As danças, os cantares tradicionais e a cultura cabo-verdiana, tiveram a sua origem onde?
Bem, falar de cultura cabo-verdiana é muito discutível. Estas ilhas eram desertas, não havia pessoas, não havia tribos, logo não havia “raiz”. Ao contrário de outros países africanos, com um tribalismo enraizado de milhares de anos, Cabo Verde, como não era habitado, não possuía essas raízes. Daí que a cultura que se diz “cabo-verdiana”, seja na realidade uma cultura importada.
Vou-lhe dar um exemplo: quando morre alguém, fazem uma festa, matam um boi e convidam muitas pessoas. Esse hábito é importado da Guiné e de outros países com as tais raízes tribais. As danças, como por exemplo, o batuque, são na sua maioria danças com cariz de incitamento sexual, importadas de outros países africanos.
Hoje vive-se num mundo globalizado, onde os usos, hábitos e costumes dos povos, são influenciados por outras vivências provenientes de outras culturas com diferentes formas de estar e pensar. Qual a influência que todos estes novos meios de comunicação têm no povo de Cabo Verde?
Cabo Verde, apesar de ser formado por ilhas, não está separado do mundo. Hoje a maior parte das pessoas tem televisão e rádio. Isso é importante, pois as pessoas têm que conhecer o que se passa à sua volta, o que acontece no mundo. Agora é importante saber filtrar o que realmente interessa. Vou-lhe dar um exemplo: o caso das telenovelas. Toda a gente vê as telenovelas, mas nem se apercebem do mal que elas fazem. As pessoas não conseguem separar a realidade da ficção, e as novelas influenciam de forma negativa a vida das pessoas. Por isso, há que saber filtrar o que a comunicação social nos transmite, pois nem tudo é real e nem tudo é bom.
Quem tem essa responsabilidade de ensinar a filtrar as informações?
Bem, isso é outro ponto. É uma responsabilidade não apenas da Igreja mas também do Estado. Deve haver uma colaboração mútua entre as duas entidades. Transmitir os direitos das pessoas, mas também as suas obrigações. A comunicação social fala sempre dos direitos das crianças, dos homens e das mulheres, mas esquece-se de incutir as suas obrigações para com a sociedade, o que leva a um aumento, por exemplo, da criminalidade, que era coisa que não existia por aqui. Por isso tem de haver uma cooperação estreita entre o governo e a Igreja de forma a que se incuta na sociedade essa responsabilidade, esse respeito pelo próximo, e aqui a comunicação social tem um papel importante, pois tem a obrigação de transmitir as mensagens directamente às pessoas. Além disso, o exemplo tem de vir de cima. O povo tende a imitar os mais poderosos. Logo os nossos governantes, professores e pessoas com responsabilidade cívica têm que dar o exemplo. Não podem adulterar a história, não podem distorcer os factos, têm que os transmitir de forma clara ao povo, pois sem isso, não há uma consciencialização real da sociedade.
Diante dessas preocupações, quais são os principais anseios que tem para o futuro de Cabo Verde?
O principal anseio é o da obtenção da paz. Normalmente as pessoas associam a palavra paz a conflitos físicos, mas a paz é muito mais que a ausência desses confrontos. Quando falo em paz, falo num sentido lato, pois “a paz é a tranquilidade na ordem”, logo se não houver ordem não existe paz. No entanto esta paz não se obtém sem sacrifícios.
É preciso ordem material e ordem espiritual, sem uma não existe a outra. Primeiro temos que procurar a paz espiritual, para depois alcançarmos a paz material. É reconhecer os direitos e os deveres das pessoas. O meu direito acaba quando começa o próximo. Se ensinarmos isto aos mais novos, estaremos sempre em paz.
Comentários
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Francamente. É de uma tristeza enorme ler a forma como o padre Campos fala de pessoas do continente que influenciaram a cultura dos Caboverdianos. A forma como o mesmo enche a boca para falar em tribalismos etc. Até parece que domina o sujeito. Colonialista e basta!!!!
Trabalhei com ele durante anos nas duas Freguesias e conheço – o muito bem. Bom homen , com limites como todos. Mas nao aprecio a forma como fala do Continente,. Embora releve pois ficou parado no tempo com idéias retrogadas.
Adorei a entrevista paz e amor para o nosso povo tenho fé que um dia voltaremos a nossa origem onde o respeito e amor em primeiro lugar.