Os contratados
18 Mar 2021

Os contratados

Esta história começa, há muitos anos atrás, com o surgimento de uma nova realidade no outro lado do Atlântico. A introdução de culturas de elevado rendimento — nomeadamente o café (1787) e o cacau (1820) — associadas à conquista da independência do Brasil (1822) e ao fim do tráfico de escravos (1836), conduziram Portugal à necessidade urgente de recolonizar os territórios ainda sobre sua jurisdição. O arquipélago ultramarino de São Tomé e Príncipe não foi exceção e, a partir de meados do século XIX, assistiu-se nestas ilhas a um crescente restabelecimento da economia latifundiária.

A expansão das plantações de cacau e café e a implementação do colonialismo moderno pelos portugueses levou à marginalização política e económica da elite forra, também denominados filhos da terra, proprietários de grandes extensões de terrenos agrícolas que, acabariam por as perder para a nova vaga europeus. A conjuntura negativa do negócio internacional destes produtos levou a que, no início do século XIX, se reformulasse a estratégia comercial por parte dos novos proprietários das roças que, para fazer face às perdas na cotação dos seus produtos tiveram de aumentar a produção e, consequentemente, o recrutamento de mais mão-de-obra em outras províncias do então império português, nomeadamente de Angola, Moçambique e Cabo Verde. 

Bafejados pelas condições adversas de fome que na década de 40 do século XX assolou de forma impiedosa Cabo Verde, os colonos encontraram na contratação de serviçais cabo-verdianos uma fonte inesgotável de recursos capaz de empreender esta pesada tarefa. Para os desafortunados cabo-verdianos, o contratorepresentava a esperança e a única oportunidade de fugirem à fome e morte que reinava nas suas terras. Apesar de cientes do interesseiro aproveitamento da sua situação de desgraça, os cabo-verdianos abraçaram o contrato que lhes foi oferecido, envoltos numa mescla de sentimentos díspares, motivações variadas e sonhos de prosperidade nas terras férteis de São Tomé e Príncipe.

Esta edição da revista Nós Genti tem por objetivo fazer uma retrospetiva da história dos contratados cabo-verdianos e seus descendentes, identificando-os, dando-lhes rosto e ouvindo-os na primeira pessoa através de emocionantes testemunhos recolhidos nos mais variados locais das ilhas de São Tomé e do Príncipe. Os seus relatos são a constatação do infortúnio destas gentes, hoje quase todos envelhecidos, que mantêm acesa a chama do sonho e da esperança, quase tão antiga quanto as suas idades. 

A dura realidade das imagens e as resignadas expressões dos últimos contratadosdocumentados neste livro, revelam-nos a severa vida outrora vivida em total dedicação à terra que abraçaram como sua e que, mais de quarenta anos depois, afirmam preferir morrer a terem de ficar sem ela. 

Uma palavra de apreço muito especial é dirigida ao Exmo. Senhor Governador da Região Autónoma do Príncipe, Eng. José Cassandra que, de forma elevada e humana, expressou a sua sincera opinião sobre a situação difícil dos contratadoscabo-verdianos, e a sua vital importância para o desenvolvimento de São Tomé e Príncipe, considerando-os serem, por direito e desde a data da Proclamação da República, verdadeiros são-tomenses. Sublinha esta ideia quando cita o discurso da Independência Nacional no qual, o primeiro Presidente da República de São Tomé e Príncipe, Pinto da Costa, declarou que “_são cidadãos são-tomenses, todos aqueles que nesta data se encontram no País_”.

Deixo também uma palavra de encorajamento ao padre Francisco Brito e à senhora Paula Fonseca Tavares que, nas suas nobres tarefas eclesiásticas e sociais, têm vindo a realizar junto destas comunidades, valiosas obras na defesa dos mais desfavorecidos e vulneráveis.

Finalizo com um profundo agradecimento a todos aqueles que se dispuseram a dar a face e relatarem as suas experiências de vida em terras de São Tomé e Príncipe. Graças às suas singelas, mas nobres palavras, foi possível a produção desta edição especial sobre os contratados cabo-verdianos em S. Tomé e Príncipe.

Luís Neves
Director


visioncast

Nós Genti Cabo Verde