31 Mai José da Silva – O senhor da música de Cabo Verde
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José da Silva é um dos grandes nomes da música cabo-verdiana. Graças à sua intuição, conhecimento do mercado e experiência profissional invejável, José da Silva – ou Djô da Silva como é conhecido no meio – já lançou dezenas de carreiras artísticas. Cesária Évora foi, talvez, a mais emblemática e quem mais o marcou na sua já longa carreira de produtor musical, cheia de sucessos e conquistas. Djô da Silva dá-nos uma retrospetiva singular da sua vida pessoal e profissional, bem como dos projetos que tem em curso para continuar a divulgar, promover e dignificar a música e os artistas cabo-verdianos.
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José da Silva nasceu na Praia, na Fazenda. Com um mês de idade, o pai, comerciante com negócios no Senegal, levou-o para Dakar para que, com a sua mãe, começassem vida nova. As dificuldades começaram dois anos depois, após o pai os ter abandonado. “A vida não era fácil, mas a minha mãe era uma mulher forte e conseguiu ultrapassar todas as contrariedades. Cresci num bairro grande com gentes da Guiné Bissau, Cabo Verde e de Dahomey, atual Benin, o que me deu uma visão alargada de várias culturas africanas. Posso dizer que, apesar das dificuldades, passei uma infância muito boa”.
Regresso às origens
Frequentou a escola francesa, e com treze anos, junto com a mãe, parte para França onde continuou os estudos. Aos dezanove anos, interrompe o curso de gestão para cumprir o serviço militar obrigatório. Nessa altura mantinha já o sonho adiado de conhecer Cabo Verde. Com os trabalhos que arranjava durante as férias da escola, juntou algum dinheiro. “Tirei a direção da minha avó de um envelope e fui comprar a passagem. Como não conhecia ninguém em Cabo Verde, a minha mãe começou por ficar um pouco em pânico. Quando cá cheguei, percebi porque é que a minha mãe nunca se tinha esforçado por cá voltar: a família era extremamente pobre, a ponto de quando dei a morada da casa da minha avó ao taxista que me apanhou no aeroporto, ele perguntou-me se não era melhor passar primeiro por uma pensão”, recorda José da Silva. Quando finalmente chegou à humilde casa da avó, foi imediatamente rodeado por garotos que o tratavam pelo nome, facto que o deixou perplexo! “Ajudaram-me com a mala e segui-os até à barraca da minha avó e aí percebi como me conheciam: havia fotografias minhas por toda a barraca. Definitivamente eu era a vedeta daquela casa! Foi muito engraçado.”
Essa viagem a Cabo Verde viria a ser fundamental para o reencontro e afirmação de José da Silva com a cultura cabo-verdiana, consolidando de forma efetiva o gosto e admiração que sentia pela música tradicional da sua terra natal. Aqui encontrou muitas das raízes musicais que tinham povoado a sua infância no Senegal.
Os caminhos de ferro e o início de uma carreira musical
Depois de terminar a tropa, José da Silva trabalhou num escritório em Paris, mas a experiência não lhe deixou saudades. Procura então uma oportunidade como funcionário público do Estado francês, onde fez “todos os concursos públicos que conhecia de áreas muito diversas, acabando por ficar nos caminhos de ferro franceses. Mesmo sem ter nada a ver com o que estudei fui aceite e comecei de novo uma carreira. Aprendi a vender bilhetes e a prestar informações telefónicas. Depois de uma formação intensa para o cargo de regulador de linhas consegui o lugar e lá trabalhei durante onze anos”, diz.
Em Paris, conheceu uma associação de cabo-verdianos com os quais costumava jogar futebol aos fins de semana. Através desta associação, passou a frequentar as festas e as noites musicais que regularmente eram organizadas. Numa dessas festas, começou timidamente a tocar bombo. A experiência reavivou-lhe as memórias de infância e do prazer que sentia quando passava longas tardes a ouvir os discos de música latina, blues e funk que a mãe, com o pouco dinheiro que conseguia amealhar, comprava nas lojas de música do Senegal.
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Começou a encontrar-se com regularidade com esse grupo de amigos, até que surgiu a ideia de formarem uma banda musical. “Acabei por ser eu a convencer a malta a formar uma banda – acreditava que éramos bons e formámos os Sound of Cape. Eu é que arranjei lugar para ensaiar, os instrumentos e organizei a primeira festa para atuarmos – foi um sucesso que a malta não estava à espera. Começámos a tocar, a ter contratos e sugeri que tínhamos que gravar um disco. Ninguém sabia como é que o meio funcionava, por isso fui para a rua atrás de respostas. Falei com amigos de infância que estavam ligados à música que me foram dando algumas dicas. Como resultado, em três anos, entre 1983 e 85, gravámos três discos”, recorda Djô da Silva.
O facto de ter alguma flexibilidade horária como funcionário dos caminhos de ferro, permitia a Djô da Silva dedicar-se ao agenciamento e produção da sua banda musical. “Eu arranjava os contratos, vendia os discos, tratava do som, até que me apercebi que, como músico, não era grande coisa – a malta não se queixava, mas eu senti que mais desarranjava do que arranjava – mas uma coisa era certa, dirigia tudo com dedicação e sucesso e, talvez por isso, acabei por me tornar manager“, conta o produtor.
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Em 1985, os Sound of Cape eram já uma banda conhecida e famosa que ocupava cada vez mais tempo aos seus membros. Fruto do sucesso e dos muitos contratos que todos os meses José da Silva ia angariando, numa reunião, decidiram por unanimidade pôr termo ao projeto, uma vez que as frequentes ausências começavam já a criar problemas no seio familiar de muitos dos seus membros.
Descobrir a Cesária Évora
O músico e compositor Manu Lima, na altura à frente do grupo Cabo Verde Show, quando toma conhecimento do desaparecimento dos Sound of Cape, imediatamente convida José da Silva para manager do grupo. Em 1986, José da Silva estava finalmente em Cabo Verde a organizar uma tournée dos Cabo Verde Show por várias ilhas do arquipélago. Era a concretização de um sonho há muito tempo aguardado. Durante essa tournée, conheceu o Luís Morais e a Cesária, mas praticamente não a ouviu cantar. Em 1987, de férias com a esposa em Lisboa, José da Silva entra num bar de cabo-verdianos e depara com a Cesária Évora a cantar. “Na altura não me lembrei que já nos tínhamos encontrado em S. Vicente. Ficámos simplesmente a ouvir arrepiados e a saborear o momento. Quando terminou a sua atuação, estava decidido a falar com ela e a perceber quem era aquela pessoa. Soube que não tinha qualquer contrato e nem sequer tinha perspetiva de carreira; estava de regresso a Cabo Verde no dia seguinte e estava algo triste, pois tinha vindo a Portugal com alguma esperança e nada tinha acontecido. Como tinha conhecimentos em Paris propus ajudá-la.”
Cesária Évora concordou em viajar com José da Silva para Paris, no entanto, Djô sentia que precisava de alguém que o ajudasse naquela fase inicial, pois apesar de gostar e de sentir todo o potencial que a morna encerrava, não percebia muito daquele género musical. “O Luís Morais veio connosco e como não havia dinheiro para hotéis, a Cesária ficou num quarto dos meus filhos e o Luís ficou na sala e todos nos acomodámos na minha casa. Começámos os contactos e a fazer festas. Foi então que aconteceu, para mim, o inesperado: estava eu na condição de ajudar uma pessoa não muito conhecida, mas quando fizemos a primeira festa apareceram imensos cabo-verdianos que já conheciam bem a Cesária e a adoravam. Fizemos várias festas por França, viajámos à Holanda e em todos os lugares que íamos, tínhamos lotação esgotada.”
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Depois de seis meses a somar sucessos em todas as atuações que efetuavam, as pessoas começavam a reclamar por um disco. Em resposta a essa legião de fãs que a Cesária Évora já começava a ter, José da Silva conseguiu, com muito trabalho e à medida que iam conseguindo juntar dinheiro proveniente dos espetáculos que iam fazendo, gravar várias músicas, uma a uma, até que conseguiram finalizar o tão esperado disco a que deram o nome Cesária Évora – La diva aux pieds nus.
O primeiro grande sucesso discográfico
Durante os primeiros anos, José da Silva manteve uma equipa muito pequena a trabalhar nos espetáculos que Cesária Évora realizava para a comunidade cabo-verdiana. Além de Luís Morais, sempre que haviam atuações maiores, como as que frequentemente realizavam na Holanda, contratavam mais dois ou três músicos para os ajudarem. “A Cesária tinha uma força incrível e adaptava-se a qualquer músico. Por vezes, havia músicos que não tocavam assim tão bem e ela ainda assim tinha muito humor. Certa vez, no final de um espetáculo, ela disse-me: “diz aos gajos que quando encontrarem as notas, que me chamem para cantar”, lembra o produtor.
A grande oportunidade de promoção e divulgação iria surgir cinco anos depois de José da Silva ter começado a trabalhar com a Cesária. Estavam em 1991 e tinham acabado de receber uma proposta para fazerem um espetáculo no grande festival francês Musiques Métisses onde Cesária, pela primeira vez, iria atuar para um público essencialmente francês. Era a prova de fogo! José da Silva viajou para Cabo Verde para reunir músicos especialmente para esse espetáculo. Durante a viajem, apenas sabia que o grupo se iria chamar Mindel Band. Uma vez chegado a Cabo Verde, contactou o Tey Santos e explicou-lhe que precisava de uma banda musical para acompanhar a Cesária Évora. A única coisa que poderia prometer era a gravação de um disco e alguns espetáculos, inclusive na Holanda. Surgiram assim os nomes do Voginha, do Bau, do Humberto Ramos e do Tey Santos, dirigidos pelo Ramiro Mendes, que José da Silva tinha contratado a quando da gravação de Destino di Belita. Era numa época muito especial, em que “todos andavam apanhados pelos computadores e o Ramiro também. Foi uma luta, porque ele queria sons eletrónicos, e eu era contra”, revela Djô da Silva. Conseguiu negociar com Ramiro Mendes a apresentação de dois sets: um eletrónico e a mesma versão dos temas puramente acústicos. “Quando as pessoas ouviram a Cesária a cantar as mornas com som em acústico, a sala ficou ao rubro. Eu estava sentado no meio dos jornalistas e apercebi-me dos comentários deles e compreendi, naquele preciso momento, que o caminho a seguir era esse: os sons acústicos e tradicionais de Cabo Verde”, revela José da Silva.
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Após esse espetáculo monumental, José da Silva regressa a Paris e decide, com o Luís Morais, gravar uma noite cabo-verdiana, num disco totalmente acústico. Ao fim de apenas dois dias de estúdio, tinham terminado o disco Mar Azul, um registo fabuloso de espontaneidade e verdade na interpretação da morna de Cabo Verde, que se viria a tornar o primeiro grande sucesso discográfico de Cesária Évora e José da Silva.
A projeção internacional e a guerra das distribuidoras
Grande parte do sucesso inicial de Cesária Évora foi devido aos media e à forma carinhosa com que a divulgaram. Apesar de algum reconhecimento internacional, não havia ainda nenhum grande distribuidor interessado no primeiro trabalho discográfico da artista. José da Silva não desistiu, e com o primeiro disco na mão, bateu à porta da distribuidora Melodie conseguindo que um dos temas fosse incluído num CD de músicas do mundo que a etiqueta se estava a preparar para lançar.
Após o sucesso dessa participação numa coletânea internacional, a Melodie aceita distribuir o disco Mar Azul que vende 50 mil exemplares. Todo o sacrifício e investimento inicial que José da Silva tinha feito em Cesária Évora, começava agora a dar retorno. A imprensa começa a falar de Cesária, o dinheiro começa a entrar e rapidamente José da Silva propõe-se lançar novo disco, agora com uma produção mais sofisticada. Com Paulinho Vieira, pensa num reportório e numa produção grandiosa. Com a imprensa favorável e o público embalado no sucesso de Mar Azul, José da Silva lança, em 1992, Miss Perfumado que vende 250 mil exemplares, apenas em França.
Em 93, José da Silva vê-se pressionado pelos grandes da indústria, da Universal, à BMG. Todos queriam comprar Cesária… e ele sem querer vender. “Consegui resistir a uma pressão enorme. A qualquer hora do dia ou noite apareciam-me com propostas altíssimas e sempre cada um a oferecer mais que o outro. Só queria trabalhar e só precisava de um distribuidor e quem aceitou foi a BMG. Assinámos o nosso contrato em 93. Era livre para sair da Melodie porque os discos eram meus; eles só faziam a distribuição. Quatro anos depois a BMG foi comprada pela Sony e assim passámos a integrar o catálogo da Sony Music, o que se revelou bastante proveitoso para todas as partes”.
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No meio de toda essa batalha pela distribuição, Cesária Évora mantinha-se serena. Nunca se fez valer da sua posição. Confiava plenamente nas decisões de José da Silva. Tal como sublinha o produtor, “essa confiança surgiu da forma como começámos a trabalhar. A Cesária conhecia-me bem, viveu na minha casa com a minha família, assim como eu conheci a família dela. Viu em mim também muito respeito e a dada altura era como se fossemos uma única família. Nunca prometi o que não podia fazer. Tudo o que prometi funcionou e foi graças a essa confiança que conseguimos trabalhar. Trabalhámos muitas vezes sem dinheiro, mas também trabalhámos com a mesma confiança quando já havia dinheiro a entrar. Fui praticamente dono do negócio dela. Era uma mulher muito inteligente; eu colocava as hipóteses todas na mesa, mas era ela quem tinha a palavra final e decidia e sempre muito bem. Mesmo quando tive todas as pressões para vender, falei com ela e expliquei que por mim não o faria, mas se ela quisesse trabalhar com outros era livre para o fazer e ela escolheu ficar comigo. Tinha muita sensibilidade e perceção das pessoas; via para além do que estava à vista e facilmente percebia se estava a lidar com uma boa ou má pessoa. Foi assim que sempre fez boas escolhas e me influenciou. Mesmo na minha vida eu tinha sempre em conta a opinião dela sobre as pessoas que se relacionavam comigo e tudo fazia para que ela estivesse sempre bem. Mais do que uma equipa, éramos uma família.”
Cuba e a música latina
Antes de trabalhar com Cesária, José da Silva já tinha gravado outros discos. No seu portfólio contava já com artistas como Jacqueline Fortes, Dudu Araújo e Luís Morais. De 1992 a 1996, José da Silva trabalhou em exclusivo com Cesária Évora. Devido à Lei francesa, o produtor não podia ter uma empresa e continuar como funcionário do Estado, como tal, decidiu abdicar da função pública para se dedicar inteiramente à produção musical.
Os anos em que trabalhou apenas com Cesária Évora, proporcionaram-lhe muitos conhecimentos, quer ao nível do negócio da música, quer em contactos com pessoas ligadas ao setor. Fruto do sucesso alcançado, José da Silva começa a ter muita pressão por parte de músicos amigos que queriam, também eles, gravar e editar os seus trabalhos.
Em 1996, José da Silva acede a esses pedidos e abre uma editora dedicada à música cubana, que era o género que desde criança o fascinava. O facto de ter uma marca própria e algum dinheiro para investir, fez com que decidisse ir para a América Latina trabalhar nos estilos que mais gostava: o reggae e a música cubana. José da Silva passou três semanas apenas a recolher informações: uma em Porto Rico, outra na Jamaica e finalmente a terceira semana em Cuba. “Não gostei do ambiente de Porto Rico pelo que coloquei logo de parte a possibilidade de trabalhar esse mercado. Na Jamaica, conheci vários artistas ligados ao reggae e participei num grande festival internacional que estava a decorrer na altura, mas a forma de se fazer negócio não me entusiasmou. Eu falava com eles um dia, acertávamos os pormenores, mas ao outro dia eles já tinham esquecido tudo e eu tinha que voltar ao início. Desinteressei-me da Jamaica e fui para Cuba, o país cuja música sempre me acompanhou durante a infância”, confidencia o produtor.
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Em Cuba, num dos passeios que costumava realizar, descobriu um cartaz que anunciava a festa dos cinquenta anos da Orquestra Aragón. “Foi uma noite fabulosa, pois aquela era a orquestra que ouvia na minha infância. No final do concerto, soube que eles não tinham produtor. Apresentei-me, disse-lhes que era produtor e que gostaria de trabalhar com eles e eles aceitaram. Regressei a França para estudar o mercado da distribuição da música cubana e três meses depois estava novamente em Cuba a produzir. Gravei três discos com eles que foram um grande sucesso… eles retomam as tournées da América Latina, Europa e África. Esse sucesso acabou por ditar o meu afastamento do mercado. Devido ao grande sucesso que eu estava a ter, o Governo cubano começou a exigir cada vez mais impostos o que tornava a atividade impossível, como tal, resolvi parar, fechei o escritório e decidi continuar a trabalhar a partir de Paris”, conta. No total, José da Silva esteve dez anos em Cuba. Nesse período editou mais de vinte álbuns de música cubana.
A morna após Cesária
“Cantar o sentimento é o forte da música de Cabo Verde. A nossa música e maneira de cantar são únicos no mundo. Já vi público dos mais variados lugares do mundo, com culturas totalmente diferentes entre eles a renderem-se à morna, pois o sentimento que os intérpretes empregam no ritmo cadente da música acaba por passar para o íntimo de quem ouve, e acontece uma explosão de sentimentos. Quando a estes ingredientes acrescentamos vozes como a da Cesária, do Bana ou do Ildo Lobo, capazes de interpretar como ninguém as letras do B. Léza ou do Eugénio Tavares, então atingimos o clímax deste género musical que é só nosso. Penso que jamais iremos conseguir os mesmos resultados com outros ritmos de Cabo Verde. São ritmos interessantes, mas não trazem nada de novo, pois podem ser encontrados noutras partes do mundo”, diz José da Silva.
Apesar de nos últimos anos Cabo Verde ter visto partir grandes intérpretes e compositores da morna cabo-verdiana, José da Silva mantém-se otimista quanto à perpetuação do género musical que consagrou Cabo Verde no mundo das artes, pois acredita que “a morna irá continuar a ter um longo e próspero futuro como fiel representante da música cabo-verdiana, ocupando um espaço privilegiado na exportação da nossa cultura, no entanto, acho difícil voltarmos a atingir o reconhecimento internacional que foi alcançado com a Cesária, pois apesar de a Cesária ser uma intérprete excecional, também surgiu num momento excelente do panorama musical interacional.”
Mesmo com estas dificuldades conjunturais, começam a aparecer outros nomes capazes de dar continuidade a essas grandes vozes da morna. Conforme destaca o produtor, “o Zé Luís é um desses intérpretes que começa a despertar o interesse da comunidade musical internacional. Também nas novas gerações começam a aparecer jovens a se interessar pela morna, no entanto, e uma vez que a morna também é uma vivência, penso que será necessário que esses jovens amadureçam um pouco mais para poderem colocar todo o sentimento e emoção que só a vida proporciona, quando estiverem a interpretar a morna, e esse sentimento é vivência, é tempo, como tal não podemos pedir que os jovens tenham o mesmo desempenho que um homem de sessenta anos, como por exemplo o Zé Luís”, diz.
O futuro da indústria musical
As novas tecnologias de informação, nomeadamente a Internet, estão a assumir, cada vez mais, um peso fundamental nas receitas da indústria discográfica mundial. Apesar de ter começado mal – pois deu a possibilidade de toda a gente copiar e distribuir temas musicais – essa fase está a terminar e está-se atualmente a assistir a um novo período, precisamente a da facilidade de adquirir temas musicais. A indústria organizou-se e conseguiu desenvolver ferramentas capazes de atrair novos públicos: maior facilidade de adquirir e ouvir música (nunca antes se tinha ouvido tanta música como hoje em dia), que trouxeram consigo algo que nunca ninguém tinha pensado: a possibilidade de se ouvir muita música sem ter que a comprar, apenas alugar. Esta componente do negócio, que era inexistente até há uns anos atrás e que está atualmente a evoluir de forma extraordinária, é o chamado streaming, que é um sistema de aluguer de música em que a pessoa paga uma determinada quantia mensal para ter acesso a um gigantesco banco de música com todos os géneros imagináveis, contudo, a pessoa não pode efetuar o download da música, apenas tem possibilidade de a ouvir. José da Silva considera este modelo de negócio como “o futuro da indústria musical. Num período de três anos, o streaming já representa 30% de toda a faturação do setor, e com tendência a aumentar. Eu, que era um purista, fiquei rendido a esta tecnologia assim que comecei a ver os resultados práticos desta nova forma de vender música. Penso que esta modalidade será o futuro, por isso, os músicos cabo-verdianos têm que começar já hoje a adaptarem-se a estas novas realidades, sob pena de ficarem para trás neste competitivo ramo de negócio”, refere.
Mas, para continuarem competitivos, esta não é a única adaptação que os músicos cabo-verdianos deverão fazer. Conforme refere José da Silva, “a organização e gestão das carreiras irá ser o elemento diferenciador, também em Cabo Verde. Os músicos cabo-verdianos têm uma excelente sensibilidade musical, uma performance magnífica, contudo não são grandes artistas, pois não têm formação para agir como tal. Não se sabem vestir como artistas e não sabem tirar partido da sua imagem e postura em palco. Não sabem o que é um contrato nem o que o mesmo implica, etc. Apesar da inegável qualidade técnica, precisam de se valorizar e saberem-se vender, como artistas que realmente são.”
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Também o facto do país ainda estar a dar os primeiros passos na organização da sua indústria musical, trás algumas dificuldades aos músicos nacionais, que muitas vezes não têm a quem recorrer para pedirem informações e esclarecimentos sobre determinadas questões relacionadas com as suas carreiras artísticas. “Num país como Cabo Verde, não há uma Sociedade de Autores, um sindicato de músicos; não há organizações de músicos e produtores, por isso, fala-se muito numa indústria cultural, mas há ainda muito a ser feito. O mercado está atualmente sujeito a dois ou três produtores e nada mais.”
Para José da Silva, o facto de a indústria musical em Cabo Verde ainda se encontrar numa fase embrionária, deve-se essencialmente a questões culturais. “A música era vista como algo normal e banal, por isso não era valorizada. Ser músico não é trabalho!, era algo que frequentemente se dizia. Felizmente as coisas estão a mudar. Há já alguns jovens que estão a estudar e a interessar-se por aprender; uns de forma autodidata, através da internet, outros através de escolas. Se organizarmos uma jam session, por exemplo, em São Vicente, aparecem dezenas de jovens muito bons executantes, alguns dos quais já com profundos conhecimentos musicais. Por isso, é necessário que o país se organize rapidamente, para que estes valores não se percam. Penso que se poderia investir mais na formação dos nossos artistas e nesse campo o Estado tem um papel fundamental”, refere o produtor.
Esta adaptação às novas exigências de um mundo globalizado e altamente competitivo não são apenas para os músicos, estendem-se também para os produtores musicais. Conforme diz José da Silva, “o mercado tem apenas dois ou três produtores, que nem sequer são profissionais. Quem quiser montar um espetáculo, apenas precisa de pedir uma licença. Depois ficam muito admirados por terem perdido dinheiro na montagem do espetáculo. Falta ainda algum sentido de profissionalismo e gestão em toda a atividade”, e dá como exemplo os artistas, em que mais de setenta por cento dos discos que são colocados à venda no mercado são autoproduções conseguidas com ajuda de patrocínios e subsídios. “Se o disco não vende, pois não está a ser corretamente promovido, não tem publicidade ou tem uma imagem menos favorável, são aspetos que não interessam muito ao artista, pois o dinheiro para a produção do trabalho já foi realizado através do patrocínio ou do subsídio. Falta ao setor musical cabo-verdiano a componente profissional que, nesta indústria, é fundamental”, sublinha o produtor.
Organizar e valorizar a música nacional
Já no período que antecedeu a morte de Cesária Évora, José da Silva vinha a desenvolver um profundo trabalho com vários artistas nacionais, o qual incluía a organização de alguns eventos de divulgação e de promoção da indústria musical e cultural do país. Durante cinco anos organizou o Festival da Baía das Gatas, em São Vicente e durante dois anos o Festival da Ilha do Sal.
Após a morte de Cesária Évora, José da Silva dedicou-se ainda mais intensamente a esta causa. “Transformei este meu trabalho como que numa missão. Estarei sempre grato à cultura do meu país, pois mudou a minha vida, como tal, devo muito a esta nossa cultura. Vou tentar retribuir a Cabo Verde o conhecimento que adquiri ao longo destes anos em que trabalhei na área cultural. Se o país estiver recetivo às minhas iniciativas, eu certamente que estou pronto para poder contribuir para que a nossa cultura se possa organizar e valorizar.”
Dessas iniciativas destacam-se a Atlantic Music Expo e o Kriol Jazz Festival, ideias que, tal como refere o produtor, “há muito que vinham a ser desenvolvidas em conjunto com o atual ministro da Cultura, Mário Lúcio”. Quer o Atlantic Music Expo, quer o Kriol Jazz Festival são iniciativas que começam já a dar frutos, colocando Cabo Verde no panorama internacional da worldmusic. Para José da Silva, “o Governo e as Câmaras Municipais já entenderam a importância que estas iniciativas têm para o desenvolvimento da cultura e da economia nacional, como tal, penso que estou a contribuir para se efetuar uma pequena revolução cultural que se espera bastante importante para o futuro das artes no país. Penso que a música pode ser um excelente veículo na promoção internacional de Cabo Verde, por isso, sempre que me seja possível, tentarei através da música valorizar os melhores locais que Cabo Verde tem para oferecer a quem nos visita.”
O “senhor da música de Cabo Verde”, como por muitos José da Silva já é conhecido, é um homem satisfeito com o trabalho que até aqui tem realizado. O facto de conhecer bem o mercado musical internacional e de ser um produtor empenhado e dedicado, dão-lhe alento e forças para continuar a produzir, promover e divulgar a música de Cabo Verde nos quatro cantos do mundo.
Benvindo Barros
Posted at 21:26h, 24 FevereiroE uma honra para cultura musical de cabo verde e para todos os que estegem ligado a esta arte tão bonita que Cabo verde tem. Que os Ministros da cultura de Cabo Verde estegem atento
Jetro da Silva
Posted at 19:21h, 08 MarçoGrande entrevista. So tenho respeito pelo senhor Jose da Silva, uma herança caboverdiana. Sua contribuiçao demonstra um exemplo de alguem que ama a sua terra e mostra gratidao ao compartilhar conhecimento verdadeiro a todos que lerem esta entrevista. Mais uma vez, parabens. Leitura bela e inspiradora . Entretanto, acredito que vivencia nao esta relacionada a numero. Um a pessoa jovem com vivencia pode interpretar uma musica como a morna, no meu ver. Existem Jovens que ja passaram por especiencias de vida que muitos mais velhos ainda nao compreendem….
António Simões
Posted at 00:20h, 03 JaneiroObrigado por este artigo muito interessante sobre a vida de uma pessoa que muito tem contribuído para a divulgação da música de Cabo Verde