Josefina Chantre – O contributo das mulheres para a independência
30 Set 2012

Josefina Chantre – O contributo das mulheres para a independência

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Josefina Chantre, por todos conhecida como Zezinha Chantre, nasceu em Santo Antão, numa família de dez irmãos. Era uma família pobre, tradicional, com uma educação muito rigorosa, apesar do pai, devido ao trabalho como marítimo, estar a maior parte do tempo ausente. Começou a distinguir-se dos irmãos bem cedo, posicionando-se de maneira diferente perante os desafios diários. Estudou em São Vicente e, mais tarde, viajou para Portugal para se matricular num curso de serviço social. Participou na luta de libertação nacional, e após a independência, dedicou a sua vida à igualdade das mulheres.

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Josefina Chantre - Revista Nos Genti -

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Josefina Chantre conta que, apesar de em Portugal ter feito um curso médio, quando voltou para Cabo Verde não encontrou emprego. “Como tinha um tio em Angola, escrevi-lhe, sem ninguém saber, pedindo-lhe que me mandasse para lá”, admite. Como já tinha 21 anos, os pais aceitaram facilmente a sua decisão de abandonar a sua terra. Trabalhou no Instituto de Assistência Social de Angola. No contacto com os bairros degradados de várias províncias, começou a sentir as diferenças e a injustiça social, “apesar de, na altura, não ter muita perceção do que estava a acontecer, só sabia que qualquer coisa não ia bem. Estive lá aproximadamente dois anos e depois pedi transferência para Luanda. Consegui uma equivalência e fui matricular-me no Instituto Superior de Serviço Social de Luanda. Fiz dois anos do curso e depois fui para Portugal, porque a injustiça que se via e sentia era gritante”.

“Em Lisboa, comecei a namorar um rapaz de Moçambique, que estava a acabar o curso. Quando finalizou os estudos, para fugir à tropa colonial, foi para a Suécia fazer um estágio. Amaro da Luz, que era o representante do PAICV em Lisboa, sempre na clandestinidade e com muita descrição, mobilizou-me para a luta pela independência, de forma muito sigilosa. Fui para a Suécia atrás do desse namorado e durante os vinte dias em que lá estive, apercebi-me que era necessário lutar, pois o mundo não era aquele que vivíamos sob o jugo colonial repressivo. Acabei por ter de me separar desse meu companheiro, por não me terem deixado ir com ele para a Argélia. Entretanto, tive tempo de conhecer o PAIGC. Mais tarde, fui para Conacri ajudar nos movimentos de libertação nacionais”, conta.

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Com a morte de Amílcar Cabral em janeiro de 1973, Zezinha Chantre, que já tinha estado na Argélia, é enviada juntamente com Inácio Semedo – um representante do PAIGC – para aquele país do norte de África. “Havia uma grande azáfama, porque, depois da morte de Cabral, houve necessidade de fazermos uma frente de explicação dos motivos que estiveram na origem do seu assassinato. A Argélia, foi um dos países que nos apoiou incondicionalmente e que desempenhou um papel preponderante, não só durante a luta armada – com apoio logístico e formação dos nossos camaradas – mas ajudando também nas negociações de Londres. Recordo que, para que tivéssemos mais dignidade durante as negociações, o presidente argelino enviou-nos num dos seus aviões pessoais”.

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O esforço, a perseverança e o sofrimento causado pela luta de libertação, culminam finalmente com a declaração de independência de Cabo Verde, a 5 de julho de 1975. Zezinha Chantre, recorda esse dia com muita emoção mas também com algum desalento. Conforme diz, “Cabo Verde, assim como as outras colónias, foi colonizado durante 500 anos, no entanto, não tínhamos onde receber os nossos convidados que se disponibilizaram para virem festejar connosco esse dia tão importante da nossa história. Acho que isso foi uma vergonha para a parte colonial. Tivemos de recorrer a casas de privados e aos nossos amigos. Lembro-me que Cuba enviou dois barcos. As pessoas ficavam na baía e tinham de dormiam a bordo, porque não havia nenhuma infraestrutura capaz de as albergar. Apesar de tudo, vermos a nossa bandeira ser hasteada, foi motivo de grande orgulho”, recorda emocionada. Zezinha Chantre refere que, “a maior dádiva que obtivemos, foi termos tido a possibilidade de iniciar a construção de uma nação livre, independente e soberana”.

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Josefina Chantre destaca o importante papel da mulher na construção de Cabo Verde. Na sua opinião, “a mulher cabo-verdiana foi duplamente colonizada: primeiro foi explorada pelo colonialista e depois pelo próprio homem”. Conforme argumenta, “no limiar da independência, a participação da mulher cabo-verdiana na luta armada da libertação nacional não foi fácil, mas mais difícil continuou a ser para mudar as mentalidades de muitos homens. Eu fui casada com um dirigente e sofri na pele, tal como muitas outras, quando decidimos que a mulher cabo-verdiana, pela sua situação de inferioridade, precisava de uma discriminação positiva. Cheguei a Cabo Verde em 1980, mas um grupo de mulheres veio para o arquipélago mais cedo, logo a seguir à independência, para tentar caracterizar e estudar a situação da mulher cabo-verdiana nas diferentes áreas – social, política, económica e cultural – chegando à conclusão de que, mereciam realmente atenção face à sua situação social”.

Josefina Chantre - Revista Nos Genti -Contudo, o partido não partilhava dessa opinião. “Para eles, o desenvolvimento de Cabo Verde devia ser global, no entanto, apercebemo-nos que essa ideia estava errada. Constituindo as mulheres mais de metade da população, teria de haver uma força motora que trabalhasse especificamente a sua problemática. Foi assim que nasceu a primeira organização das mulheres em Cabo Verde. O problema que se colocava, relacionava-se com a criação de espaço afirmação na sociedade. Em Cabo Verde, por exemplo, nem direito a voto tínhamos e havia profissões que estavam vedadas a qualquer participação feminina; ao casar-se, a mulher tinha de usar o apelido do marido; era vista apenas como fator de reprodução, confinada às lides domésticas. Apesar de tudo, já foi percorrido um longo caminho”, desabafa.

Em relação à igualdade de oportunidades entre homens e mulheres na sociedade cabo-verdiana, Zezinha Chantre atribui parte do mérito ao governo, “uma vez que este subscreveu todas as convenções sobre a eliminação da desigualdade, contrariamente a certos governos africanos que, apenas ratificam os acordos, porque isso lhes dá um certo índice de boa governação”, afirma.

“Temos trabalhado incansavelmente com a rede de mulheres parlamentares, fazendo pressão junto dos nossos governos em prol da equidade feminina. Cabo Verde é um país bem posicionado em termos de leis de proteção à mulher, mas o nosso grande desafio é levar essas mulheres a apropriarem-se dessas leis, em proveito próprio. Por isso, o nosso trabalho tem sido o de sensibilizar, divulgar e informar as mulheres cabo-verdianas dos seus direitos, ajudando-as na construção de um país melhor, pleno de oportunidades para todos os cidadãos”.

Cabo Verde é atualmente um país de rendimento médio, que está a criar novos alicerces e a abrir-se para o mundo, mas “tudo isso é também resultado da participação das mulheres cabo-verdianas, que são mais de metade da nossa população. Cabral dizia-nos que a emancipação da mulher tem de ser obra e fruto das próprias mulheres e para não pensarmos que os homens iriam trabalhar pelas mulheres ou que iriam querer dar-nos tudo de mão beijada”, confidencia. “A mulher atual, quando comparada com a mulher de 1975, é muito diferente. Hoje temos mulheres em todos os quadrantes da sociedade cabo-verdiana através do seu mérito, temos mulheres aviadoras, mulheres ministras, autarcas e administrativas altamente qualificadas, no entanto, os desafios ainda existem, porque ainda temos a feminização da pobreza, os fenómenos da violência baseada no género, isto apesar da lei de março de 2010, que criminaliza estes atos”, confessa.

Zezinha é da opinião que, nos dias de hoje, a luta deve-se centrar mais na mudança de mentalidades, “porque a sociedade, outrora escravocrata, ainda tem resquícios desse fenómeno triste e longínquo. Apesar das vitórias serem imensas, os desafios ainda são maiores, mas entendo que conseguiremos atingir os nossos objetivos através de políticas, de projetos para a igualdade de géneros, por forma a que possamos construir um país pleno de igualdade.”

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O desenvolvimento não trouxe apenas aspetos positivos. Conforme salienta, “é evidente que a família cabo-verdiana está extremamente fragilizada. Somos um país de emigração – os homens iam e as mulheres ficavam, mas, a partir de um determinado momento, as mulheres também tiveram necessidade de partir, de emigrar, perdendo o seu papel de educadoras e transmissoras dos valores éticos pelos quais se devem guiar as sociedades equilibradas. A família cabo-verdiana está, neste momento, bastante fragilizada, mas são consequências, como diz o camarada Pedro Pires, do desenvolvimento. Nós, as mulheres, não podíamos ficar todo o tempo a lavar, a cozinhar e a pilar. A mulher também precisa de se expandir e de se posicionar no mundo globalizado em que vivemos. Também temos direito a ocupar o nosso lugar neste mundo global”.

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Zezinha Chantre crê que, em primeiro lugar, “os jovens têm de amar o seu país, porque apesar de Cabo Verde não ter ouro, petróleo ou diamantes, tem paz e estabilidade política, que são fundamentais para o crescimento e são precisos manter. Temos de refletir nos valores que cimentaram o posicionamento do cabo-verdiano desde o 5 de julho de 1975 até hoje, para que os mais jovens possam abraçar os desafios que se colocam neste momento à sociedade cabo-verdiana. Temos de ser capazes de elevar o desenvolvimento das nossas ilhas a um patamar mais alto, construindo um país de paz, de harmonia, de mais inclusão social, de mais tolerância, e de menos violência, pois é isso que caracteriza a humanidade”, conclui.


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