Ilha do Fogo – Um desenvolvimento singular
01 Out 2012

Ilha do Fogo – Um desenvolvimento singular

Sendo uma das dez ilhas de Cabo Verde e a segunda do arquipélago a ser povoada, foi denominada inicialmente por ilha de São Filipe. Contudo, a notoriedade do seu imponente vulcão tornou-se um dos símbolos mais representativos da ilha, dando origem ao nome que prevalece atualmente: Ilha do Fogo.

A ilha do Fogo é, em extensão, a quarta do arquipélago, com uma superfície de 476km2, estando localizada entre as ilhas de Santiago e Brava. A sua proximidade em relação à ilha de Santiago e as potencialidades agrícolas exploradas nos primórdios do povoamento de Cabo Verde fizeram desta, uma das primeiras ilhas de ocupação permanente.

6- Ilha do Fogo a renacer das cinzas - Revista Nos Genti -

O ano 1460 é marcado pelo documento mais antigo referente à ilha do Fogo (Carta Régia de 13 de dezembro de 1460), sendo essa a data mais provável do seu descobrimento. Todavia, a origem exata do seu povoamento que se encontra envolta num grande mistério, pois várias são as datas apoiadas por diversos historiadores, sem que cheguem a um consenso.

Foi, provavelmente, no final do século XV que a ilha do Fogo começaria a ser povoada e explorada por moradores de Santiago – europeus, sobretudo naturais de Portugal, Espanha e Itália – e por africanos e escravos da Costa da Guiné, sabendo-se também que as casas eram construídas de forma rústica e os recursos em água, conhecidos no início do século XVI, eram escassos.

5- Ilha do Fogo a renacer das cinzas - Revista Nos Genti -Em 1493, Fogo tinha por capitão, Fernão Gomes e, em 1528, a capitania da ilha foi doada ao conde de Penela. O Capitão da ilha tinha de aproveitar os terrenos baldios para a colheita do algodão que, provavelmente já crescia espontaneamente. É possível que, na ilha do Fogo, a produção do algodão tenha superado a da ilha de Santiago. Esta produção destinava-se à exportação e ao artefacto de panos-de-terra, que deveriam alimentar o resgate de escravos na vizinha costa africana. A técnica do fabrico de panos era dominada pelos escravos, em teares semelhantes aos utilizados no Continente, mas com padrões visuais desenvolvidos no arquipélago. Os escravos assumiram um papel tão relevante, que nem o clero dispensava os seus serviços. O trabalho dos escravos era a força motriz da economia agrícola, sendo-lhe facultado um dia para encontrarem os meios de subsistência diária e os outros seis dias para tornarem produtivas as terras do amo.

As donatarias foram a primeira forma político-administrativa introduzida em Cabo Verde, em que cada donatário tinha a incumbência de prestar contas ao rei de Portugal. Desta forma, com o sistema de Capitanias, instituiu-se nas Colónias uma administração excessivamente descentralizada que contrariou os próprios interesses da Metrópole, pois tornou difícil controlar tanto o pagamento de todos os impostos como as diversas atividade dos donatários e colonos. Os donatários recebiam as capitanias não como proprietários, mas como administradores. As capitanias eram hereditárias, indivisíveis, intransferíveis e inalienáveis, sendo os donatários quem deveria arcar com as despesas da colonização.

A Capitania Hereditária tinha como objetivo acelerar a colonização efetiva de Cabo Verde, transferindo para particulares os encargos da colonização. Portugal atraía os interesses de alguns nobres portugueses a Cabo Verde, dando-lhes direitos e poderes sobre a terra e transformando-os em donatários das capitanias, com a Carta de Doação a estipular a concessão da capitania ao donatário. Mais tarde, em1592, o Governo Português, através do Regimento Geral, definiu as bases da nova administração. Em vez de uma autoridade que representava diretamente o poder real – Governo-geral (Governador), a colónia passou a ter, a partir daí, uma sede do Governo português. O governador-geral era auxiliado por três funcionários, também designados pelo próprio rei: o ouvidor-mor, responsável pela aplicação da justiça em toda a colónia; o provedor-mor, responsável por todos os negócios da Fazenda Real – arrecadação dos tributos e impostos – e o capitão-mor, que cuidava da defesa do litoral. Teoricamente, a administração passou a ser centralizada nas mãos desses quatro funcionários reais: o governador, o ouvidor, o provedor e o capitão-mor.

Na prática, isso demorou a ser implantado, principalmente pela extensão de terra e da costa e o consequente isolamento das povoações dispersas pelo território, acrescido das dificuldades de comunicação e transporte. Durante muito tempo, alguns donatários relacionaram-se diretamente com a Coroa, ignorando a presença do próprio governador-geral. Por outro lado, inúmeras vezes, o monarca fez o mesmo.

16- Ilha do Fogo a renacer das cinzas - Revista Nos Genti -A primeira erupção vulcânica registada, aconteceu em 1500, no entanto, foi em 1680 que outra erupção, com o respetivo terremoto, foi tão violenta que levou os colonos a fugir e a estabelecer-se na ilha Brava, precedidos pelos escravos libertos de Santiago e do Fogo. A população destas ilhas aumentou consideravelmente devido às vantagens concedidas aos rendeiros desde 1504, sendo a sua importância impulsionada pela agricultura, em que os colonos se dedicavam, especialmente, ao cultivo do algodão. No entanto, três anos de seca levaram a muitas mortes devido a doenças, pragas, fome, mortandade de gado e secura da vegetação, de 1609 a 1611.

Entre os homens mais importantes do Fogo, evidenciaram-se Fernão Gomes (capitão da ilha por volta de 1516), o bacharel Martim Mendes, João Fernandes, Rodrigo de Vilharam, Fernando Soares, Martim Miguel, Fructos de Gois, todos eles grandes proprietários e possuidores de grandes terrenos na ilha, que permitiram um progresso mais rápido pelos carregamentos que fizeram de escravos da Guiné. A ocupação do Fogo com escravos, em 1533, era bastante notória pois o cultivo extensivo do algodão, anteriormente introduzido, exigia muita mão-de-obra escrava para as lavouras.

14- Ilha do Fogo a renacer das cinzas - Revista Nos Genti -É interessante notar que, nessa altura, os habitantes do Fogo tinham a obrigação de cultivar algodoeiros e proceder à criação gado, sendo-lhes vedado vender, trocar ou repartir as suas terras. Só a partir de 1528, é que a ilha do Fogo passaria a ter certos privilégios, semelhantes aos de Santiago, constituídos na primeira legislação administrativa para os moradores, obtendo assim uma autonomia relativa em relação a Santiago.

Ainda assim, a Capitania do Fogo dependia económica e financeiramente da Capitania de Santiago, o que, em momentos de crise económica, podia significar uma maior centralização do poder, levando a se reivindicar, conflituosamente, maior autonomia e capacidade de decisão, bem como outras exigências que podiam visar a melhoria das condições de vida dos moradores ou podiam, na realidade, ser impertinentes.

No entanto, como era em Santiago que se concentrava uma maior riqueza, em bens, propriedades e potencialidades, o seu acesso direto aos mercados tornava-se facilitado, tanto em relação à costa africana, fronteira ao arquipélago, como do Reino. Considerando que os moradores do Fogo eram obrigados a exportar os seus produtos e mercadorias para Santiago, que, por sua vez, os reexportava, a sua economia praticamente não tinha receitas, causando prejuízo aos funcionários.

A crise económica, iniciada no final do século XVI com a concorrência dos franceses e ingleses, vai-se agravando a partir da segunda metade do século XVII, atingindo o seu auge no século XIX. Apesar de afetar todo o arquipélago, é a ilha do Fogo que mais sente os efeitos da crise, por ser uma dependência de Santiago. Por isso surgem, em meados do século XVII, tentativas de autonomização administrativa da ilha e a nomeação de algumas autoridades locais, solicitadas pelo Capitão-mor António da Fonseca Ornelas. Essas solicitações foram declinadas pelo governo sediado na Ribeira Grande, pois queriam ter pessoas ao seu encargo para controlarem melhor a comercialização do algodão e o fabrico de panos.

3- Ilha do Fogo a renacer das cinzas - Revista Nos Genti -

No final do século XVIII, período de crise sem precedentes, o Fogo encontra-se numa situação de extrema precariedade, porque, por não haver embarcações, havia falta de comércio; o algodão – produto principal da ilha – não tinha saída e, visto que os direitos resultantes da comercialização eram pagos em Santiago, não haviam receitas. Nesta altura, Fonseca Ornelas pediu que os seus ordenados fossem pagos pelos cofres da Ribeira Grande e solicitou autorização para nomear capitães e oficiais da terra, algo que competia ao Governador, sendo-lhe tudo concedido.

Contudo, em 1657, a venda de cavalos a estrangeiros ainda não era permitida. Na medida em que a pretensão de vender cavalos a estrangeiros fora sempre recusada, apesar de pedidos insistentes, uma alteração na lei só seria autorizada numa situação de extrema necessidade e quando deixassem de existir alternativas imediatas. Isto sucedeu em 1672, sendo finalmente permitido aos moradores do Fogo – por falta de comércio, pobreza e inexistência de frutos na ilha – venderem alguns cavalos.

A situação económica degradou-se a ponto do governo central de Lisboa, em 1698, conceder excecionalmente aos moradores do Fogo o envio de uma sumaca (embarcação ligeira do Brasil para transportes) à Guiné com géneros da terra a fim de resgatar escravos – algo nunca antes realizado nessa ilha. Desconhecido é o facto da solução encontrada ser de carácter permanente ou pontual, considerando a extrema aflição que se fazia sentir. Em 1655, dá-se um terrível ataque de piratas holandeses à ilha do Fogo, auxiliados por alguns portugueses renegados conhecedores da ilha, com alguma negligência das autoridades militares locais. O saque durou quatro dias e surpreendeu a indefesa população, causando inúmeros prejuízos financeiros e danos materiais. Várias mulheres e crianças foram aprisionadas em troca de muitos bens, nomeadamente fazendas. As igrejas foram desprovidas de todo o ouro, prata, ornamentos, sinos, bem como de tudo o que nelas havia, incluindo imagens.

10- Ilha do Fogo a renacer das cinzas - Revista Nos Genti -

As tentativas de obter auxílio em Santiago fracassaram devido aos ventos e correntes contrárias. Quando a ajuda chegou da Ribeira Grande, já os piratas holandeses se encontravam em alto mar, tendo inutilizado, temporariamente, a artilharia e levado toda a pólvora e munições que se encontravam armazenadas em casa do almoxarife, local onde se encontravam todos os instrumentos de guerra.

A situação da ilha era miserável, por isso, o Concelho Ultramarino respondeu positivamente a quase todas as sugestões ou solicitações do Governador, do Ouvidor ou dos Vereadores do Município local. Esse desejo e vontade manifestados demonstram o interesse de implementar a solução, ainda que aparente, dos problemas acarretados pela ação demolidora do saque de 1655. Porém, persiste a dúvida se todas as decisões enunciadas foram, na realidade, implementadas, visto que, muitas vezes, existe pouca sintonia entre elas.

Presentemente, a ilha do Fogo está dividida em três concelhos: São Filipe (capital da ilha), Mosteiros e Santa Catarina. São Filipe foi durante muitos anos o centro administrativo da ilha, crescendo social e economicamente. O concelho dos Mosteiros foi criado depois da independência do Fogo, com uma identidade própria e diversidade característica, onde se produz o café do Fogo. O concelho de Santa Catarina tem como sede Cova Figueira e está situado relativamente perto do vulcão do Fogo, onde fica Chã das Caldeiras, localizada praticamente em cima do vulcão e onde se produz o famoso Vinho do Fogo. Com um terreno fértil e apropriado para diferentes culturas, Chã das Caldeiras produz hortaliças e frutas, entre as quais uvas, marmelos, melancias, romãs e figos.

Este primitivo vulcão, ainda ativo, teve a última erupção em 1995 e a cratera de Chã das Caldeiras possui uma comunidade com características físicas muito particulares – descendentes de um francês de apelido Montrond, os habitantes apresentam pele e olhos claros com cabelos crespos e loiros.



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