17 Jun 2012
Voginha – Quatro histórias a uma só voz
É uma referência incontornável da música cabo-verdiana, e um acérrimo defensor da morna e coladeira. Através da guitarra, Voginha tem perpetuado estes géneros musicais, tradicionais e únicos na identidade cultural de Cabo Verde. Herdou do pai o gosto e a forma de tocar a música tradicional do seu país. O seu contributo para a preservação e divulgação da morna vem de há muito tempo, quer em formações musicais que tinham nesses estilos tradicionais a sua génese – o caso da Mindel Band é apenas um dos exemplos – quer através da sua participação em inúmeros trabalhos discográficos, onde com o saber e qualidade interpretativa, Voginha registou a harmoniosa conjugação dos ritmos e instrumentos tradicionais de Cabo Verde.
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Partilha da opinião generalizada que, com o desaparecimento da Cesária Évora do panorama musical, a morna terá que continuar a ser promovida e acarinhada, pois como afirma, “a morna faz parte do nosso património cultural e como tal não pode cair no esquecimento, e esse trabalho, cabe também em parte aos músicos, pois são responsáveis pela transmissão do conhecimento musical aos mais jovens, que têm o direito a possuírem essas referências e esse património”.
A ideia de propor, junto da UNESCO, a morna como património imaterial da humanidade, é, para o músico, uma “excelente iniciativa, pois tal irá avivar a consciência das pessoas, para um património que não é apenas nosso, mas que fruto de algumas figuras extraordinárias da nossa história, o tornaram património da humanidade”, e acrescenta que “desta forma, as pessoas poderiam começar a dar valor ao que é só nosso e passarem-se a interessar mais pelas nossas tradições. A Cesária Évora faz prova desta nossa falta de consciência, pois durante muitos anos, cantou apenas aqui em Cabo Verde, mas só através dos comentários e elogios que vinham de fora, é que as pessoas começaram a tomar noção do seu real valor. À semelhança de outros artistas que temos, se ela tivesse feito carreira apenas aqui, iria passar-se ao lado de um grande talento”, afirma.
Para Voginha, a preservação desta identidade e desta cultura, faz-se não apenas pela conservação da forma de tocar e interpretar os géneros musicais tradicionais, mas também por contar e lembrar as histórias que fazem parte da História dos nossos maiores intérpretes
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História 1
Voginha como baixista da Cesária
É feita em Cabo Verde, em 1989, uma seleção de músicos e intérpretes para atuarem em Bruxelas num evento organizado pelo Partido Socialista da Bélgica. Dessa seleção, faziam parte, além de Voginha, músicos como o Bau, Luís Morais, Tey Santos, a Ana Firmino, Cesária Évora, entre outros. Com a azáfama da preparação, quando chegam à Bélgica, apercebem-se que tinham levado três guitarristas, mas nenhum baixista. Para ultrapassar a situação, o Tey Gonçalves resolve fazer um casting entre o Bau e o Voginha, para escolher qual dos dois iria ficar como baixista. Deram um baixo a cada um dos guitarristas para eles interpretarem um tema. Depois escolheram e decidiram que, naquele evento, o Voginha devia ficar a tocar baixo.
Durante a atuação, reparam que na assistência, estava Djô da Silva, a observar com muita atenção o desenrolar do espetáculo. No final, dirigiu-se aos músicos e falou-lhes da sua ideia de organizar uma tournée por França. Já em Cabo Verde, reuniram-se para Djô fazer a formação para essas atuações. Atribuiu a Voginha, o papel de baixista da formação. Voginha teve que explicar, apesar da confusão do manager, que não era baixista, mas guitarrista e que aquando dos espetáculos em Bruxelas, apenas estava a tocar baixo porque se tinham esquecido de incluir um na formação.
Depois de resolvida a confusão, convidam Ramiro Mendes para baixista da formação, e gravam o disco Mar Azul, que, na opinião generalizada dos músicos, foi o disco que projetou a Cesária Évora para a ribalta da fama.
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História 2
Nem a ver… para crer!
Quando a Cesária começou a sua carreira internacional, em 1991, Voginha e outros músicos começaram a acompanhá-la nas digressões que fazia pelo estrangeiro. A convite da Rádio Nacional, atuam em Angola, e como era comum, antes do espetáculo, fizeram uma entrevista onde, entre as perguntas, passavam alguns temas do disco Mar Azul, que então tinha sido editado na Europa.
No meio da emissão de um desses temas, uma jovem telefonou para a rádio a dizer que gostava muito da voz da intérprete que estava a cantar. O locutor convida a jovem ir até aos estúdio para conhecer a Cesária pessoalmente. Muito satisfeita, a jovem aceita e passados poucos minutos irrompe pelo estúdio, a perguntar onde estava a tal cantora. Como era seu estilo, a Cesária Évora encontrava-se sentada, no seu canto, a observar a euforia da jovem, que ao receber a informação que a cantora era a senhora ali sentada, não quis acreditar. Na sua ideia, aquela voz tinha de vir de alguém muito jovem, e não de alguém assim tão simples e já com alguma idade.
A jovem angolana saiu do estúdio a pensar que tinha sido vítima de uma brincadeira e que a tinham enganado.
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História 3
“A diva dos pés descalços”
Nos primeiros espetáculos de Cesária Évora, a artista iniciava a sua atuação calçada, mas à media que o espetáculo ia avançando e ia ficando cada vez mais cansada, acabava por tirar os sapatos, pois estes incomodavam-na seriamente.
Como era uma pessoa de personalidade muito forte, certo dia, resolveu que estava na altura de terminar com tamanho sofrimento, e simplesmente deixou de entrar em palco calçada. Nasce assim o mito, e por todo o mundo passou a ser apelidada de “a diva dos pés descalços”.
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História 4
Cinco minutos de aplausos ininterruptos
Sala cheia numa atuação para a alta sociedade parisiense. Na preparação para o espetáculo, os músicos tinham ensaiado os temas no mesmo tom em que tinham sido gravados no disco Mar Azul. Nessa tarde, durante a verificação sonora, a intérprete, também canta no tom em que tinham decorrido os ensaios. Nessa altura, a Cesária Évora bebia muito, o que fez com que, à noite, antes do início do espetáculo, o seu tom de voz se modificasse.
Quando começam a tocar o tema Mar Azul, após a pequena introdução musical, a Cesária inicia a letra, a cantar “Oh mar!… Este não é o meu tom….”, e continua, “Oh mar! Oh mar!…” O público adorou a espontaneidade. A sala esteve quase cinco minutos de pé, a aplaudir a intérprete. Depois, os músicos baixaram um tom à base instrumental, e então, repleta de sentimento, a voz da Cesária surge com todo o seu esplendor.
Havia cabo-verdianos a chorar de emoção e os franceses, que não conheciam as músicas, estavam como que extasiados a presenciarem a alma e o sentimento que Cesária colocava nas suas interpretações.