Tarrafal de São Nicolau — Valorizar as singularidades do município
16 Ago 2016

Tarrafal de São Nicolau — Valorizar as singularidades do município

Natural de Chã de Poça, localidade do município do Tarrafal, na Ilha de São Nicolau, José Freitas Brito completou o ensino básico na sua ilha natal. Depois, como quase todos os sanicolauenses que ambicionam algo mais, mudou-se para São Vicente para frequentar o liceu. A próxima etapa foi conquistar uma formação superior. Partiu então para o Brasil onde se licenciou em Direito. De regresso a Cabo Verde, o jovem advogado é requisitado pelo Ministério do Trabalho. Primeiro como Delegado de Trabalho em São Vicente, onde passa oito meses, mais tarde como Delegado de Trabalho na ilha do Sal. Na ilha do Sal desempenhou ainda o cargo de Delegado da Comissão Nacional de Eleições. Teve ainda uma passagem pelo ensino secundário, onde lecionou Direito e foi professor em diversos cursos profissionais de Direito do Trabalho. Após esta passagem pelo setor público, José Freitas Brito decide abrir um escritório de advocacia que desse apoio jurídico a clientes das ilhas de São Nicolau, Sal, Boavista e São Vicente. Contudo, o gosto pelo serviço público haveria de permanecer. Concorreu, pela primeira vez, à presidência da Câmara Municipal do Tarrafal em 2008, mas perde as eleições para o seu adversário político. Não conformado com o rumo que a sua terra estava a tomar, decide candidatar-se novamente à presidência do município em 2012. Desta vez o desfecho foi diferente e, José Freitas Brito está, desde então, a cumprir o seu primeiro mandato à frente dos destinos do Tarrafal. 

 

 

José Freitas Brito

 

A experiência que adquiriu no sector público, aliada à proximidade com os problemas das populações que foi registando ao longo dos anos em que exerceu advocacia, têm permitido ao autarca José Freitas Brito gerir, com alguma tranquilidade, os destinos do segundo município mais populoso de São Nicolau. Candidato pelo MpD, José Freitas Brito foi eleito presidente da Câmara Municipal do Tarrafal a 1 de julho de 2012. Encontra-se atualmente a cumprir o seu primeiro mandato.

Depois de ter sido eleito presidente da Câmara Municipal do Tarrafal, o que mudou na sua vida?

Como advogado tinha muito mais tempo disponível. Como presidente da Câmara Municipal do Tarrafal tenho o meu tempo totalmente ocupado. Quando apenas exercia advocacia podia dar-me ao luxo de desligar o telefone sempre que chegasse a casa, mas agora isso é impossível. Por mais de uma vez que já fui acordado de madrugada para resolver problemas da autarquia. Uma dessas vezes teve a ver com um falecimento. Como os familiares não tinham como fazer o funeral, ligaram-me para tratar do assunto. Nos municípios mais pequenos, o presidente da Câmara é a figura mais próxima do poder, por isso, as pessoas recorrem ao presidente para tudo; seja coisas boas ou menos boas.

O que o motivou a concorrer à presidência da Câmara do Tarrafal?

Não foi certamente o dinheiro, pois ganhava muito mais enquanto advogado (risos). Foi algo que sempre desejei. Sempre senti a necessidade de dar o meu contributo a este município. Fiz parte de uma associação desportiva aqui do Tarrafal e, enquanto jovem, sempre disse aos meus colegas que, um dia, gostaria de poder ajudar a desenvolver a minha terra. Quando tive de escolher a minha carreira profissional, houve duas hipóteses que se levantaram: direito ou ciências políticas. Optei pela primeira mas penso que o meu coração esteja na segunda.

Como caracteriza a população do seu município?

É essencialmente uma população jovem. É precisamente ao nível desta faixa etária que reside o nosso maior problema: a empregabilidade. A ilha de São Nicolau regista taxas muito elevadas de desemprego e o município do Tarrafal não é exceção. O maior empregador no município é a Câmara Municipal e a que se segue a fábrica conserveira da SUCLA, uma das unidades mais antigas de Cabo Verde. Apesar das dificuldades, nomeadamente ao nível da quantidade de pescado capturado que é cada vez menor, esta fábrica ainda consegue absorver duzentos postos de trabalho, a grande maioria mulheres. Esta fábrica é vital para o Tarrafal, pois temos taxas muito elevadas de mulheres que são chefes de família.

 

Tarrafal de São Nicolau

 

Além da referida indústria conserveira, que outras atividades económicas contribuem para o desenvolvimento do Tarrafal?

A pesca e a agricultura. Na cidade, grande parte da população tem atividades ligadas ao mar. No interior do município é a exploração agrícola que contribui para o orçamento familiar das populações. Esta atividade tem um peso significativo na nossa economia. Existe inclusive na ilha uma confederação de organizações que, com o apoio da União Europeia, ministram formação sobretudo a essas mães de família, especialmente ao nível da gestão dos pequenos agronegócios.

Além destas duas atividades, temos igualmente alguma construção civil, especialmente a que é promovida pelos nossos emigrantes que, quando regressam a São Nicolau, vêm com a ideia de aqui construir as suas casas, o que acaba por empregar alguma da mão-de-obra local.

 

Tarrafal de São Nicolau

 

Por fim, temos as remessas dos emigrantes, que são um contributo significativo para a dinamização da nossa economia.

Qual é o peso da emigração no seu município?

É muito grande. Só temos plena consciência da sua dimensão quando, durante as Festas e Romarias, se vê a quantidade de emigrantes que regressam ao Tarrafal para connosco passarem as suas férias de Verão.

A pensar neles, e porque queremos que continuem a investir na sua terra, fizemos uma parceria com o Ministério das Comunidades e estamos a ultimar os preparativos para instalar junto da Câmara Municipal a denominada Casa do Emigrante. Pretendemos assim, de forma célere e desburocratizada, dar resposta às diversas questões sobre investimentos que, frequentemente, nos são colocadas. Para tal, bloqueamos as férias de verão dos nossos colaboradores para que os emigrantes, durante o período que passam entre nós, possam ter toda a assistência que necessitem para a resolução dos seus pedidos de investimento. A título de exemplo, um projeto de arquitetura que, de forma normal, demora 15 dias a ser aprovado pela autarquia, terá de ser aprovado entre três e cinco dias. Sabemos que os emigrantes quando vêm não estão cá muito tempo, por isso, temos que agilizar processos.

 

São Nicolau - Cabo Verde

 

Quais são os principais países de acolhimento dos emigrantes do Tarrafal?

Principalmente a Holanda, mas também existem comunidades muito grandes em Espanha e Itália, sobretudo ao nível das mulheres.

Relativamente à saúde, como analisa o município?

No que respeita à saúde, em particular ao nível das infraestruturas, estamos apoiados por um Centro de Saúde que cobre a área urbana do Tarrafal. Depois, temos unidades básicas sanitárias que dão apoio às populações rurais. Em cada um desses postos existe um agente sanitário. À exceção do posto de Praia Branca, que está muito degradado, todos os outros oferecem boas condições de atendimento. Estamos a trabalhar para o reabilitar no mais curto espaço de tempo. O nosso maior problema está ao nível dos recursos humanos. O médico que aqui tínhamos destacado acabou por regressar a Portugal e, neste momento, não existe médico residente no município. Em toda a ilha apenas existem três médicos, acumulando um deles ainda as funções de Delegado de Saúde. Por isso, somente nos horários normais de funcionamento da função pública é que podemos contar com a presença de um médico no Tarrafal. Esta falta de profissionais de saúde qualificados é a maior reclamação que temos por parte dos munícipes. A falta de um médico residente é justificada pelo Ministério da Saúde em função do número da nossa população, mas o certo é que a nossa população é muito dispersa e há localidades com muitas dificuldades de acesso, o que faz com que a presença constante de um médico seja uma obrigatoriedade no Tarrafal.

 

Tarrafal de São Nicolau

 

Ao nível dos equipamentos para a saúde há igualmente muitas debilidades. Não possuídos Raio-X e sempre que existe necessidade de equipamentos de diagnóstico mais complexos temos que enviar os pacientes para a Ribeira Brava. Também as recolhas de materiais para análise são todas feitas na Ribeira Brava, o que é um despropósito. Estamos a envidar esforços com outras Câmaras Municipais no intuito de conseguirmos um aparelho de Raio-X, bem como a estabelecer parcerias que permitam que, pelo menos as recolhas de material para análise clínica sejam efetuadas no município, evitando assim as deslocações dos pacientes até à Ribeira Brava.

Nos casos mais graves, por exemplo, quando há acidentes graves, temos que evacuar os pacientes para São Vicente. Se o acidente for durante a noite, temos que recorrer ao voluntarismo dos pescadores para levarem o acidentado até São Vicente. Nessas situações, e de uma forma geral, assumimos os custos das evacuações.

E o que dizer ao nível da educação e da justiça? 

No que à educação diz respeito, acredito que não estamos muito mal! Precisamos de mais algumas salas ou de algumas ampliações de escolas, mas isso tem custos elevados e, para um município pobre como o nosso, é uma dificuldade. Tendo em conta os critérios utilizados, somos um dos municípios que menos recebe do Estado.

 

Tarrafal de São Nicolau

 

Tudo indica que, durante este ano letivo, iremos ter a inauguração do tão aguardado liceu. Com o novo liceu em funcionamento iremos diminuir custo que, até agora, pesavam muito no nosso orçamento. A Câmara Municipal do Tarrafal subsidia os alunos para poderem estudar na Ribeira Brava. Para esta rubrica, tínhamos custos que ultrapassavam os mil e seiscentos contos anuais. Apoiamos também o ensino básico e temos alunos nas universidades que, sem as nossas bolsas, não tinham qualquer possibilidade de prosseguir os seus estudos. Também temos alunos fora, nomeadamente em Portugal. Estão nesta altura em Portugal vinte pessoas a fazer mestrado, cursos superiores e cursos profissionais. O ensino superior é competência do governo, mas os municípios acabam por ser obrigados a entrar no sistema como parceiros.

Ao nível da justiça, e talvez por não temos um número muito elevado de criminalidade — por vezes pode acontecer um furto, mas é facilmente identificado, pois pela movimentação estranha ou porque a pessoa não é daqui, é facilmente detetada — temos uma boa relação de proximidade entre a população e a polícia. Com os tribunais também mantemos boas relações. No nosso município existe a Casa do Direito, que é um departamento do Ministério da Justiça encarregue de fazer a mediação e a arbitragem em muitos processos, por isso, muitos deles nem chegam aos tribunais. Aqui as pessoas são pacíficas e até os processos cíveis são poucos! Tentam resolver todos os assuntos entre elas.

Fale-nos um pouco das infraestruturas básicas, nomeadamente no que diz respeito à água, saneamento e energia, existentes no Tarrafal.

Noventa e oito por cento da água do município encontra-se já canalizada. Tem sido um investimento muito grande para a Câmara Municipal. Contamos com a parceria das APP – Águas de Ponte Preta, da ilha do Sal, que nos tem dado o necessário apoio técnico. As análises são feitas de forma regular e já pedimos doseadores automáticos para que a água mantenha a melhor qualidade possível.

Ao nível do saneamento temos algumas dificuldades. Juntamente com o Ministério do Ambiente concorremos a diversos projetos que nos permitirão minimizar estas fragilidades. Atualmente, estamos a estudar a melhor forma para construirmos uma lixeira capaz de fazer a separação de resíduos. Estamos a estudar parcerias e possíveis financiamentos para a implementação do projeto. Como é um plano que envolve muito dinheiro, temos que ser cautelosos com os investimentos que fazemos. Temos que fazer as coisas por etapas, caso contrário, o dinheiro não chega. Ao nível da recolha dos resíduos urbanos, fizemos uma parceria com a Câmara de São Vicente que nos cedeu uma viatura. Também concorremos a fundos que nos possibilitaram adquirir um pequeno trator que capaz de abranger as zonas fora da cidade. Temos também uma parceria com uma Câmara Municipal em Portugal que nos ajuda com o equipamento individual utilizado pelos nossos funcionários.

Quanto à energia, ainda temos duas localidades sem energia, a Fragata e Ribeira Prata, mas com o arranque das obras de construção da Central Única, certamente que teremos essas populações rapidamente beneficiadas.

Quanto aos transportes para a ilha, considera a oferta suficiente?

Possuímos um aeroporto com voos diários à exceção de terça-feira e domingo. São voos via Sal ou São Vicente. O problema é que são sempre voos em horários tardios, o que os torna cansativos. Uma pessoa que queira viajar para São Nicolau sai da Praia para São Vicente ou para o Sal e depois apanha novo voo para São Nicolau. Passa quase um dia inteiro a viajar.

Ao nível do transporte marítimo temos à terça-feira e à sexta-feira o “Liberdade” e, de 15 em 15 dias, o “Crioula”, o que veio melhorar substancialmente a oferta de transporte marítimo para a ilha. Por isso, posso afirmar que ao nível dos transportes, melhorámos significativamente. Precisamos agora é ter transportes mais regulares, mas temos que reconhecer que, mesmo assim, há muitos voos que chegam a São Nicolau quase vazios. Excetuando alguns picos de frequências — que acontecem essencialmente no Verão, Carnaval e Páscoa — e tendo em consideração a realidade do país, considero que o serviço de transportes para São Nicolau está bem dimensionado.

 

Tarrafal de São Nicolau

 

Qual a oferta cultural que o município do Tarrafal tem para dar a quem o visita? 

Ligado às festas do município temos o Festival de Música da Praia Tedje que reúne muitas pessoas provenientes de todos os pontos da ilha. Ao nível musical, realizámos ainda o Festival Sodad como forma de promover a morna e a localidade da Praia Branca. Há ainda a destacar as festas de San Jom que trazem sempre muita gente à ilha e que, este ano, serão apoiadas pelo Ministério da Cultura.

Ao nível do património, estamos a recuperar e a classificar alguns monumentos históricos e culturais, nomeadamente na zona da Praia Branca. Estamos igualmente empenhados em divulgar aquele que foi o primeiro Campo de Concentração para presos políticos em Cabo Verde, que foi construído precisamente aqui no Tarrafal de São Nicolau e só depois deslocalizado para a ilha de Santiago.

Em termos museológicos, estamos a colaborar na construção do Museu da Pesca. Trata-se da casa onde viveu um dos antigos donos da fábrica de conservas da SUCLA e que está atualmente a ser reestruturado para albergar este importante marco da nossa história.

O Tarrafal de São Nicolau é conhecido como um dos melhores pontos do mundo para a prática da pesca desportiva. O que tem feito a Câmara Municipal para tirar proveito desta situação?

Infelizmente, muito pouco! Temos falta de condições para receber todas as pessoas que se juntam em torno desses torneios. A empresa que faz o agenciamento desse campeonato, sabendo das nossas dificuldades, organiza tudo para que os concorrentes estabeleçam a sua base na ilha do Sal. Existe um grande projeto hoteleiro que, infelizmente, não foi concluído, estando atualmente a degradar-se. Já encetámos contactos junto do governo e de outras entidades no intuito de podermos colaborar na procura de potenciais investidores interessados em reabilitar essas instalações. Com esse hotel em funcionamento, certamente que teríamos condições de receber mais pessoas e dinamizar o turismo da pesca desportiva no Tarrafal.

 

Tarrafal de São Nicolau

 

Quais as estratégias futuras para o desenvolvimento de São Nicolau e, em particular, do Tarrafal?

Penso que o turismo deva ser a grande aposta. No entanto, falar de São Nicolau é falar da Ribeira Brava e do Tarrafal. Como tal, qualquer projeto que se pense para a ilha terá que ser feito em conjunto. Não adianta desenvolver o Tarrafal e esquecer a Ribeira Brava, assim como pensar o desenvolvimento da Ribeira Brava sem equacionar o crescimento do Tarrafal.

Na Ribeira Brava existem excelentes condições para o desenvolvimento do turismo rural, ecológico, histórico e cultural, com o seu Carnaval ímpar e único. Até os instrumentos musicais lá produzidos são diferentes dos existentes no resto do país. Aqui, no Tarrafal, temos as pescas, a morna e tradições seculares. Temos o melhor grogue de Cabo Verde. Penso que é através da divulgação e da promoção das nossas singularidades que conseguiremos marcar a diferença. Temos que aproveitar e valorizar o que temos, sem grandes investimentos, pois os municípios não têm muito dinheiro e o Estado não pode subsidiar tudo.

Que mensagem deixaria para os seus munícipes?

Queria que acreditassem que, mesmo sem grandes recursos, é possível criar desenvolvimento e melhorar as condições de vida de todos. Gostaria de lembrar os que moram fora da cidade, que não são esquecidos. Que temos ideias e projetos para eles. Somos uma equipa jovem, mas estamos entusiasmados em dar um novo rumo ao destino dos tarrafalenses. Por fim, gostaria de lhes lembrar que o sucesso é uma escada que tem de ser conquistada degrau a degrau.

 

Tarrafal de São Nicolau


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