São Nicolau — Desenvolvimento com história
18 Ago 2016

São Nicolau — Desenvolvimento com história

A ilha de São Nicolau localiza-se aproximadamente no centro do arquipélago de Cabo Verde. Ocupa uma área de 343 km² sendo considerada a quinta maior ilha do país. Em dias favoráveis, no cume do Monte Gordo, no coração de São Nicolau, pode avistar-se todo o arquipélago cabo-verdiano. 

 

São Nicolau - Cabo Verde

São Nicolau  é de origem vulcânica, apresentando um relevo acidentado, com picos altos e vales profundos que, afetados pela erosão, apresentam grandes ravinas que terminam em pequenas plataformas costeiras. Com os seus 152 km de costa marítima, possui em determinadas zonas falésias com mais de 200 metros de altura que terminam abruptamente no mar.

Não existem cursos de água permanentes. As ribeiras correm apenas na época das chuvas. A rede hidrográfica principal parte do maciço central e é daqui que partem as principais ribeiras. No prolongamento oriental, a rede hidrográfica é pouco expressiva, sendo formada por ribeiras relativamente pequenas que, como regra, se entalham profundamente definindo vales pronunciados.

O clima de São Nicolau não se afasta das características gerais do clima que se sente nas outras ilhas do arquipélago, rondando a sua temperatura média anual os 21º celsius. Duas estações climáticas caracterizam São Nicolau: a estação das chuvas, que decorre de julho a outubro e a estação seca, que ocorre de dezembro a maio. Os ventos alísios de nordeste são responsáveis pela estação das secas e, nas partes mais altas da ilha, dão origem a nevoeiros e orvalhadas que muito influenciam o desenvolvimento das espécies vegetais da ilha. Os ventos de monção que em algumas épocas do ano se sentem, são responsáveis pela estação dos chuvas. Têm a sua proveniência no sudoeste africano e são, de forma geral, quentes e húmidos. Finalmente, à semelhança do que acontece nas outras ilhas de Cabo Verde, regista-se o harmatão, que é um vento seco do quadrante Este que sopra do continente africano e que arrasta consigo muitas poeiras e areis provenientes do deserto do Saara.

São Nicolau foi descoberto a 6 de dezembro de 1461 por Diogo Afonso, o escudeiro do infante D. Fernando, a quem é atribuído a descoberta do arquipélago. Foi referenciado pela primeira vez na carta de doação de 19 de setembro de 1462. Desde a data da sua descoberta até que se começassem a fixar algumas pessoas na ilha haveriam de se passar muitos anos. A ocupação de São Nicolau demorou a ser realizada. Após a sua descoberta, a sua administração passou por várias fases, destacando-se a pertença aos Condes de Portalegre (1498-1614) e, posteriormente, aos Marqueses de Gouveia, entre 1615 e 1649. Após esta data, passou para a administração direta da Coroa.

Essencialmente, e numa primeira fase, a ilha era utilizada apenas para a criação de gado, que pastava livremente pelos seus campos férteis. A pecuária extensiva e a recoleção que se registou na época em São Nicolau resultaram do carácter absentista dos respetivos donatários. Para eles, a criação de gado em liberdade dava bons proveitos económicos e exigia pouco investimento, uma vez que não obrigava à permanência de pessoas na ilha. Este procedimento terá estado na origem do tardio povoamento de São Nicolau. A única presença humana que se registava era a de alguns agentes dos donatários e, durante o período de abate do gado, de alguns pastores e batedores.

Com o fim do regime de donatários, em 1696, ficaram criadas as condições para o povoamento sistemático e permanente por parte das populações. Também devido à falta de condições para a fixação dos habitantes junto do ancoradouro de Porto da Lapa, provavelmente o primeiro povoado da ilha, houve necessidade de deslocar os poucos residentes para um local que oferecesse melhores condições, nomeadamente ao nível de irrigação de água potável e de resguardo contra ataques de piratas que, na época, abundavam nos mares do arquipélago. Escolheu-se para tal a Ribeira Brava que, desde então, passou a ser considerada a capital da ilha.

 

São Nicolau - Cabo Verde

Os primeiros habitantes de São Nicolau foram os colonos vindos da metrópole e os escravos negros provenientes da costa e dos rios da Guiné. Do grupo dos colonos faziam parte fidalgos, militares portugueses, espanhóis, genoveses, sacerdotes, degredados, homens bons, lavradores e artesãos. Contribuíram ainda para o povoamento de São Nicolau alguns mestiços oriundos das ilhas de Santiago e do Fogo.

Assim que se começaram a fixar os primeiros colonos, o interesse pela ilha aumentou. A este interesse não era alheio o facto de São Nicolau se situar no centro do arquipélago e de possuir excelentes condições de habitabilidade. Com muita e boa água, arvoredo, clima saudável e abundância de alimentos de elevada qualidade, São Nicolau rapidamente se tornou num destino apetecível a quem queria tentar a sorte por terras de Cabo Verde.

O primeiro conhecimento fiel da população de São Nicolau teve lugar com o senso de 1731. Este senso, realizado pelas autoridades eclesiásticas do bispado, apontava a existência de 2658 pessoas que correspondiam a 9 por cento da população total do arquipélago. Em 1803, o número de habitantes de São Nicolau era já superior a 4 mil e quinhentas pessoas.

A presença de estrangeiros na ilha, em especial ingleses, como é o caso da família Albert Thomas e Estêvão Spencer, não passava despercebida aos restantes habitantes.

A povoação de Ribeira Brava foi elevada à categoria de vila em 1731. Dos seus 260 moradores, faziam parte juízes, vereadores e oficiais da câmara que zelavam pelo interesse do desenvolvimento da urbe. Esta expectativa de crescimento veio ser concretizada em meados do século XVIII, quando em São Nicolau se fixou a sede do bispado. O centro urbano da Ribeira Brava é o espelho dessa época. As suas ruas estreitas e bem estruturadas testemunham essa época histórica que enche de orgulho os sanicolauenses. O modelo urbano implantado na vila da Ribeira Brava estará mais próximo dos modelos medievais e, é essa antiguidade que, aliada à riqueza estética de muitas das suas edificações, lhe confere um valor patrimonial único em Cabo Verde, tendo sido recentemente classificada como Património Nacional. Deste património urbano, destaca-se a igreja matriz, o Terreiro com o magnífico busto do médico Júlio José Dinis, a praça Cónego Bouças que, com as suas árvores de fruto e sombra frondosa fazem as delícias dos seus habitantes.

A ocupação humana da ilha era essencialmente condicionada pelas potencialidades de desenvolvimento económico, condições de salubridade e acessibilidades. Depois de ocupada a zona de ribeira, seguiram-se as localidades de Preguiça e Queimadas, com povoamentos dispersos típicos das zonas rurais. A parte Este da ilha, com menores condições para a atividade agrícola, apenas beneficiou da presença humana com base em pequenos povoados ou, em alguns casos, pelo estabelecimento de famílias de caseiros que cuidavam das explorações dos proprietários.

A ocupação de qualquer parcela de território por parte dos portugueses era acompanhada da presença dos clérigos cuja função residia na difusão da Fé, quer aos naturais (quando existiam), quer aos colonos. Cabo Verde, e em particular a Ilha de São Nicolau, não foi uma exceção à influência à influência da igreja católica, algo que haveria de marcar profundamente todos os habitantes da ilha ao longo dos tempos.

A assistência religiosa aos habitantes de São Nicolau foi, durante muito tempo, prestada pelos missionários que ali se deslocavam periodicamente. Só em 1677 é que o bispo de Cabo Verde decidiu enviar párocos para as ilhas do barlavento. O sucessor deste bispo pediu ao seu soberano que fosse criado um seminário em Cabo Verde, mas durante muitos anos este pedido não foi concedido. Em inícios de 1700, com a chegada a São Nicolau do bispo D. Frei Francisco de Sá Simão, deu-se início à formação académica de rapazes vindos de vários pontos do arquipélago, acabando por se conseguir ordenar vários padres que foram então distribuídos pelas ilhas. A presença de bispos que residiram em permanência na ilha acabou por dar a esta o estatuto de centro religioso do arquipélago, posição que se viu reforçada com a criação, no século XIX, do Seminário-Liceu de Cabo Verde.

À ilha deslocaram-se muitos filhos provenientes de outras ilhas para aí serem formados. Para além disso, o Seminário-Liceu proporcionou aos naturais a possibilidade de aí obterem uma boa formação. Esta formação não visava apenas a área eclesiástica, mas também outras de cultura humanista, criando homens com um profundo sentido da universalidade da vida. Como consequência desenvolveu-se uma certa intelectualidade que teve um efeito multiplicativo. Ainda hoje, muitos dos que o frequentaram são considerados os grandes responsáveis pelo desenvolvimento da cultura nacional. É assim hoje possível apreciar, um pouco mais afastado do centro urbano da Ribeira Brava, o edifício do Seminário de São José, a grande marca representativa da implementação do ensino com sucesso em Cabo Verde. Criado por decreto de 3 de setembro de 1866, este Seminário-Liceu veio a revelar-se de vital importância para a formação académica de ilustres cabo-verdianos.

 

São Nicolau - Cabo Verde

 

Das muitas personalidades que marcaram a sociedade sanicolauense destacam-se Júlio Dias, Baltazar Lopes da Silva, José Lopes da Silva, Luís Almeida entre muitos outros.

Júlio José Dias nasceu em 1805 na Ribeira Brava. A sua família era possuidora de grandes bens um pouco pelo cargo do seu pai, José António Dias, capelão-mor de São Nicolau. Ainda jovem, foi para Paris para estudar medicina e lá se formou com distinção. Terminado o curso, regressou a São Nicolau. Contribuiu de forma inigualável para o desenvolvimento da ilha. Com possibilidade da criação do Seminário-Liceu na Ribeira Brava, Júlio José Dias não hesitou em ceder a sua casa para a instalação da nova instituição, retirando-se para o Cachaço, localidade onde dispunha de outra residência, embora mais humilde e sem as condições da da Ribeira Brava. Foi também graças ao seu espírito benemérito que, em 1867, a Ribeira Brava pôde contar com água potável. A construção da igreja da Praia Branca e do cais da Preguiça também estão na lista das suas benfeitorias. Viria a falecer em 1873. Em sua homenagem, a população ergueu um busto no centro da Ribeira Brava.

Baltazar Lopes da Silva foi um homem multifacetado a quem Cabo Verde muito deve, não só ao nível cultural como pela formação académica que ministrou a muitos dos que, no Liceu Gil Eanes, em São Vicente, tiveram oportunidade de com ele aprender. Nasceu na pequena povoação de Caleijão, em 1907. Concluiu os seus estudos académicos em Lisboa, onde se formou em Direito e Românicas. Além de ter sido um ilustre professor, foi escritor, poeta, linguista e um dos elementos intervenientes na fundação, em 1936, da Revista Claridade. Morreu em 1989.

Outro ilustre filho da terra foi José Lopes da Silva. Foi professor primário em São Vicente, poeta, ensaísta e deixou inúmero material literário publicado o qual muito honra todos os cabo-verdianos. Pelas suas ideias contra a luta entre os povos foi condecorado por parte do Governo francês como Cavaleiro da Legião de Honra.

Extraordinário mestre a quem várias gerações, nomeadamente as dos anos cinquenta, muito ficam a dever pela formação que lhes ministrou, Luís de Almeida foi um ilustre e respeitado cidadão sanicolauense. Admirado por todos, de bom trato mas com uma notória rigidez nas aulas que ministrava, permitiu que muitos concluíssem de forma satisfatória os estudos primários. Sempre viveu em São Nicolau e continua, mesmo após a sua morte, a ser recordado com saudade por muitos dos que dele beberam conhecimento.

Aos poucos, foi-se instalando uma sociedade estratificada um pouco por toda a ilha. Para além da Vila da Ribeira Brava, centro principal e com características urbanas, formaram-se diversos povoados de características essencialmente rurais e, consequentemente, mais dispersos.

Nos primórdios, a ilha dispunha de um único concelho, o de São Nicolau. Posteriormente, este foi dividido em dois, fiando a existir o Concelho da Ribeira Brava, com sede na Ribeira Brava e cujo dia se comemora a seis de dezembro, e o de Tarrafal, com sede na cidade do Tarrafal e cujo dia se comemora a dois de agosto.

 

São Nicolau - Cabo Verde

Na sede do concelho, os habitantes exerciam atividades diversas, do comércio a funcionários com diversos estatutos, passando pelos proprietários, clérigos e serviçais. O comércio praticado destinava-se, na sua essência, a satisfazer as necessidades básicas da população da ilha. Também se exportava gado vivo ou as suas peles para a produção de couro.

Após a revolta da Madeira, em 1931, muitos dos revoltosos acabaram por ser deportados para São Nicolau, o que acabou por influenciar em muito a sociedade já instalada. Deste grupo faziam parte oficiais do exército português, elementos das forças militarizadas e vários elementos da sociedade madeirense que se tinham oposto ao regime. À sua chegada foram alojados no Seminário-Liceu e, durante muito tempo, tiveram um apertado controlo das suas atividades. Com eles vieram muitos militares armados responsáveis por controlar todas as suas movimentações. À medida que este controlo foi sendo menos apertado, puderam integrar-se na sociedade, não só na Ribeira Brava como em outros pontos da ilha, tal como na então pequena localidade piscatória do Tarrafal.

O Tarrafal tem tido uma importância crescente no desenvolvimento de São Nicolau. Sede do respetivo município, encerra grandes potencialidades de desenvolvimento, nomeadamente ao nível da indústria piscatória, dos desportos náuticos e das atividades culturais e de lazer. Ao nível patrimonial, destacam-se as suas areias medicinais, ricas em titânio e iodo, assim como a famosa e lendária Rotcha Scribida da Ribeira de Prata.

Pode-se considerar que a ilha é dividida em duas partes. A primeira, situada a Oeste e que constitui um bloco central cuja configuração se assemelha à do continente africano. Alberga a maior largura da ilha e toda ela é constituída por um vulcão primitivo que este na sua origem. A segunda, situada a Leste, com uma largura mínima de 3 km e um comprimento que atinge dois terços do comprimento total da ilha. Estas duas partes estão separadas pelo Campo da Preguiça. Devido à escassez de recursos, a parte Leste de São Nicolau encontra-se atualmente pouco povoada e, consequentemente, pouco desenvolvida. É no bloco central que se concentra todo o potencial de desenvolvimento da ilha e é aqui que têm sido feitos os principais investimentos que permitirão aos sanicolauenses acompanhar o progresso e o crescimento económico do país. Contudo, muito há ainda por fazer. Combater o sucessivo decréscimo dos seus habitantes, implementar maior dinamismo à economia local e especializar o tecido produtivo da ilha são algumas medidas que terão, a curto prazo, de ser implementadas por parte do Governo central. Continuar a apostar no ensino profissional e na formação de base é, e será, a melhor aposta para o futuro de São Nicolau e, em última análise, de Cabo Verde.


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