Samba Tropical – Manter a tradição do Carnaval em São Vicente
16 Jun 2012

Samba Tropical – Manter a tradição do Carnaval em São Vicente

O grupo Samba Tropical, nasceu em 1982 fruto do inconformismo de um grupo de pais, que decidiu organizar um desfile infantil numa época em que o Carnaval de São Vicente se encontrava em estado moribundo. Formado essencialmente por gente da classe média alta da sociedade mindelense, o Samba Tropical distingue-se dos outros grupos, por não entrar em competição durante o concurso carnavalesco a quando do desfile dos blocos. Reservam a noite para exibirem o esplendor dos temas com que brindam as gentes de São Vicente.

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Luísa Morazzo, presidente da Escola de Samba Tropical, recentemente homenageada pelo seu importante contributo para o fomento do Carnaval de São Vicente, esteve na génese da criação deste emblemático grupo da cidade do Mindelo. Conforme recorda, “a quando da independência do país, o Carnaval estava praticamente extinto. Nesse tempo, as pessoas saíam à rua empunhando bandeiras políticas, e aproveitavam a ocasião para divulgarem os seus ideais e se manifestarem. Por esse motivo, após a independência, e durante sete anos, o Carnaval do Mindelo não teve qualquer expressividade”.

Samba Tropical _1_Nos GentiO certo é que a tradição estava no sangue dos mindelenses, que não se reviam na forma como o Carnaval estava a ser tratado. “Houve necessidade de se criar quase tudo do zero”, acrescenta. Com um grupo de amigos simpatizantes do outrora glorioso Carnaval do Mindelo, Luísa Morazzo e Carmita Mascarenhas criam um grupo infantil carnavalesco, denominado Meninos de Nós Terra, que libertos de qualquer influência política, gradualmente foram cultivando nos

mais velhos, o costume do Carnaval de outros tempos. Conforme recorda Carmita Mascarenhas, atual membro da direção do Samba Tropical, “com este grupo de crianças, voltámos a recriar os desfiles e mais tarde as festas, e esse trabalho deixou raízes, pois as crianças que nos acompanhavam naquela época, são os grandes impulsionadores e incentivadores do Carnaval de agora”, salienta.

Após esses sete anos de ausência das ruas do Mindelo, o Carnaval renasce quando, Carmita Mascarenhas, junta um grupo de apaixonados do Carnaval, e resolvem fazer um quadro carnavalesco, em pleno coração da cidade. Conforme recorda, “a ideia foi recriar um casamento. A cerimónia realizou-se no largo da marginal. Usámos o vestido de noiva que tinha sido da minha cunhada, fizemos as alianças a partir das argolinhas das latas de coca-cola, e decorámos o local da cerimónia com muito humor e fantasia. As cadeiras eram sanitas e bidés, e como mesa foram usados dois bidões cobertos com um sinal rodoviário de proibição de circular a mais de 20… foi muito engraçado.”

O impacto da iniciativa foi tal, que registaram uma enchente de gente, ansiosa por presenciar o acontecimento. Conforme relembra, “a marginal, da Praia da Laginha até à Electra, estava apinhada de pessoas, vestidas a rigor. A adesão foi de tal ordem, que a determinada altura, quase que nos tivemos que esconder, pois já não havia lugar para mais ninguém. Chegaram a vir pessoas da Praia, propositadamente para assistir a esta nossa ousadia”, diz. Sem que na altura se apercebessem, este grupo de nostálgicos do Carnaval de outros tempos, estava a marcar o renascimento da festa carnavalesca, na ilha de São Vicente. A adesão e a satisfação das pessoas foi o elemento que motivou o seu reacendimento, como uma das expressões culturais mais emblemáticas de Cabo Verde.

Samba Tropical _7_Nos GentiConforme comenta Luísa Morazzo, “o Carnaval está na alma do povo de São Vicente. Há até uma música muito antiga, de dizia que, as camas eram pintadas de cores garrida, para que mesmo durante o sono, as pessoas pudessem continuar a festejar”, ironiza, e continua, “antigamente, haviam festas na rua, nos cinemas, nos salões e um pouco por toda a ilha. Esse espírito de alegria que só o Carnaval transmite, foi-se interiorizando nas pessoas. Por isso o Carnaval faz parte da alma do povo são vicentino”, e conclui dizendo que “é um momento em que as pessoas se apresentam com mais alegria e mais felicidade, um momento de total envolvimento da população. É um acontecimento único no contexto cultural de Cabo Verde.”

Este espírito participativo de todos, faz com que, mesmo os de condição económica menos favorável, não se coloquem de fora. Há pessoas, com poucos recursos, que durante o ano alimentam dois ou três suínos, para que na altura do Carnaval os possam vender, e com o dinheiro angariado, possam comprar os trajes para os filhos.

No entanto, nem tudo é alegria e folia. Um dos grandes entraves do Carnaval de São Vicente, é precisamente a falta de acesso a matérias-primas para a execução dos carros alegóricos e dos trajes dos participantes. Tudo tem de vir de fora, o que para além de encarecer muito a produção dos temas, acaba por limitar a criatividade dos participantes, que assim se vêm restritos aos materiais que conseguem arranjar. Conforme desabada Luísa Morazzo, “devia haver alguma sensibilidade por parte do governo, por forma a agilizar e até mesmo reduzir determinados procedimentos aduaneiros referentes às matérias-primas necessárias à implementação de um evento desta natureza e dimensão”, e continua, “além de serem processos burocráticos morosos, não há qualquer tipo de isenções ou reduções às taxas de importação, o que faz com que muitos grupos optem por utilizar materiais menos nobres, o que de certa forma, se reflete na qualidade final do espetáculo apresentado”, remata.

Samba Tropical _3_Nos GentiOutra lacuna que se verifica, é a falta de um espaço próprio para o Carnaval. Conforme nos diz Carmita Mascarenhas, “investe-se muito dinheiro no Carnaval, e depois não há um local digno para guardar as obras mais emblemáticas dos desfiles”, e acrescenta que “falta uma Casa do Carnaval em São Vicente, capaz de albergar as obras de arte que todos os anos são produzidas, e que, irremediavelmente, vão para o lixo. É um atentado à cultura, pois durante o ano, os turistas que nos visitam, não têm qualquer possibilidade de apreciarem esse grandioso momento da nossa cultura. Embora

consigamos organizar, uma vez por outra, uma exposição com os trajes – principalmente durante o período de regresso dos nossos emigrantes – o facto é que nem sempre o conseguimos fazer, e muitas das coisas vão se perdendo”, e conclui dizendo que, “o Carnaval tem um papel pedagógico na sociedade, pois muitos dos temas que trazemos para os desfiles, despertam o interesse das pessoas que, acabam por procurar saber mais sobre o porquê das coisas que viram”.

Há ainda um importante fator abonatório do Carnaval de São Vicente, que é o inquestionável contributo do evento para o desenvolvimento económico da ilha. Conforme menciona Luísa Morazzo, “durante os quatro dias que dura o Carnaval do Mindelo, a economia local adquire um forte impulso. Por força do turismo que na altura visita a ilha, os hotéis, a restauração e as companhias aéreas, obtêm um importante contributo para o seu volume total de vendas”, no entanto admite que “poderia haver uma estratégia mais concertada por parte do governo, pois se houvesse um investimento maior no Carnaval, conseguiriam um incremento proporcional na economia local”, refere.

Para a edição deste ano, o tema escolhido pela Escola de Samba Tropical foi O Esplendor da Astrologia no Reinado da Folia que apresentou um trabalho em torno da astrologia, do sol e da lua, mas também dos 12 signos do zodíaco, dos seus mistérios, sabedorias e mitologias, assim como a sua influência no astral humano.

Embora o Samba Tropical “não exista para competirem” – conforme gostam de deixar expresso – o certo é que contribuem muito com o seu glamour, entusiasmo e experiência, para o sucesso do Carnaval do Mindelo.


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