01 Jan Renováveis custam mais do que o combustível
Rui Amante da Rosa, que foi membro da comissão instaladora do Instituto Nacional de Energia, responsável da rede na Electra, entre 1980 e 1984, e que hoje é empresário no sector das energias amigas do ambiente, faz uma jornada pela história do aproveitamento do sol e do vento, que começou logo nos anos 70, chegando a uma conclusão, no mínimo, provocadora: Cabo Verde devia apostar na energia nuclear.
Qual é o panorama actual das energias renováveis em Cabo Verde? Há projectos bem pensados ou ainda se está numa fase de experimentação?
Deixe-me começar pelo início. Cabo Verde deu os seus primeiros passos nas energias renováveis no início do século passado, com a instalação de bombas eólicas em poços. Em 77/78, iniciámos estudos e projectos para a produção de energia Eólica e Solar, na altura feitos pelo Departamento das Energia Renováveis do Ministério de Desenvolvimento Rural e depois pela Instituto Nacional de Investigação Tecnológica, financiados pela Holanda, Dinamarca e outros países, e apoiados por técnicos desses países. Foi assim que começámos as nossas experiências e a recolha de dados nessas áreas. Conseguimos demonstrar que Cabo Verde tinha excelentes condições para a exploração das energias renováveis.
Em 1991, com a mudança do governo e a reestruturação dos ministérios, pararam os projectos nessas áreas, tendo sido retomados em 94/95, com os projectos da instalação dos parques eólicos de São Vicente, Sal, Santiago e Brava, e do Programa Regional Solar que consistiu na instalação de trinta e uma bombas solares nas ilhas de Santiago, Maio e São Nicolau. Após a instalação dos parques eólicos, a Electra poupou em combustível mais de quarenta mil contos no período de um ano. Mas, apesar dos ganhos, as energias renováveis caíram de novo no esquecimento. Os sistemas instalados foram funcionando até faltarem peças. Na falta de meios para as reparações, foram parando um atrás do outro.
Com a privatização da Electra, o sócio maioritário, a EDP, estava mais interessado na produção das energia com meios convencionais do que na produção com as energia renováveis. No início de 2002, houve um projecto com o Banco Mundial (BM), que consistia no aumento da potência dos parques eólicos, em que o BM financiava uma parte do projecto e a Electra a outra parte. Por falta de interesse dos accionistas, e de meios, este projecto também não foi avante. Houve um outro projecto com o BM, que previa alimentar com energia fotovoltaica 12.000 casas, localizadas nas zonas remotas. Houve muita discussão, como seria montada a engenharia financeira e a cobrança dos consumos de energia. Mas, após tantos estudos e gastos, sete anos depois terminou tudo e as habitações que seriam contempladas com este sistema continuam sem energia.
A partir de 2007, é que se retomou o sistema das energias renováveis, mas regressou-se a ele num âmbito em que toda a gente andava também à procura dos equipamentos para essas energias renováveis, porque com os incentivos dados pelos países da União Europeia, tornou-se um negocio rentável para os produtores independentes na Europa. Portanto, com a procura maior que a oferta, o custo dos equipamentos ficou elevadíssimo e nós não podemos suportá-lo. Depois, o governo tentou alterar a política da produção das energias, dos combustíveis fósseis para as energias alternativas. Mas, ultimamente, enveredou-se pelas energias renováveis de uma forma com a qual não concordamos.
E não concordam porquê?
Não concordamos porque os custos das instalações são elevados, uma vez que os contratos foram por adjudicação directa. Isto traz um custo de exploração elevado por KW/h [Kilowatt/hora]. Aliás, os custos que a Electra tem de pagar por cada KW/hora consumido da central solar, pelas informações que temos, andam à volta dos 30$. Já os custos da Central Eólica são 17$ [KW/hora]. Mas, a Electra tem ainda um consumo mínimo obrigatório. Mesmo que não consuma essa energia, tem que pagar por ela.
Só para fazermos uma comparação rápida, a Electra paga pela energia solar 30$/KW/h, pela energia eólica 17$/KW/h. Quanto é que se paga pelos combustíveis?
A Electra, estando a produzir com Fuel 218, paga 75$10 por cada quilo, e pelo Fuel 180 paga 67$5 também por cada quilo. Sabendo que para produzir 1KWh são necessários 218 gramas de combustível, temos um custo médio de produção de cerca de 14$/15$. Portanto, neste momento, o custo das energias renováveis é superior ao custo de produção com fuel por KW/h.
Numa altura em que o governo fala da necessidade de fazer crescer a economia, de criar riqueza, de criar emprego, qual é o papel que o Estado tem dado aos empresários cabo-verdianos do sector?
Nós não somos beneficiados em nada. Aliás, concorremos em pé de igualdade com as empresas que vêm de fora, tendo elas certas isenções que nós não temos. A maioria desses projectos é concebida por essas empresas, que procuram financiamento junto dos bancos com o aval dos seus estados. Ou seja, as empresas arranjam os financiamentos, trazem-nos e fazem os trabalhos. Ora, as empresas cabo-verdianas não sabem onde ir buscar os financiamentos. Não temos cobertura do Estado para a montagem de projectos dessa envergadura. Por isso mesmo, não conseguimos competir.
Não há forma de alterar esse cenário?
Onde ir buscar o dinheiro se os outros o trazem e nós não? Como vamos dar a volta a isso?
Com uma política mais proteccionista?
Não acredito. Não acredito que o governo proteja as empresas cabo-verdianas. Vou-lhe dizer, de forma franca, as empresas cabo-verdianas estão praticamente todas na falência. Com dívidas enormes ao INPS, ao Estado, aos fornecedores. Dívidas enormes que não estão a conseguir ultrapassar. E nos últimos cinco anos, piorou substancialmente.
E vêem o governo com vontade de dar a volta a isso?
Veja como está o mundo inteiro. Não sabemos como vai ser, mas, as dificuldades são muitas. As próprias empresas estrangeiras, que estão cá, penso que dentro de pouco tempo vão começar a retirar-se porque não haverá dinheiro para lhes pagar. Aliás, essas associações públicas/privadas que foram feitas vão terminar. Já não há mais dinheiro para elas. Não sei como é que vai ser. As empresas estão cá para ganhar dinheiro, não para fazerem figuras bonitas.
Regressando às energias renováveis …
Ainda há muito para se fazer. Muito.
E por onde temos de começar?
Temos de ter meios. Por exemplo, nas pequenas ilhas, a Electra continua a utilizar o gasóleo como matéria-prima para produção. O custo do litro de gasóleo é de 108$. O peso específico do gasóleo é 860 gramas. O KW/hora produzido nessas centrais ronda os 28$30. Quando a tarifa da baixa tensão doméstica é de pouco mais de 32$, assim, de facto, a Electra não conseguirá ultrapassar os custos elevados de produção. Agora, nessas pequenas ilhas podia apostar-se forte nas energias renováveis. Tentando quebrar o custo elevado. Mas, como já disse, a procura das energias renováveis é enorme. Os custos também estão a aumentar. Há que se fazer um estudo profundo para medirmos bem a rentabilidade das renováveis.
Mas, não deveria ser ao contrário. Quando se vende cada vez mais a imagem do mundo verde, despoluído, esse cenário não deveria ser acompanhado de incentivos à sua implementação?
Os incentivos foram dados pela União Europeia e uma série de outros países. Mas, acabou. Já não há mais incentivos. A crise mundial pôs-lhes um fim. A partir de agora, cada um tem de pedalar pelos próprios pés.
E até onde pode Cabo Verde pedalar?
Nós não temos pedais. Temos de ficar a aguardar que nos dêem. Nós não exportamos nada. Não produzimos nada. Estamos a centrar-nos no turismo, mas é tudo ainda muito incipiente. Cabo Verde está a fazer uma folia enorme porque recebeu 700 mil turistas num ano. As Canárias recebem 12 milhões e a economia das Canárias, de facto, gira à volta do turismo. Nós, quando é que atingiremos isso?
E é realista pensar em atingir números desses?
Penso que sim. É preciso que nos dediquemos a isso verdadeiramente. É preciso que se trace uma directiva virada para o desenvolvimento do turismo. Porque, até agora temos andado a trabalhar arcaicamente, posso dizer isso. O próprio governador do Banco de Cabo Verde já chamou a atenção para isso, que o turismo em Cabo Verde é fruto de uma procura espontânea. E o turista vem e não volta, porque as condições que teve cá não o satisfez. Agora, o bom turista é aquele que vem e regressa.
E, se calhar, até pensa em cá residir …
Exactamente, porque temos condições para isso. Tem é de haver uma aposta forte nesse sentido. Ouço falar no turismo há cerca de 25 anos, e continua tudo igual.
Ainda voltando às renováveis, quando o governo apresenta as metas que propõe para a penetração desse tipo de energia [50 por cento até 2020], mas ao mesmo tempo não dialoga com os empresários cabo-verdianos, está apenas a fazer publicidade ou há mesmo um interesse sério em alcançar esses objectivos?
Os passos que o governo deu ultimamente criam a impressão que o governo quer avançar e que tem um rumo certo. Temos é de aguardar para ver se conseguimos chegar a esses 50 por cento. Mas, não podemos esquecer que mesmo com as eólicas e os painéis solares a produzir, os grupos térmicos [geradores alimentados a combustível] continuarão funcionar, porque em caso de variação do vento, ou do sol, têm de garantir que a energia não falta.
E essa meta, 50 por cento de energias renováveis, é alcançável?
Não acredito, porque isso requer um investimento enorme e não é só nas energias renováveis, é na própria produção térmica. Nas outras ilhas, continuaremos com pequenas centrais, com pequenas potências, onde não se alcançarão esses 50 por cento. Porque é necessário ter um backup Talvez Santiago, São Vicente e o Sal consigam. As outras, não estamos a ver. E quando falamos de 50 por cento é a nível nacional. 2020 é amanhã.
Por falar nas diferentes ilhas, qual é o impacto da própria geografia do arquipélago na penetração das renováveis?
Eu penso que devemos avançar, essencialmente, para os aerogeradores. Onde a energia produzida é mais barata. Aí teríamos grandes sucessos. Avançando para as solares, já não penso que seja viável. Com as solares temos uma produção de sete horas e meia por dia. E não se esqueça que o sol nasce, a central começa a produzir, 10 por cento, 15 por cento, e vai subindo. Das 12h às 14h está-se, por exemplo a 60 por cento da capacidade de produção da unidade, e depois começa a cair outra vez. Enquanto que as eólicas conseguem ter uma média de produção anual muito boa.
Energia solar é uma má aposta em Cabo Verde?
Se quisermos demonstrar que temos energia solar, podemos continuar a fazê-lo. Mas, veja-se o que se passa com os dois parques solares instalados, ninguém tem informações sobre eles. Para além do custo de manutenção da limpeza.
É um defensor da energia nuclear. Seria a melhor solução para o país?
O governo já mexeu nisso, já procurou que pertencêssemos à Organização das Energias Nucleares, e já fomos aceites. Eu penso que é o futuro. Neste momento, por exemplo, está a falar-se do problema de Israel e do Irão. Se, por acaso, Israel resolver atacar o Irão, prevê-se que o barril do petróleo passe a custar o dobro. Onde teríamos dinheiro para comprar o combustível? Espero que não suceda nada, claro, mas é só para ver a nossa fragilidade. Temos de arranjar algo que nos abasteça. Quando há qualquer problema a nível internacional o que se corta primeiro? O transporte marítimo. E nós somos ilhas. Aliás, neste momento, quase não há navios para Cabo Verde. Chegámos a ter uma média de cinco navios por mês, neste momento temos um, no máximo dois. E isso está a provocar um estrangulamento enorme no abastecimento alimentar e outros. E o que se está a fazer para combater isso?
Quais seriam as grandes vantagens para Cabo Verde do uso da energia nuclear?
A energia nuclear é aquela que apresenta custos mais baixos de produção. Para Cabo Verde bastava-nos uma central de 100 Mega Watts, praticamente, nem resíduo tem. Devemos começar a preparar-nos para o futuro, e o futuro será a energia nuclear. Há uma quantidade enorme de navios que funcionam a energia nuclear, que passam aqui pelo porto da Praia, por São Vicente, já ouviu uma notícia de acidente com algum desses navios? Precisávamos de uma central pequena dessas. Pelo menos, para nos libertarmos um pouco mais. E estas centrais têm uma duração de vida superior a cinquenta anos.
Enquanto não há centrais têm de haver medidas que encorajem e promovam a eficiência energética. Essas medidas existem?
O governo já tomou umas medidas, há uns quatro ou cinco anos, mas já passaram à história. E pode-se fazer qualquer estudo, entregá-lo, que ele não sai da gaveta. Porque os custos do investimento para essa eficiência são elevados inicialmente. A longo prazo é que se têm vantagens. Por isso, vamos continuar como estamos. Mesmo ao nível dos electrodomésticos não há uma formação aos consumidores. Ensiná-lo sobre qual o tipo de equipamento que deve comprar. Ainda não é tarde, penso que o Ministro da Educação pode começar a preparar uma nova geração de consumidores. Se apostássemos um bocadinho na eficiência energética, teríamos grandes lucros.
Poupança energética que nos leva também para as políticas ambientais. Qual é o panorama em Cabo Verde?
Temos tentado introduzir, em Cabo Verde, mas não tem sido muito fácil. Aliás, muitas têm causado problemas a certos investimentos, e não sei se será de bom-tom a persecução dessas políticas.
Falamos de quê?
De estudos de impacto ambiental que têm provocado grandes problemas a grandes investimentos. Acho que estamos a ser mais papistas que o papa. Temos tentado introduzir legislação que vem de fora, com certas exigências externas, que não nos beneficia em nada.
E a aposta na reciclagem?
(sorriso) Qual é a população de Cabo Verde? Qual é o consumo de Cabo Verde para montar uma unidade dessas? Não há consumidores. Cabo Verde é pequeno. Nem mercado tem.
E uma aposta na exportação dos produtos já reciclados, vidro, plástico, ferro-velho?
O ferro-velho tem sido exportado, mas ninguém entra nessa área porque não é rentável. Aquilo que se produz aqui, diariamente, que volume representa? A Praia é uma aldeia. A reciclagem não se consegue rentabilizar. Depois de fazer a recolha e pagar os transportes marítimos não encontrará comprador devido a esses custos. Podemos reciclar, mas, depois fazemos o quê com isso? Ficamos cá com a matéria-prima?
Se são sectores para esquecer, o que pode exportar Cabo Verde?
Peixe. Dediquemo-nos à pesca. Mas a sério. O que exige investimento. Há dias, em São Vicente, falou-se de uma unidade que está a exportar uma tonelada de peixe por semana e fez-se uma festa. Isso demonstra a nossa dimensão. Um grande alarido por uma mera tonelada.
Regressando à energia, que é um dos problemas mais referidos por todos, desde aos investidores ao governo. Com renováveis, com a Electra, com privados, haverá solução algum dia?
Qual é a potência que temos instalada? É necessária uma vontade. Como eu digo, a energia foi sempre relegada para segundo plano, desde a independência. Nunca houve um Ministério da Energia neste país. Houve sempre só ministérios de qualquer coisa e energia, sabendo-se que essa qualquer coisa anterior não funciona sem energia. Portanto, a energia sempre foi o calcanhar de Aquiles de Cabo Verde, desde a independência.
E porque é que tantos anos passados se está ainda quase no ponto de partida?
O problema foi económico. Se houvesse dinheiro, teríamos ultrapassado isso. A energia em Cabo Verde é uma área onde pouca gente investe, seja bancos, seja instituições internacionais. Para nós, por causa da nossa dimensão, dão pouquíssimo. A Electra para se desenvolver precisa de lucros. Em toda a parte do mundo a energia dá dinheiro. Aqui, o Estado não tem dinheiro para investir. A única maneira de resolver o problema é subir a tarifa, mas depois as pessoas não podem pagar. É um ciclo vicioso.
Artigo gentilmente cedido pelo jornal “O Expresso das Ilhas”Texto: Jorge Montezinho
Fotografia: Quim Macedo
Germilly Barreto
Posted at 03:41h, 15 JaneiroEsse artigo serve para alargar o nosso campo a nível da energia.
Bem dito, palavras reais e bonitas deste senhor.
Miguel Monteiro
Posted at 22:26h, 14 JaneiroExcelente artigo….