01 Jan 2012
Pedro Rodrigues: Escrever o sentimento ímpar dos cabo-verdianos
Cantado e interpretado pelos grandes nomes da música cabo-verdiana, Pedro Rodrigues é dos poetas e compositores mais sublimes que Cabo Verde viu nascer.
Natural da ilha do Fogo, cedo emigrou para Angola, terra que adotou como sua segunda pátria. Aqui fez todo o seu percurso de vida académica, desportiva, social e profissional. Carregar a distância da Mãe-Pátria que para trás tinha deixado, despontou-lhe a genialidade da veia poética que, embora adormecida, inconscientemente herdara do avô.
Da sua infância em Cabo Verde, apenas lhe ficou gravada a imagem da erupção vulcânica que presenciou na ilha do Fogo. Recorda que “foi um acontecimento muito dramático. O meu pai – que era funcionário público – encontrava-se destacado em Timor, e foi a minha mãe que teve de enfrentar toda a situação sozinha”.
Chegou a Angola muito jovem, no ano de 1952. O pai tinha recebido ordem de transferência para Luanda e ainda nesse ano, a família mudava-se para a terra que o iria marcar ao longo da vida. Passou quase toda a sua infância em dois bairros carismáticos de Luanda: primeiro na Maianga e depois na Praia do Bispo. Pedro Rodrigues confessa, “Angola é a minha segunda pátria. Aqui fiz a escola primária e o liceu”, e conforme nos afirma, “estes são os períodos que mais nos irão marcar ao longo da vida”. No entanto, apesar de longe, Cabo Verde era presença constante no seu quotidiano. “Luanda sempre teve uma comunidade muito forte de cabo-verdianos, e, talvez por isso, nunca perdi a ligação a Cabo Verde. Bastava-nos deslocar ao Prenda [bairro típico da cidade de Luanda], para pensarmos que estávamos mesmo em Cabo Verde”, ironiza.
A sua juventude em Luanda fica precisamente marcada por essa dualidade de relacionamentos entre cabo-verdianos e angolanos. A sua formação experimentou o grande impacto das relações com personagens que participaram da grande mudança que Angola viria a encetar, quer no campo político, social, quer desportivo e cultural, e dá o exemplo da sua atividade desportiva iniciada no Atlético de Luanda, onde conheceu “pessoas extraordinárias, que para além do aspeto meramente desportivo, começaram também a incutir-me outros valores, pelos quais me regi o resto da vida. Toda a minha carreira artística, profissional e desportiva, foi desenvolvida em Angola, e essa afinidade com Angola e os angolanos é muito estreita: marcam a minha vida”, e conclui dizendo, “é um relacionamento que define o que hoje sou como pessoa”.
É precisamente o desporto, mais concretamente o futebol, a sua primeira paixão. Pelo Atlético de Luanda, foi atleta federado, destacado e reconhecido como um dos grandes desportistas de Angola. No entanto, o despertar para a música e a poesia, iria acontecer mais tarde, quando foi estudar para Portugal. Embora a sua mãe lhe falasse regularmente do seu avô, Pedro Cardoso – extraordinário poeta que nos anos 20 do século passado fez o primeiro compêndio do Crioulo e foi um dos grandes defensores da cultura cabo-verdiana – foi em Portugal, quando começou a conviver diretamente com estudantes compatriotas que a música despertou sentimentos até então, para ele, desconhecidos. Ao fim do dia, juntavam-se todos e, segundo Pedro Rodrigues, “era sagrado… lá saía uma guitarrada. E aquilo começou a mexer comigo”.
Enquanto estava em Portugal, foi integrado no exército onde acaba por conhecer o amigo Maiuka, que se viria a tornar, mais tarde, o seu grande companheiro musical. A primeira música que fez, foi no dia de Natal de 1969, na Guiné. Fez a música “Batuque é Feitiço” que reflete o despertar de uma nova realidade – a consciência do homem negro – após sofrerem um ataque ao quartel onde estavam. Conforme relata, “o impacto daquela noite marcou para sempre a minha vida. Então fui para o quarto, peguei numa viola, e ainda sob o efeito daquele ataque, recordei a coragem que os guerrilheiros tinham tido, o que me inspirou profundamente. Essa música viria a marcar aquela geração em Angola. As pessoas cantavam o “Batuque é Feitiço” mas sempre às escondidas. Apenas se gravou o tema depois do 25 de Abril. A partir desta música é que eu comecei a compor”.
Após a Independência, Pedro Rodrigues conheceu um período de grande atividade criativa, fruto da euforia que então se vivia.
Naquela altura compôs muitas músicas de cariz político, no entanto, houve uma que teve maior impacto: “Canseira sem Medida”, que foi gravado por vários artistas, de onde se destacam nomes como, Cesária Évora e os Tubarões. “É uma música que transmite uma experiência real que eu vivi”, recorda. “Em 1978 fomos festejar o 5 de Julho [dia da Independência de Cabo Verde] a São Tomé. Na altura pertencia ao “Grito di Povo” que era um conjunto de angolanos e cabo-verdianos que tinha por objetivo a divulgação da cultura musical dos dois países. Depois de uma noite musical, tínhamos agendado um jogo de futebol contra uma equipa local da nossa comunidade. Como sabiam que eu tinha jogado futebol, convidaram-me a jogar. Embora um pouco contrariado, pois estava cansado da noite anterior, acabei por aceitar e fui participar. Por sorte ou azar, durante o jogo, o guarda-redes da equipa adversária, num golpe de infelicidade, partiu-me uma perna e eu sou internado no hospital. Enquanto estou internado, conheci uma enfermeira, filha de emigrantes cabo-verdianos, com a qual comecei a falar em crioulo. Ao lado da cama onde estava, vejo um indivíduo muito atento, a olhar para mim, que a certa altura me pergunta, também em crioulo, se eu era cabo-verdiano. Respondi que sim, mas que vivia em Angola. Então ele fez-me um pedido dramático: que eu comunicasse às autoridades cabo-verdianas o seu único desejo – morrer em Cabo Verde. Ele já estava em São Tomé há mais de quarenta anos, sem nunca ter ido à pátria. No dia seguinte, quando acordei e olhei para o lado, o homem estava morto. Foi um tremendo choque para mim. Por isso fiz a “Canseira sem Medida”, onde me limitei a fazer a música, pois a poesia tinha-me sido dada por esse compatriota, que ao fazer aquele apelo dramático, me inspirou a compor um dos temas mais conhecidos da minha carreira”, relembra Pedro Rodrigues.
Esta passagem da sua vida define a sua linha poética. Para Pedro Rodrigues, “o estilo que define um artista depende do estado de espírito e dos acontecimentos que nos marcam. Quando há acontecimentos que nos tocam, a poesia surge de forma espontânea”.
A base poética das suas músicas, que para o artista é o fator principal para o sucesso de qualquer composição, é a sua vivência. “Grande parte das minhas músicas está relacionada com a minha própria vida, nomeadamente a problemática da emigração, que foi e continua a ser, uma das facetas mais marcantes dos cabo-verdianos”, e conclui, “muitos saíram de Cabo Verde e foram para outros países onde sofreram autenticas situações de escravatura. Talvez por a emigração me ter tocado de forma direta, é um dos temas que mais retrato”.
É a força das suas mensagens que fez com que a sua poesia encontrasse interpretes como Bana, Cesária, Ildo Lobo, Tito Paris, Tonecas Marques entre muitos outros. No entanto, e apesar de se sentir honrado por todos eles, houve um agrupamento que o projetou: os Tubarões. Conforme nos refere “toda a fase inicial da minha carreira devo-a a eles. Tive um grande incentivo do Luís Morais e do Ildo, que sempre me apoiaram a escrever. Durante dois anos, os Tubarões gravaram nove músicas minhas, daí que os considere como os principais impulsionadores da minha carreira”, salienta Pedro Rodrigues.
A música e o crioulo foram das maiores fontes de resistência ao regime colonial, e tal como acontecera com Eugénio Tavares e B.Léza, encontraram nas palavras de Pedro Rodrigues uma arma poderosíssima na mobilização e motivação de todo um povo. No entanto, Pedro Rodrigues também alerta que “hoje vemos muitos jovens a trilhar outros caminhos na música, quer por influencia da globalização ou por mudança de paradigma da escrita”, no entanto, considera que essas influências “não podem destruir a essência da nossa base cultural, onde a música assume um importante papel, e que tem que ser defendida e preservada”, e acrescenta que “tem de haver um esforço para manter essas raízes e tradições, esforço esse que envolva mesmo a estrutura governamental no quadro educativo”.
Para o poeta, “se a juventude for educada nas escolas tendo por base a nossa tradição, acredito que as raízes não se perderão”, e aponta um exemplo concreto: “veja-se o caso do Funaná, onde tem havido um trabalho extraordinário de evolução e modernização, sem no entanto perder a base que constitui o estilo tradicional”, concluindo que “é fundamental o diálogo da juventude com os mais velhos, por forma a perpetuar a tradição. Se houver este diálogo, a música vai-se modernizando, sem, no entanto, perder a sua essência inicial, pois há necessidade de se defender o que realmente é nosso, sob pena de virmos a ser engolidos pela globalização, o que provocará a descaraterização do nosso povo”.
Pedro Rodrigues considera que “a raiz da cultura e tradição cabo-verdiana foi precisamente as correntes migratórias que sempre marcaram o país, sendo esta uma das maiores riquezas de Cabo Verde, e a qual terá sido o baluarte da resistência ao colonialismo, muito mais forte que os próprios tiros”, e continua, “a cultura são os nossos poetas, os nossos músicos, o nosso povo. A maior prova da força da nossa cultura e tradição, é que os nossos emigrantes nunca perderam as suas referências culturais, por mais tempo que passem fora da sua terra natal”.
Profissionalmente, Pedro Rodrigues sente-se um homem plenamente realizado. Iniciou a sua atividade bancária ainda no tempo colonial. Assistiu e participou ativamente no processo da tomada da banca após o 25 de Abril. Com a Independência e com o sequente abandono de quadros, “as capacitações dos que vieram, eram mínimas, mas havia uma grande entrega por parte de todos. Apesar das grandes lacunas, conseguiu-se o fundamental, que era a passagem do testemunho”, recorda. Em Agosto, Pedro Rodrigues completou 40 anos de atividade bancária. Encontra-se atualmente reformado, mantendo, no entanto, a sua ligação à atividade como assessor de um banco angolano, pois, conforme refere, entende que deve transmitir toda a experiência que foi adquirindo ao longo da carreira, pois, como diz “há muita coisa ao nível da banca que não aparece nos livros, como tal, é minha obrigação transmitir aos mais jovens, este conhecimento que só se adquire com a experiência”.
Ao nível musical, pretende completar um projeto antigo: reunir num CD, com o apoio de vários interpretes amigos (principalmente musicos da sua geração, fazendo a ponte com os mais novos), o trabalho que tem vindo a realizar ao longo destes anos. “Vai ser um projeto que me irá dar grande prazer. Penso que durante o próximo ano, vou começar a dar forma a esta ideia”, adianta.
Às gerações mais novas de músicos e artistas, Pedro Rodrigues aconselha a que “façam tudo para a dignificação da nossa música, que é parte do património. Trabalhem em conjunto, modernizem, mas tenham sempre em mente a defesa do que é realmente nosso, pois Cabo Verde sempre teve músicos de grande qualidade, capazes de perpetuar a nossa cultura e tradição.” E termina lembrando-nos: “A música é uma arma poderosíssima na união dos povos, pois a música irmana e perdoa”.
visioncast
Comentários
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Meu pai, meu amigo, è um orgulho grande ser teu filho.
HOLA SOMOS TUS SOBRINAS HIJAS DE TU HERMANO CARLOS, Y NOS HEMOS EMOCIONADO MUCHO AL OIR TU MUSICA, Y VERTE DESPUES DE TANOS AÑOS, NOSOTRAS ESCUCHAMOS TU MUSICA DEL DISCO GRITO DO POVO,NOS GUSTARIA VERTE PRONTO A TI Y A TODA TU FAMILIA, MUCHOS ABRAZOS
Oi prima, sou o filho mas novo do Pedro, gostaria muito de vós conhecer.
O meu primo Pedro Cardoso Rodrigues como todos ficarao a saber e filho do meu tio Clarimundo Rodrigues e da Sra Teodora Cardoso,esta filha do grande e conhecido poeta Pedro Cardoso,da ilha do vulcao.Ele herdou do seu avo materno os talentos da poesia e tambem herdou da inteligencia da familia Rodrigues.Desejo-te primo as maiores felicidades na tua vida e gostaria de te ver,depois de muitos anos de ausencia.Foi na ocasiao da independencia de Cabo Verde que conhecemo-nos e,desde entao nunca mais.Obrigado primo Lourenco por me teres proporcionado a oportunidade de conhecer os grandes talentos do primo Pedro.Um abraco.
granda informacao. adorei!!!
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