Nha Balila – Independência nacional: uma visão única e singular
30 Set 2012

Nha Balila – Independência nacional: uma visão única e singular

[su_spacer] Isidora Semedo Correia, mais conhecida por Nha Balila, filha de um alfaiate e uma camponesa, Raimundo e Paulina, nasceu na Serra da Malagueta (interior de Santiago) no ano de 1929. Balila define-se como “uma invisual que nunca se sente isolada”, já que tem marcado a sua presença na sociedade cabo-verdiana. Com voz ativa nas estações de rádio e televisão, Nha Balila continua a lutar para a consagração dos direitos da mulher e a passar a mensagem, sobretudo aos jovens de Cabo Verde, que devem ter mais amor à pátria do que a outro país.

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Nha Balila relembra Cabo Verde antes da Independência, como sendo “mais seguro, mais sério, cheio de dignidade. O velho, o adulto, o jovem e o adolescente, tinham muito respeito.” No entanto, não foi fácil viver nesse tempo. “Em 1947, passei muita fome”, conta. ”Havia fome, mortes, bichos nos pés, na cabeça, nas costas, nem me lembro de tomar um banho. Não me lembro de haver conquistas entre jovens – menina/rapaz. Em 1947, eu ainda estava no interior. Saí de lá no princípio de 1948 e fui para a cidade da Praia. Quando cheguei, andava em cima de gente morta por causa da fome. Na Gamboa, onde está a estátua de Amílcar Cabral, havia uma vala para enterrar os mortos. Ninguém se reconhecia. No tempo da fome, de 1947 até 1949, as pessoas foram para Timor, Brasil, Angola e S. Tomé.”

Nha Balila - Revista Nos Genti -Foi para Angola e, em 1953, partiu para São Tomé à procura de algo melhor nas roças do café e do cacau, já que, conforme refere, “o analfabetismo não dava para sonhar mais alto”. No entanto, conforme recorde, “vivia-se em S. Tomé uma autêntica escravatura”. Balila apresenta no corpo as marcas dos chicotes e das catanas que, teimosamente, todos os dias a fazem recordar desses tempos difíceis. Fez duas safras até perceberem que não via quase nada. Nessa altura já não a deixaram embarcar.“A minha cegueira surgiu na sequência de um acidente de trabalho em São Tomé e Príncipe. Enquanto capinava, o líquido de uma árvore “malgós”, que significa amargo, acertou-me no olho direito e rapidamente propagou-se para o olho esquerdo. Na sequência, perdi a minha visão. Era a minha terceira aventura pelas terras são-tomenses”, lamenta.

Apesar de não ter esmorecido, Nha Balila tinha visto mais guerra em S. Tomé. “Quinze dias de guerra”, lembra, “incluindo corpos de roceiros por causa do massacre de Batepá, em 1953.”Em 1954, conheceu as ilhas do Equador e anos depois regressou a casa. Voltaria a emigrar em 1963 e 1966, pois, conforme confessa, “o país não tinha grandes condições económicas para alimentar os seus filhos, dadas as sucessivas calamidades, motivadas pela falta da chuva”.

Em Cabo Verde, já cega, dedicou-se à luta pela independência do país. Guardava panfletos contra o colonialismo debaixo da cama, mesmo quando as autoridades a avisavam para não se envolver na política. Contudo, foi no dia 5 de julho de 1975, com a independência, que Nha Balila afirma ter nascido. Conforme declara: “eu acredito na independência”.

A mulher do povo conta que, nessa altura, “como era atrevida, entrava sempre na política, embora tal não fosse permitido pelo antigo regime. Ir às reuniões às escondidas começou por brincadeira. Eu ia para todos os lugares, mas no dia 28 de junho de 1975, saí de casa e tive um acidente. Por isso, passei o 5 de julho no hospital. Quando a bandeira portuguesa desceu e subiu a cabo-verdiana eu ainda estava no hospital”, recorda com muita emoção. “Era triste e alegre, tudo ao mesmo tempo, um momento de amor e de paz”.

Balila pertence ao PAICV, partido que governou o país durante muito tempo como partido único, todavia pensa que “um partido único com 15 anos, se não fica coxo anda de muletas. Tem de haver mais de um partido, pois sem luta, não pode haver liberdade, sem liberdade não pode haver independência e sem independência não pode haver democracia”.

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Nha Balila - Revista Nos Genti -

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Apesar de considerar que a independência beneficiou Cabo Verde, Nha Balila afirma que “o comportamento das pessoas era melhor em tempos anteriores, e dá como exemplo o facto de  “antigamente os homens e jovens reuniam-se com a enxada, a pá e a picareta para trabalharem juntos na construção da casa do amigo – hoje eu faço contigo, amanhã tu fazes comigo. Atualmente nenhum jovem quer trabalhar. Só querem desavenças e problemas”. Confessa também que “a educação na família era melhor do que hoje, pois hoje em dia, os pais perderam a autoridade nos filhos” Contudo, ao nível da educação escolar, houve grandes progressos. Conforme relembra, “antes da independência, quem ia mais à escola eram os filhos dos ricos e dos portugueses, enquanto que hoje, todas as crianças vão para a escola e se instruem”.

Nha Balila gostaria de ver o futuro de Cabo Verde de uma forma digna, respeitosa, dinâmica e sem discriminação. Continua por dizer que “o homem deve pensar na paz, na dignidade, na fé e na esperança. Só assim é que ele vai conseguir alcançar o seu objetivo. O homem só quer trabalhar por interesse e por inveja. Quer ter casa e carro sem muitas vezes ter posses para tal. Tem de aprender a controlar-se melhor.”

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5- Nha Balila - Revista Nos Genti -

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Em 1981, formou um agrupamento denominado “Bali Pena” (Valeu a Pena), que marcava presença nas festas tradicionais de Santiago. No entanto, apesar de alguns sucessos, em 1991, Bali Pena terminou a sua carreira, alegadamente devido a conflitos partidários entre os seus elementos. Por essa razão Nha Balila, ainda hoje, apela para que a cultura esteja apartada da política.

Formou então um novo grupo de batuque, denominado “Artistas Portadores de Deficiência”. Autora de dezenas de composições, das quais de destacam “Capina Padja”, “Dentro di alguém qui é alguém”, “Minino Nobu na mom”, “Minininhas adolescentes”, Nha Balila diz que se sente mais inspirada à noite, altura em que elabora as suas composições musicais. Em 2006 lançou um CD que esgotou rapidamente.

Também apoia a terceira idade com angariação de dádivas, as crianças carenciadas com a recolha e distribuição de materiais escolares, vestuário, bolas e bonecos. “De futuro, espero que os cegos passem a ver e os que têm olhos vejam mais de que os cegos”, conclui.


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