Mário Lúcio – Transformar a cultura num modelo económico sustentável
21 Fev 2013

Mário Lúcio – Transformar a cultura num modelo económico sustentável

Mário Lúcio

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“Para mim está a ser uma escola participar na governação, mas está também a ser um momento especial da conceção e da reposição da cultura mundial. Cabo Verde é um grande laboratório cultural, como tal, sinto-me orgulhoso de ter a oportunidade de poder pôr em prática essas novas conceções globais”

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O profundo conhecimento do sector permite-lhe uma avaliação realista e um bom ambiente de diálogo com toda a comunidade artística de Cabo Verde.  Convidado a liderar o importante Ministério da Cultura, Mário Lúcio sente-se um homem privilegiado. Ter sido escolhido – e não eleito, como gosta de enfatizar – para desempenhar o cargo de ministro da Cultura, tem para ele um sabor particular.

Cativar os artistas em prol de uma causa comum

O facto de viver intensamente a atividade cultural, fez com que o ministro Mário Lúcio de Sousa Mendes, desde o início da sua nomeação, tenha percorrido todo o País na procura de soluções inovadoras para os problemas dos artistas nacionais. “Estou permanentemente em contacto com os artistas, sobretudo lá nos seus municípios. Em menos de um ano de governação já tinha visitado 18 municípios cabo-verdianos (e aqui em Cabo Verde, tal implica andar de barco, de avião, espera, chega, não chega, subir montanhas, descer vales, andar de burro, botes,…), queria conhecer e aprender como funcionavam as coisas no terreno”, diz em tom irónico.

Esse contacto direto com os artistas nacionais trouxe grandes ganhos à cultura do País. Conforme descreve o ministro, “a unidade que existe entre a classe foi uma das grandes vantagens do modelo que consegui implementar. Independentemente da área onde estivermos a trabalhar, sinto o apoio da camada artística pois estamos a criar em conjunto. Quando algo não está bem, dizem-me e conversamos. Deixámos de ir à comunicação social tratar dos assuntos da cultura; difunde-se lá a informação, mas não se tratam dos assuntos. Vive-se atualmente um ambiente saudável, de serenidade, de circulação de informação. Todos sabem o que estamos a fazer e percebem o que está a ser feito, para que, em conjunto, possamos desenvolver condições para a criação, distribuição e colocação dos produtos culturais cabo-verdianos no mercado, quer interno, quer no exterior.” O outro grande ganho desta política de proximidade foi o facto de “ter estimulado a mudança da mentalidade dos artistas: ao se eliminar a palavra apoio e a dependência crónica do Estado; passámos a falar de incentivos, de financiamento e de fundos de financiamento. Hoje, há em Cabo Verde, uma forte iniciativa privada em torno da cultura nacional”, salienta Mário Lúcio.

A primeira iniciativa legislativa deste Ministério foi a alteração da Lei do Mecenato e os procedimentos na sua aplicação. “A lei existia, mas era tão complexa que os mecenas não tinham qualquer interesse em usufruir dela”, refere o ministro. A Lei do Mecenato é agora reconhecida no código de benefícios fiscais. Foi igualmente publicada uma brochura que explica o seu funcionamento e os benefícios para a economia nacional. Se alguém pretender apoiar uma qualquer iniciativa cultural, esse apoio é agora negociado entre o Ministério da Cultura e o mecenas. O Ministério disponibiliza a verba para os projetos financiados ao abrigo da Lei do Mecenato e o dinheiro do mecenas (pelo qual recebe benefícios fiscais pela majoração de custos) é posteriormente entregue ao Ministério da Cultura. Neste momento, a Lei do Mecenato já começa a funcionar também com mecenas privados.

Para além da Lei do Mecenato, foi igualmente aprovado o regime jurídico do apoio às artes, onde, duas vezes por ano, após análise e aprovação dos projetos artísticos a concurso, serão atribuídos os respetivos financiamentos, sejam eles a fundo perdido, por reembolso ou através do Fundo de Garantia da Cultura.

Mário Lúcio é, também ele, um homem da cultura, o que fez com que as expectativas nas soluções encontradas aumentassem o seu grau de responsabilidade. “Lembro-me que, quando fui chamado ao Governo, senti muita expectativa em torno das minhas ideias. Tinha duas alternativas: ou geria bem essas expectativas ou simplesmente fazia baixar o nível de confiança que estava a ser criado em torno da minha nomeação, o que iria certamente retirar toda a adrenalina criativa necessária a quem se propõe apresentar alternativas novas. Peguei em 50% desse compromisso e devolvi-o à sociedade civil. Fui a todos os municípios dialogar e dizer: eu faço a minha parte, façam vocês a vossa; organizem-se em associações, federações ou núcleos, estruturem-se administrativamente e organizem as vossas carreiras pensando sempre na sustentabilidade e não no individual. Dos projetos que foram anunciados em 2011, quando tomei posse, 100% já estão em andamento. Nenhum dos projetos anunciados está ainda por fazer. “

Promover a música cabo-verdiana nos mercados internacionais 

Uma das novas conceções mundiais na cultural passa-se ao nível da World Music, onde Cabo Verde representa já uma quota importante deste mercado musical. Como forma de consolidar a presença do País em outras latitudes, o Ministério da Cultura irá realizar, pela primeira vez em Cabo Verde, a Atlantic Music Expo. Conforme explica o ministro, “este importante mercado mundial da música é o culminar de um trabalho iniciado na Dinamarca, que passou posteriormente pelo mercado da música do Mediterrâneo e culminou no fórum de World Music realizado na Grécia, onde apresentámos o nosso projeto para receber, de 8 a 10 de abril de 2013, o Atlantic Music Expo”. Cabo Verde representará assim um dos cinco maiores mercados de música do mundo e que engloba toda a região do Atlântico.

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1- Mario Lucio - NG

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Regulamentar as atividades artísticas

Este impulso internacional à música cabo-verdiana aumenta, no entanto, o grau de responsabilidade do setor, nomeadamente ao nível da regulamentação da atividade musical como profissão. Contudo, conforme diz Mário Lúcio, “tem que se analisar também a especificidade do País, pois historicamente, em Cabo Verde os músicos sempre fizeram música em paralelo com outras profissões. O próprio Eugénio Tavares era um funcionário público das finanças, o Beleza também. Por isso, e no contexto do nosso País, será incorreto regulamentar o setor apenas para a classe de músicos profissionais”, e adianta que o setor tem de ser regulado através de “uma Sociedade de Autores eficaz, capaz de coletar os direitos de autor e fazer uma boa distribuição dos dividendos junto dos criadores. Depois, é preciso ter mercado e ter-se o estatuto de artista. Dentro do estatuto de artista é ainda necessário regulamentar a carteira profissional – é um trabalho muito longo”, refere.

Apesar das dificuldades, já muito se tem progredido em Cabo Verde neste domínio. O País tem hoje uma segunda Sociedade de Autores só para música (em complemento à Sociedade de Autores mais generalista); também já se socializou o estatuto do artesão, estando prevista para breve a socialização do estatuto do artista. Foi também recentemente aprovada a Orgânica do Governo que cria uma Direção para a Proteção dos Direitos de Autor, a qual também faz a inspeção de atividades económicas ligadas à cultura. Finalmente, está a ser criada legislação que protege os que fazem da música a sua profissão.

7- Mario Lucio - NG

O inovador Banco da Cultura

Uma das formas encontradas pelo atual Ministério da Cultura para apoiar e incentivar a atividade cultural nacional, foi a recente criação do Banco da Cultura. É um conceito que nasceu a partir do Fundo Autónomo do Apoio à Cultura, o qual geria uma verba anual de apoio à atividade cultural. O Ministério da Cultura converteu este Fundo num conceito inovador e criou um banco financeiro para o fomento da atividade cultural. O Banco da Cultura tem o seu capital próprio (que sai do Orçamento do Estado), mas também como instituição autónoma pode captar fundos. Tal como relembra Mário Lúcio, “quando o Ministério da Cultura lançou a ideia do Banco da Cultura, houve alguma resistência, inclusive alguns sectores da comunicação social chamaram-nos de megalómanos e utópicos… mas isso faz parte de toda a criação: tudo o que é novo causa estranheza. O Banco da Cultura foi criado para começar a funcionar no espaço de três anos e durante esse tempo faríamos a preparação administrativa, técnica, etc. Encurtámos o tempo e antes da ideia completar dois anos, o banco já está a funcionar”.

Para alavancar a atividade inicial do banco, o Ministério da Cultura assinou junto do Banco de Desenvolvimento da CEDEAO um Fundo de Garantia para as indústrias culturais no valor de 650 mil euros, “o que é dinheiro suficiente para um país como Cabo Verde”, diz o ministro. O Banco da Cultura tem a sua sede no Palácio da Cultura. Como curiosidade, todo o seu mobiliário é feito de forma artesanal por artesãos nacionais. Possui ainda uma estrutura semelhante à de qualquer banco comercial mas, conforme diz o ministro, “de uma forma inovadora: em vez de cofres e sistemas sofisticados de segurança, onde se gasta muito dinheiro, assinámos protocolos com os bancos comerciais e depositamos lá os nossos fundos. O Ministério da Cultura analisa e avalia os projetos que solicitam financiamento, e os artistas, criadores ou agentes culturais vão buscar o dinheiro financiado aos bancos comerciais”. Também ao nível das comissões e taxas de funcionamento, o Banco da Cultura é inovador. Conforme explica Mário Lúcio, “não cobramos juros, apenas recolhemos os reembolsos dos financiamentos. Ainda agora para o Carnaval, um grupo pediu 500 mil escudos para adiantar os trabalhos; o Banco da Cultura enviou o formulário, preencheram, receberam o dinheiro. Este é o modelo que criámos e funciona bem. Resolvemos a 100% todos os programas de financiamento em cultura que temos em Cabo Verde.”

A Rede Nacional de Distribuição de Artesanato 

O projeto RENDA – Rede Nacional de Distribuição de Artesanato foi lançado em 2011 com o objetivo de fazer a distribuição nacional de todos os produtos de artesanato nacionais. Dada a natureza inovadora da iniciativa, o RENDA pode vir a beneficiar de um financiamento da Organização Mundial do Comércio. O projeto base do RENDA consiste na criação de cem quiosques, denominados de Casinhas do Artesanato, que serão distribuídos pelos portos, aeroportos e pelos centros e praças municipais de Cabo Verde. Através de ações de formação, acompanhadas por um crédito bancário atribuído pelo Banco da Cultura, cem jovens cabo-verdianos terão oportunidade de adquirir produtos de artesanato nacionais e distribuí-los nestes locais. A iniciativa visa fomentar e impulsionar o próprio artesanato nacional, pois tal como diz Mário Lúcio, “ao se distribuir produtos de artesanato regional pelo País, seja artesanato rústico, agrícola ou de sabores (tais como o grogue, o vinho, o ponche, doces, queijos), acabamos por distribuir outro tipo de produtos, tais como roupa, acessórios, instrumentos musicais, fotografias, dvd’s, cd’s e livros. A distribuição em Cabo verde é muito importante, pois sendo um país arquipelágico, não temos continuidade territorial que possibilite a rápida e fácil distribuição dos produtos produzidos nas várias ilhas”.

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Contudo, para o sucesso da iniciativa é preciso que haja mudança também ao nível da mentalidade dos artesãos nacionais. Partilhar informação, experiências e conhecimento é o objetivo do Fórum Nacional do Artesanato que já vai na sua segunda edição. Conforme diz o ministro, “além de se produzir muito bem, é preciso igualmente introduzir design, baixar preços, melhorar a qualidade dos produtos comercializados, a embalagem, a segurança e a sua conservação”. Estas têm sido as grandes linhas temáticas que, anualmente, durante o período de realização do Fórum Nacional do Artesanato, têm reunido artesãos provenientes de todas as ilhas do arquipélago. A aposta futura é a da melhoria da autoestima do artesão, do ambiente de negócios, e de como tornar o artesanato numa atividade geradora de rendimento. Diferenciar o artesanato nacional de outro qualquer produto produzido na região é também um dos objetivos do atual ministro. Para tal, foi criado o selo identificativo “Created in Cabo Verde” para o artesanato nacional. Tal como conta Mário Lúcio, “para o artesanato já encontrámos as soluções e já as começámos a implementar. Observado os vários expositores presentes no Segundo Fórum Nacional de Artesanato, é espantoso ver a evolução que a atividade registou de um ano para o outro. Os artesãos ganharam autoestima o que indicia bons sinais para o futuro do artesanato cabo-verdiano.”

Exportar a cultura nacional 

Criada há pouco menos de um ano, a BEMCV (Bureau de Exportação da Música de Cabo Verde) é um organismo do Ministério da Cultura que aposta na exportação musical e nos produtos culturais nacionais. No seu conceito de exportação estão três eixos essenciais: o turismo, a conquista de mercados internacionais e a diáspora. Conforme explica o ministro da Cultura, “estes três eixos foram identificados pelo seu enorme potencial de absorção da nossa cultura. Em relação ao primeiro eixo, encaramos o turismo como forma de exportação, pois cada turista que nos visita é um potencial exportador e não nos acarreta encargos. No que se refere aos mercados, além de participarmos em eventos internacionais de grande notoriedade, também temos a capacidade de os organizar cá, atraindo assim muita gente com poder de compra para os nossos produtos. Finalmente a diáspora com as semanas culturais, as festas de romaria – que se celebram em todas as comunidades cabo-verdianas e que atraem milhares de emigrantes às suas terras de origem – e a instalação de Casas da Cultura nas comunidades no exterior, fazem parte do nosso projeto de exportação da cultura. A comunidade cabo-verdiana no exterior é um pedaço de Cabo Verde que se exportou. Estamos ainda no início; são programas novos que levam algum tempo a dar frutos, mas o importante é que a nossa própria diáspora já nos recebeu e já abraçou as iniciativas”, refere.

Balanço do desempenho 

O grau de dificuldade de implementação dos vários projetos propostos foi elevado, no entanto, é com orgulho que Mário Lúcio diz que, “já foram inauguradas 14 salas da Rede Nacional de Salas de Espetáculos; para a Rede Nacional de Museus já temos espaços em construção, como por exemplo, o Museu Nacional da Pesca e vários outros museus municipais cujos levantamentos estão já a ser feitos; o Banco da Cultura já está a funcionar; o Fórum Cultural Nacional, o Fórum Nacional do Artesanato  e a Feira da Palavra, vão já na 2ª edição; estamos a criar mecanismos para garantir a sustentabilidade do Carnaval; a Direção Nacional das Artes também já foi aprovada pelo Conselho de Ministros; a Curadoria de Património Mundial para a Cidade Velha já foi instaurada; a Atlantic Music Expo, o mercado para a música, já está a funcionar; o protocolo com o Mindelact para a criação de um mercado para as artes dramáticas e representativas já foi assinado; a passagem do Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro para Biblioteca Nacional de Cabo Verde também já foi executada; o Instituto do Património Cultural irá assumir toda a gestão do património material do País; a candidatura da morna a património mundial também já foi lançada, enfim, temos tido muito trabalho – não temos nada pendente, o que é algo aliciante”, afirma.

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A cultura é, nos dias de hoje, um modelo de desenvolvimento económico tão ou mais importante que outros modelos baseados em atividades tradicionais. “A visão do Governo permitiu que a cultura cabo-verdiana entrasse na economia como modelo de desenvolvimento. Nos próximos anos a cultura irá sustentar enormemente o turismo. Será pela cultura que o turismo florescerá, pois o pilar do nosso desenvolvimento será a cultura, e não a areia, que é demasiado frágil! É essa a pedra filosófica em que acredito”, conclui.


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Comentários

  1. Bom dia. Eu gostaria de saber se o banco de cultura tem um site e se há dados numéricos relativamente a cultura cabovediana.

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