Maria R. Graça – “A igualdade de género é fundamental para o desenvolvimento e redução da pobreza”
31 Mai 2013

Maria R. Graça – “A igualdade de género é fundamental para o desenvolvimento e redução da pobreza”

Maria Graça

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Maria Graça é empresária e atual vice-presidente da R_MEA – Rede de Mulheres Empresárias e Profissionais da África, organismo internacional cujo objetivo central visa a promoção das mulheres como as grandes contribuintes para a economia dos países africanos, reconhecendo-lhes o seu importante papel como agentes de decisão. Maria Graça tem esperança que, a médio prazo, a igualdade de género seja uma realidade em toda a África contribuindo assim para o desenvolvimento e para a redução da pobreza no continente.

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Maria Graca

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Maria Graça é natural da Ilha do Sal. Aos nove anos, junto com os pais e os dez irmãos emigra para Portugal, onde faz os seus estudo académicos. Em 1988, através de um programa das Nações Unidas para o retorno de quadros aos seus países de origem, Maria Graça regressou a Cabo Verde iniciando a sua atividade profissional na função pública. Começou por trabalhar na Televisão Nacional, passando posteriormente por outros setores de atividade, tais como o ramo dos seguros, da alimentação e da aviação. Foi ainda diretora de gabinete do então ministro da educação dr. Leão Lopes. Em 2002, fruto da experiência profissional acumulada e em parceria com uma colega, resolveu abrir uma empresa de eventos – área inexistente e inovadora em Cabo Verde. Atualmente, a empresa conta já com treze colaboradores a tempo inteiro, uma delegação em São Vicente e uma representante na Ilha do Sal. É uma empresa sólida e sustentável, que se orgulha de prestar serviços reconhecidos pela qualidade e profissionalismo dos seus colaboradores.

Pelo seu percurso de vida, podemos ver que é uma mulher extremamente dinâmica, ativa e empreendedora. Como consegue conciliar a vida profissional com a familiar? 

Enquanto os meus filhos foram pequenos, foi um pouco complicado. Os filhos são sempre a parte mais difícil de gerir. Atualmente, como eles já estão crescidos, tenho outra disponibilidade para o trabalho, pois já não há horários rígidos a cumprir. Numa fase anterior ao atual projeto empresarial, ao nível familiar, talvez tenha perturbado mais, pois viajava muito o que acabou sempre por desgastar e criar alguma tensão no relacionamento. No entanto, com força de vontade, consegue-se ultrapassar todas as dificuldades.

Com o seu projeto empresarial, inicia uma fase diferente da sua vida: passa de funcionária a empreendedora numa área de negócio onde é necessária muita criatividade e disponibilidade. Este empenho e vontade de criar, acaba por a fazer associar-se a um projeto de fomento do empreendedorismo nas mulheres africanas. Como é que aderiu a este projeto associativo acabando mesmo por se tornar a sua vice-presidente? 

O facto de na minha família sermos onze irmãos – sete raparigas e quatro rapazes – fez com que eu nunca tivesse sentido discriminação por ser mulher. Mesmo quando estudei em Portugal e até no casamento, nunca senti qualquer tipo de discriminação de género. No entanto, quando eu comecei a ler a história e a aperceber-me do que se passa pelo mundo no que diz respeito à discriminação feminina, cheguei a duas conclusões: a primeira é que Cabo Verde é, efetivamente, um paraíso para as mulheres; a segunda conclusão é que, apesar do que se tem vindo a fazer a nível mundial para diminuir esta discriminação, há ainda muita coisa que precisa de ser implementada para um total e completo enquadramento das mulheres na nossa sociedade atual. Foi por estes motivos que me juntei a esta causa. Não posso ficar indiferente quando vejo que há mulheres com muitas capacidades e que, só pelo facto de serem mulheres, são discriminadas e colocadas à margem na sociedade. Quando se atinge um determinado tipo de patamar de desenvolvimento social, intelectual, financeiro e económico, acabamos por olhar para o que nos rodeia de outra forma e, de certa maneira, sentimos necessidade de contribuir para mudar o que achamos estar errado.

Essa discriminação não estará ligada a aspetos culturais da própria sociedade? 

A sociedade nunca retirou à mulher a sua enorme importância como garante do núcleo familiar. A mulher é que conseguiu fazer com que a sociedade a começasse a encarar de forma diferente. Está provado que, quanto mais investimento se fizer em educação, menos descriminação por género se regista nas sociedades ditas “tradicionais”.

A alteração nos comportamentos de emancipação não tem influenciado negativamente muitos dos comportamentos da juventude que, até há poucos anos, seriam reprovados e que, atualmente, são muitas vezes tolerados pela sociedade?

Não podemos analisar alguns comportamentos menos corretos por parte da sociedade como consequência da emancipação das mulheres. Há vários fatores que contribuem para alguns tipos de anormalidades que se registam nas sociedades contemporâneas. Há meios e recursos que hoje são considerados normais e que, há uns anos, eram impensáveis alcançar. Esta evolução está essencialmente relacionada com o desenvolvimento e não tanto com uma “ausência” das mulheres das funções que, por cultura e tradição, lhes eram exclusivamente delegadas.

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Maria Graça

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Qual tem sido a evolução de Cabo Verde e do papel do Estado no empoderamento das mulheres cabo-verdianas nos últimos anos? 

Neste processo de fomento do empreendedorismo feminino, o papel do Estado é fundamental, pois a política externa dá muita atenção e relevo a esta questão. As próprias instituições internacionais, tais como o Banco Mundial, o FMI entre outras, dão grande importância ao empoderamento das mulheres, pois a mulher assume um fator fundamental no desenvolvimento e fortalecimento de qualquer economia.

Aproveitando todo este ambiente favorável para o empoderamento das mulheres, é fundamental que nós, as mulheres, saibamos tirar partido desta oportunidade. Infelizmente, penso que muitas não estão a tirar proveito deste momento importantíssimo no desenvolvimento da sociedade atual. Inclusive o Governo de Cabo Verde está totalmente aberto a propostas. Como tal, penso que estão criadas as bases para que se apresentem, de forma coerente e fundamentada, propostas para as necessidades pelas quais lutamos.

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Há especificidades próprias do género que podem ser aproveitadas em prol do desenvolvimento global. É na identificação e na divulgação destas especificidades que as associações de mulheres devem assumir um papel essencial, fazendo com que os mecanismos já existentes levem a que haja uma maior participação das mulheres no desenvolvimento económico da sociedade, contribuindo desta forma para que haja uma maior interligação entre o empreendedorismo feminino e as instituições governamentais.

A atual crise mundial não poderá contribuir negativamente para a desaceleração desse empreendedorismo das mulheres? 

Penso que estamos num ponto de viragem. Trabalhámos muito, batalhámos muito e conseguimos alcançar um patamar considerável de desenvolvimento, no entanto, não nos podemos esquecer que o país é muito frágil. Por conversas que tenho tido com jovens empresários e pelo que tenho registado da comunicação social, o tratamento que se dá a algumas questões, incluindo algumas das políticas direcionadas ao empreendedorismo, preocupa-me, pois esquecemo-nos da nossa fragilidade económica. Damos muita importância às pequenas conquistas que, meritoriamente, temos vindo a alcançar, mas que não são suficientes para nos retirar dessa condição de fragilidade económica.

Se analisarmos o que se tem vindo a fazer ao nível estrutural – não apenas nas infraestruturas físicas do país, mas acima de tudo ao nível da arquitetura do pensamento coletivo – temos razões para nos preocuparmos, pois, em minha opinião, estamos a negligenciar a educação dos nossos jovens. Há, por exemplo, jovens economistas recém licenciados que não têm conhecimento sobre a macroeconomia do país. E quem fala em economia, fala de outras matérias fundamentais para o futuro do desenvolvimento de Cabo Verde. São esses jovens de vinte e poucos anos, mal preparados academicamente, que nos irão governar mais tarde, e isso deixa-me bastante apreensiva.

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Maria Graça

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Devido à proliferação de estabelecimentos de ensino superior que se tem registado nos últimos anos em Cabo Verde, há muitos mais jovens a licenciarem-se e a tentarem emprego no mercado de trabalho. O que se tem verificado é que o perfil de desemprego tem vindo a ser alterado em função dessas qualificações. É por isso necessário criar políticas que fomentem emprego, caso contrário poderemos vir a ter sérios problemas a médio prazo, e as mulheres podem ter um papel fundamental nesse processo.

No Fórum Mulheres Empresárias Africanas, realizado recentemente aqui em Cabo Verde, qual a mensagem que se pretendeu transmitir aos vários governos africanos? 

Essencialmente uma mensagem de que as mulheres africanas estão aptas a contribuir com o seu empreendedorismo e força de vontade para o desenvolvimento socioeconómico do continente africano, e essa mensagem foi integralmente transmitida, quer pelas mulheres provenientes de outros países, quer pelas muitas cabo-verdianas presentes no Fórum das Mulheres Empresárias Africanas.

Há uma convicção muito forte nas mulheres cabo-verdianas de que, efetivamente, podemos ser o veículo da mudança que se pretende para o continente africano. Se até há pouco tempo se dizia que em África não havia esperança e que era um continente para esquecer, a opinião geral mudou. Atualmente África é visto como o continente do futuro. É nisso que todas as mulheres têm que acreditar e é nisso que se têm de basear para desenvolver as suas capacidades empreendedoras que estão enraizadas nas mulheres africanas.

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Maria Graça

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Todas as mulheres africanas têm uma energia de vida extraordinária. São mulheres extremamente poderosas e com grande força de vontade, no entanto, ainda não conseguiram canalizar toda essa força e energia na mudança necessária à alteração da sua condição, acabando muitas delas por serem discriminadas por fatores culturais e ideológicos. É contra esta discriminação que se tem que lutar, aproveitando todo o potencial da mulher africana no desenvolvimento do continente. São mulheres que conseguem do pouco, fazer muito.

E neste cenário, qual é o papel do homem na “libertação” da mulher? 

Penso que é o que muitos governos têm estado a fazer, incluindo o Governo de Cabo Verde, que já tem políticas educacionais direcionadas para empoderar as mulheres. Acredito que a educação é a base para o desenvolvimento e no que diz respeito ao empoderamento das mulheres, ela torna-se o elemento diferenciador.

Acredito que se a educação em África fosse generalizada e as mulheres não fossem discriminadas no acesso ao ensino, obteríamos resultados de desenvolvimento muito mais elevados que os registados atualmente.

Quais as perspetivas futuras que tem para as mulheres empreendedoras cabo-verdianas, para Cabo Verde e para si como uma das impulsionadoras do empreendedorismo feminino? 

Penso que a mulher cabo-verdiana terá de tirar partido do país e do Governo que tem, pois efetivamente, em Cabo Verde não há discriminação de género. A mulher pode estudar, desenvolver as suas atividades económicas e tornar-se economicamente independente, sem que haja qualquer tipo de impedimento ou constrangimento. É algo fabuloso em África e que devia ser mais bem aproveitado pelas mulheres em Cabo Verde.

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Maria Graça

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Em relação à mulher africana, acredito que temos ainda muito trabalho pela frente. Um dos sonhos que alimento é que se consiga agilizar o intercâmbio económico entre vários países africanos, por forma a que se consiga incrementar o empreendedorismo no continente e em particular o empreendedorismo no feminino. Fico satisfeita com o facto do paradigma da diferença entre as mulheres africanas estar lentamente a mudar, começando a registar-se uma harmonização de pensamento coletivo, coisa que antigamente não existia, pois enquanto mulheres empresárias temos o dever de agilizar e contribuir para a integração das várias mulheres africanas numa economia coletiva de empreendedorismo.

Para Cabo Verde, gostaria de continuar a assistir ao seu desenvolvimento com o atual nível de organização existente. Por mais que se reconheçam falhas, temos de valorizar as nossas virtudes, e no cômputo geral, podemos afirmar que somos um país organizado e um povo determinado em alcançar o seu objetivo: desenvolver e melhorar a vida de todos os cabo-verdianos. A união do povo, independentemente da sua ilha de origem, fortalece-nos enquanto nação.

Ao nível pessoal, apenas ambiciono continuar a ter o discernimento, a força e a energia para continuar a trabalhar, dignificando a minha empresa, o meu país e todas as mulheres africanas.


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