Kim Alves — Promover a música de Cabo Verde
18 Ago 2016

Kim Alves — Promover a música de Cabo Verde

Joaquim Fernandes de Pina Alves, “Kim” Alves, nasceu há cinquenta anos na Achada de Santo António, no coração da cidade da Praia, em Santiago. Filho do conceituado violinista Djonsinho Alves, cedo se interessou pela magia que a música lhe transmitia. Aos cinco anos de idade já acompanhava o pai com o chocalho, os shakers e o pandeiro. A transição dos instrumentos de ritmo aos de cordas foi rápida. Em menos de um ano, o jovem Kim estava a tocar cavaquinho. Depois foi a viola de doze cordas, o violão e, por fim o violino. O gosto pela música e a paciência do pai em ensiná-lo viriam um dia a dar frutos. Kim Alves é atualmente um dos mais prestigiados produtores musicais de Cabo Verde.

 

Kim Alves

Em criança já tinha jeito para tocar todos os instrumentos que o pai, o violinista Djonsinho Alves, lhe colocava na mão para tocar. Começou, na secção rítmica, por acompanhar as músicas que o pai tocava, mas rapidamente se interessou pelos instrumentos de corda. Aprendeu a tocar cavaquinho, viola de doze cordas, violão e, por fim, violino. Então, junto com o pai e os irmãos Tó e Kaká, formaram a banda “Pai e filhos”, que reunia a aptidão musical da família Alves e que fazia as delícias dos vizinhos na Achada de Santo António.

 

Kim Alves

Como começou a carreira musical?

Com os meus irmãos Tó e Kaká. Juntos, integrámos o grupo musical Voz d’África, a que se seguiu o conjunto Zeca Santos e Abel Djassi. Por fim, ainda passei pelos míticos grupos musicais Tubarões e Finaçon.

De todos os grupos que fez parte, com qual se identificou mais?

Foram os Finaçon. Participámos em muitos festivais internacionais e tivemos a sorte de tocar com vários músicos e de diferentes culturas. Experimentei várias culturas e tive a sorte de encontrar entidades musicais do mundo inteiro: Holanda, França, Portugal e África. Por exemplo, adoro a cultura angolana e o semba. Quase todos os discos do Nanuto foram produzidos por mim e orquestrados por mim. Sempre fui muito ligado a Angola. O meu irmão João estava na tropa em Angola e ele mandava discos para Cabo Verde. Então, eu e os meus irmãos habitámo-nos a consumir música angolana desde 1975.

Kim Alves

Lembro-me de “Os Merengues”, um grupo musical angolano, ter cá vindo atuar no parque 5 de Julho. Foi nessa viagem que compuseram precisamente o tema “5 de Julho”. Nessa altura, eu ainda era criança, mas lembro-me como se fosse hoje… lembro-me dos rapazes estarem a dedilhar e a escrever aquela música. Nunca mais me esqueci, e ainda hoje, em todos os meus concertos, toco o “5 de Julho”.

O passo seguinte na sua carreira musical foi nos Estados Unidos da América. O que o levou a emigrar?

Essencialmente motivava-me aprender outras culturas, formas de trabalhar, e aprofundar os conhecimentos na área da produção e na engenharia de som. Para tal, emigrei para os Estados Unidos da América onde acabei por produzir imensos artistas, desde jamaicanos, haitianos, latino americanos e cabo-verdianos. Desses tempos, ficarão para sempre os sucessos de Chandinho Semedo, com o disco DOG, ou Calu Bana entre muitos outros

Depois dos Estados Unidos da América, regressou a Cabo verde e começou a afirmar-se no mercado nacional como um dos mais versáteis instrumentistas e produtor musical. Como foram esses primeiros tempos depois de regressar dos Estados Unidos da América?

Quando regressei a Cabo Verde, trazia comigo uma enorme experiência na área da produção musical, por isso, achei por bem começar a produzir artistas mais antigos que, apesar de conceituados e respeitados, não tinham ainda tido oportunidade para registar os seus trabalhos de forma mais profissional. Com eles aprendi a essência da música cabo-verdiana.

Kim Alves
Depois foi para Lisboa, trabalhar com artistas de outras latitudes. 

Sim, fiquei em Lisboa uns cinco ou seis anos. Trabalhei com o Roger, DJ Beleza, Morango Nordeste e quase todos os artistas guineenses que gravavam na Europa, tal como Justino Delgado, Manecas Costa, Rui Sangará, entre muitos outros. Experimentei os novos ritmos de Angola com Carlos Buriti e Gaby Moy e abri as portas para outros mercados até então desconhecidos para mim.

Até hoje, quantos discos já produziu?

Seguramente mais de 115 discos!

De todos os discos que já produziu, qual ou quais foram mais cativantes?

Os discos que são totalmente acústicos, pois têm de ser muito bem executados. O disco do Bana, que eu produzi, foi um disco que levou muito tempo. Tinha naipes de sopros e de violinos, que se não forem executados na perfeição, não funcionam. O disco do Dany Lobo, por exemplo, também levou orquestra e violinos. O disco do Nelo Carvalho também levou muito tempo a produzir, porque era muita gente para coordenar. Mas cada desafio superado é um desafio ganho e, como tal, é com orgulho que depois vejo o resultado final.

Kim Alves

Atualmente, passa o seu tempo entre o seu estúdio e as numerosas atuações que faz por todo o país e no estrangeiro. O que o levou a construir um estúdio de gravação em Cabo Verde?

A necessidade. Num país onde a música se assume como fazendo parte da identidade do povo, o facto de não haver um estúdio com qualidade para produzir os nossos artistas era uma falha grave e que acabava por inviabilizar a divulgação de grandes talentos que, entretanto, se perdiam. Resolvi que este cenário tinha que mudar e, como tal, com muito esforço, sem qualquer apoio institucional, montei o estúdio e colaboro com quem quer vir trabalhar comigo; dou o estúdio, dou os arranjos musicais e dou o master da gravação. Penso que posso dizer que, atualmente, sou o maior patrocinador da música cabo-verdiana.

Que figuras da música cabo-verdiana o inspiraram?

A Cesária Évora pela sua bondade e o Paulino Vieira pela genialidade. Ainda cheguei a tocar com a Cesária no início da sua carreira, quando ainda não tinha atingido a projeção internacional que viria, mais tarde, a alcançar. Quando conseguiu a sua independência financeira, ajudava toda a gente. Não é exagero afirmar que todos os dias havia mais de 15 pessoas à sua porta a pedir-lhe ajuda, e ela nunca se recusou a ajudar no que podia. O Paulino Vieira é outra das pessoas que muito admiro. Quando era miúdo, costumava dizer que, um dia mais tarde queria fazer o mesmo que ele: tocar vários instrumentos, gravar com toda a gente e fazer boas músicas.

A música de Cabo Verde é rica em estilos e ritmos. Contudo, tem-se notado nos últimos anos a tendência para muitos desses estilos estarem a cair no esquecimento. O mesmo se tem passado ao nível de alguns instrumentos musicais que estão a cair em desuso. O que é que tem feito para recuperar os ritmos e os instrumentos que estão nas raízes da música cabo-verdiana?

Gosto e estudei todos os ritmos de Cabo Verde. Todos têm as suas particularidades. O funaná, a morna, a coladeira, as várias variantes da bandeira — que ainda não foram todas bem exploradas — o choro, etc. Fico triste por se insistir em divulgar apenas dois ou três estilos. Por isso, sempre que posso, tento introduzir alguns desses ritmos menos divulgados nos meus trabalhos. O mesmo se passa ao nível de alguns dos instrumentos musicais que eram tradicionais em Cabo Verde e que, hoje em dia, quase ninguém os utiliza, tais como a viola de dez cordas, o bandolim ou o banjo. Insisto sempre em os tocar nas minhas produções e o certo é que as pessoas reagem muito bem a essas sonoridades mais antigas.

Kim Alves

Atualmente, no meu estúdio, tudo o que é “ligado” não entra. Todos os discos que estou a produzir têm que ser gravados com o microfone e ter o som acústico. Tem outro sabor… No estúdio aconselho a usar o microfone e o som natural do instrumento. Penso que é um regresso às origens.

Sendo Cabo Verde um país de grandes músicos, não é contraditório não haver escolas profissionais de música, capazes de formar mais artistas?

Quando regressei dos Estados Unidos, em 1998, trouxe a ambição de criar escolas e ensinar as pessoas. Acabei por desistir, pois apesar de o governo sempre me dizer que apoiava a iniciativa, o certo é que tal nunca aconteceu. Cheguei a sugerir o ensino obrigatório de música desde a primária até ao liceu. Estamos num país com talento e música podia ajudar a nossa economia, mas não há incentivos. Já investi muito neste estúdio e estou a ajudar no que posso, embora esse não seja o meu papel. Gostava que tivéssemos mais músico, mais artistas, mas para isso precisávamos de investir em escolas de formação artística, o que não acontece.

O Ministério da Cultura lançou recentemente o projeto “Banco da Cultura” cujo objetivo é financiar o surgimento de novos artistas e promover a divulgação de novos trabalhos. Será esta a solução para o desenvolvimento da indústria musical em Cabo Verde?

Têm aparecido pessoas a querer orçamentos para gravações para os entregarem no Banco da Cultura. Depois de as ouvir, fico com a sensação que há uma falta de informação grande sobre como funciona o Banco da Cultura. Muitas pessoas estão a pensar que gravam um disco com o dinheiro que o Banco da Cultura lhes dá e que termina a história! As pessoas têm de ser elucidadas e saber de antemão que o dinheiro financiado pelo Ministério da Cultura é-lhes emprestado. Algumas ainda não perceberam que esse dinheiro não lhes é dado; apenas e só lhes é emprestado e que, fruto do seu trabalho, terá que ser obrigatoriamente restituído.Depois têm que pensar no que vão fazer quando tiverem o disco gravado e editado. Em Cabo Verde há uma grande falha ao nível da divulgação e promoção. A parte promotora não existe. Há um ou dois promotores mas que apenas divulgam e promovem os seus trabalhos. Não fazem essa promoção para outros artistas. Só com a ajuda do Estado se pode alterar esta situação. Há pessoas formadas nesta área, mas sem dinheiro… nada funciona!

Kim Alves

Com todas essas dificuldades, é rentável ser músico em Cabo Verde?

É uma dificuldade enorme. Temos que gostar mesmo do que fazemos. Se não gostasse tanto de música, não teria vindo cá investir tanto dinheiro, pois é algo que quase não me trás retorno. Estou a cumprir a minha promessa: quando tinha 17 anos passava muito mal nas gravações e sempre disse que um dia, se conseguisse reunir fundos, faria um estúdio de gravação em Cabo Verde e ajudaria a promover a cultura do meu país.

E o que o motiva?

Promover a música do meu país. O resto terá de vir por acréscimo.

Como se vai chamar o seu próximo disco?

É a continuação do meu primeiro trabalho discográfico “Dança das Ilhas”. No primeiro disco gravei alguns dos ritmos de Cabo Verde. Agora vou gravar os que não couberam no primeiro volume. Ritmos de bandeira, tabanca entre muitos outros.

Que mensagem deixa aos músicos cabo-verdianos?

Que tenham fé, coragem e que nunca desistam de perseguir os seus sonhos. Um dia, se Deus quiser, a música cabo-verdiana vai chegar longe. É para isso que todos nós trabalhamos. <


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