22 Mai 2014
José Luís Santos – Transformar a Boa Vista na ilha que todos ambicionam.
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José Luís Santos é deputado do MpD eleito pelo ciclo eleitoral da Boa Vista. É um dos mais antigos deputados na Assembleia Nacional. Candidato à Câmara Municipal da Boa Vista em 2016, José Luís Santos revela-nos ao longo desta entrevista a sua visão estratégica para transformar a Boa Vista na ilha que todos ambicionam.
Natural da Ilha da Boa Vista, José Luís Santos cedo revelou interesse na vida político-partidária. Com apenas 16 anos de idade ingressou na JACCV (Juventude de Amílcar Cabral de Cabo Verde) e aí tomou o primeiro contacto com a causa pública. Formou-se em Ação Social e trabalhou durante oito anos como responsável de Promoção Social na Boa Vista. Em 1990, com a abertura política ao multipartidarismo, José Luís Santos posicionou-se a favor da democracia e do multipartidarismo, o que fez com que, em 1991, entrasse para o MpD – Movimento para Democracia onde, até 1996 foi o coordenador do partido na Boa Vista. Em 1996, ingressou na Assembleia Nacional como deputado pelo ciclo eleitoral da Boa Vista e, desde essa altura, tem vindo ininterruptamente a desempenhar as funções de deputado por aquele ciclo eleitoral. Está atualmente no seu quarto mandato e é um dos deputados mais antigos do parlamento.
Passados que estão 37 anos sobre a Independência Nacional, como vê a Boa Vista de hoje?
Tenho que começar por dizer que tenho uma paixão enorme pela minha ilha. Eu sou um apaixonado da Boa Vista. Há muitos anos dizia que a Boa Vista é a ilha mais bonita de Cabo Verde, e atualmente verifica-se que, além de ser a mais bonita é das ilhas com maior potencial de desenvolvimento deste país, sobretudo ao nível do potencial turístico balnear.
A Boa Vista tem potencialidades enormes, as quais algumas inclusive já começaram a ser exploradas com uma maior atenção pelos vários poderes públicos, desde o Governo Central ao Municipal. Nos próximos anos, a Boa Vista poderá tornar-se num importante contributo para o desenvolvimento nacional. Neste preciso momento, a ilha da Boa Vista já contribui com uma fatia considerável para o Produto Interno Bruto de Cabo Verde.
Em número de turistas que nos visita, a Boa Vista já ultrapassou o Sal e o mesmo se passa ao nível do número de aviões que voam diretamente do exterior. A Boa Vista tem tudo para dar certo, sobretudo se os dois poderes públicos, cada um ao seu nível, der o seu melhor, de forma desinteressada, pelo desenvolvimento da ilha. Sobretudo do ponto de vista do Poder Central é necessário ter a perceção que a Boa Vista não pode ser encarada apenas em função do número da sua população (é uma ilha com pouca população, cerca de 11 mil habitantes); é necessário encarar a Boa vista do ponto de vista das suas reais potencialidades, caso contrário, irão verificar-se situações como a que está a acorrer com o liceu público, o qual que já está na quarta fase de construção e ainda está longe de se poder considerar um verdadeiro liceu. Uma vez que o Poder Central considera que a população da ilha é reduzida, não anteveem o futuro e consideram não ser necessário projetar o desenvolvimento antevendo o crescimento natural que se irá registar. A Boa Vista é uma ilha extraordinária, com um potencial enorme, mas tem de começar a ser encarada e planificada com outras perspetivas.
Ao contextualizar a Boa Vista no âmbito nacional referiu o número reduzido da população residente. Face às suas potencialidades e ao seu atual peso no quadro do desenvolvimento nacional, quais as razões para se verificar tão reduzido número de habitantes e recomendações faria para alterar esta situação?
A população da Boa Vista é ainda reduzida porque está agora a dar os primeiros passos no desenvolvimento. Há cinco ou seis anos, a Boa Vista tinha 5 mil habitantes. A Boa Vista podia ter, hoje em dia, uma população residente muito maior. O que se verifica atualmente, é que grande parte da população é flutuante, ou seja, habitam em Boa Vista em função dos projetos que vão aparecendo. Se há um projeto de construção de um novo hotel, então, verifica-se um grande fluxo de pessoas que se deslocam das outras ilhas para a Boa Vista para trabalharem exclusivamente nesse projeto.
Porque é que as pessoas não ficam a residir na Boa Vista?
As pessoas não firmam residência na Boa Vista porque se deparam, logo à partida, com um conjunto de dificuldades que inviabiliza por completo a sua fixação – a começar na educação e a terminar na questão habitacional, que é atualmente um dos maiores problemas da Ilha.
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Quem consegue uma casa para alojamento tem que pagar uma renda mensal que não está dimensionada para a realidade do país. Atualmente, não se consegue um apartamento de tipologia T2 na Boa Vista por menos de 25 ou 30 contos mensais. Ora, uma pessoa que vai trabalhar numa obra, por exemplo, e cujo vencimento mensal ronda os 40 contos, não consegue pagar a renda do apartamento e, ao mesmo tempo, sustentar a sua família. É necessária uma política habitacional tanto da parte do Poder Local como Central. A Câmara Municipal da Boa Vista (da qual fui presidente da Assembleia Municipal durante dois mandatos) tem feito muito neste campo: tem sido construída habitação social e económica para as pessoas de mais baixas rendas, no entanto, o Governo Central só muito recentemente despertou para essa necessidade.
Sempre defendi que o Governo Central não deveria aprovar nenhum projeto de grande envergadura, como os grandes hotéis que temos na Boa Vista, sem uma vertente social habitacional, ou seja, só se deveria aproveitar a construção de um desses grandes hotéis se os donos estivessem disponíveis para construir habitações para fixar as pessoas que para lá fossem trabalhar. Temos o bairro da Boa Esperança como exemplo, que começou a surgir em 2000 fruto, precisamente, da inexistência de uma política habitacional adequada à realidade da ilha. Esse é um dos maiores problemas da Boa Vista. Do meu ponto de vista, a componente habitacional é a génese do desenvolvimento futuro Boa Vista.
Paralelamente a isso, existe o problema da especulação imobiliária. Sabendo que a Boa Vista tem carências ao nível habitacional, há muitas pessoas que constroem apenas para especulação imobiliária, e isso tem sido de facto um grande problema que dificulta o crescimento e a fixação da população na ilha.
Referiu que não aprovaria nenhum projeto hoteleiro de grandes dimensões se as partes interessadas não olhassem para a vertente social. Acha suficientes os incentivos e benefícios fiscais dados aos investidores e são eles, por si só, capazes de motivar o desenvolvimento de projetos de cariz social?
Penso que os operadores na Boa Vista já têm incentivos a mais! Os hotéis que têm sido construídos não pagam a pedra, não pagam a areia, não pagam a água e não pagam a brita que extraem para a sua construção. Não pagam nada! Tenho dito que a Boa Vista é um paraíso fiscal para esses operadores. Ao nível parlamentar tenho debatido muito para se regulamentar essa situação. Há cinco anos, enquanto era presidente da Assembleia Municipal, aprovou-se, sob proposta da Câmara Municipal, uma moção para fixação de preços na exploração dos inertes. Apesar de ter sido aprovada, sabíamos que não era uma competência exclusiva da Assembleia Municipal da Câmara Municipal. Contudo, como o Governo não tomava a iniciativa de regular a extração de inertes, tomámos essa diligência.
Não podemos aceitar ver a Boa Vista e o seu meio ambiente ser posto em causa sem a população da ilha ganhar algo em troca. Um operador quando vem para a Boa Vista com um projeto de construção de um hotel tem todos esses custos contemplados no seu orçamento. Eles sabem que têm que comprar pedra, areia e brita. Em toda a parte do mundo é assim! Mas, quando chegam a Cabo Verde, encontram a porta aberta à exploração de todos esses inertes. É um bónus inaceitável. Já bastam os consideráveis incentivos fiscais que Cabo Verde tem, de forma repetida, dado a esses projetos.
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Depois de se construírem os hotéis, as câmaras municipais, com o aumento de população flutuante, têm mais lixo para recolher e mais problemas sociais para resolver. É natural que as câmaras municipais tenham de ter mais receita para fazer face a esses novos problemas. Essa contribuição sobre a exploração dos inertes da ilha é um imposto municipal, das poucas receitas que as câmaras podem ganhar com o desenvolvimento turístico, pois todas as outras receitas vão para o Governo Central. Por isso, sempre defendi a regulamentação desta matéria, impondo regras e normas para que não estivéssemos constantemente de portas abertas, como terra de ninguém, onde se chega e se constrói à vontade, apanhando o que se quer, estragando estradas no transporte desses inertes para depois a Câmara Municipal consertar.
Quando aprovámos essa moção, o Governo Central desautorizou a Câmara Municipal alegando não ser competência da Câmara a resolução desse assunto. Tenho batalhado deste então em quase em todas as sessões parlamentares para a resolução desse problema, pois tal poderia ser uma grande fonte de receitas municipais para a Boa Vista. Até à data, todas as grandes construções na Boa Vista continuam a ser feitas sem se pagar nada pela extração de inertes.
Por isso sempre defendi que os grandes operadores deviam contemplar uma vertente social nos seus projetos comerciais. Se por um lado a Câmara Municipal poderia facilitar a recolha desses inertes, por outro lado os grandes operadores turísticos a operarem em Cabo Verde poderiam construir uma escola num povoado, uma praça na cidade, ou, o que me parece ser crucial, as casas – ainda que prefabricadas e temporárias – para operários que trabalham nos seus projetos. Depois de terminada a obra podiam-se retirar as casas. Foi por falta deste tipo de políticas sociais que surgiram as barracas na Boa Vista e que agora são uma calamidade social que tem de ser rapidamente resolvida.
O que é que a população ganha, em termos efetivos, pelo facto de acolherem esses grandes grupos hoteleiros?
Apenas as pessoas que são subcontratadas por esses operadores ganham alguma coisa. Neste momento, a ilha da Boa Vista é das que tem a menor taxa de desemprego a nível nacional, no entanto, não nos podemos enganar pois o emprego que existe é muito mal remunerado.
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E qual a segurança e o nível de proteção desses postos de trabalho?
Nenhuma, com tendência a ficar ainda pior. Com as alterações que se irão registar ao nível do regime laboral em Cabo Verde, para além dos baixos salários e das muitas horas de trabalho, as pessoas ainda se terão de confrontar com contratos de trabalho precários. O normal serão os contratos por um mês, renováveis em função do interesse do operador. Se alguma coisa correr mal, as pessoas passam a desempregados sem qualquer tipo de regalias. Em Cabo Verde não existe fundo de desemprego e, de um dia para o outro, as pessoas podem ver-se na situação de não terem recursos para sustentar as suas famílias.
Temos defendido a necessidade de se alterar esta situação. Apesar de ao nível internacional haver quem defenda a ideia de flexibilização laboral, ao nível da Cabo Verde e, sobretudo na Boa Vista, o argumento da competitividade que muitos defendem é totalmente descabido. A mão-de-obra da Boa Vista é residual pois não há muita gente, logo, não é possível argumentar-se com a competitividade. A competitividade só se aplica conde há muita gente qualificada à procura de trabalho. Ora, não é essa a situação que se verifica na Boa Vista, por isso, essa flexibilização que se pretende instituir irá apenas servir como veículo facilitado do despedimento.
Essa flexibilização não poderá ser um meio para promover a competência?
Poderia caso houvessem muitas pessoas qualificadas a concorrerem para os mesmos postos de trabalho. O problema aqui é precisamente o contrário: a pouca ou inexistente qualificação das pessoas faz com que não haja muita competitividade. Este não é um problema apenas da Boa Vista, mas sim um constrangimento com repercussões nacionais.
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Há mais de dez anos que a Câmara Municipal da Boa Vista tem um projeto para a construção de uma escola profissional e, por desinteresse do Governo Central, o projeto nunca avançou. Este é um projeto fundamental para o desenvolvimento socioeconómico das populações locais que deveria ser acarinhado por todos os intervenientes, no entanto, o Governo como parceiro e interessado, nunca deu uma resposta às inúmeras solicitações da Câmara Municipal. Os melhores empregos que existem na Boa Vista foram todos absorvidos por jovens de outras ilhas, onde existe mais possibilidades e condições para se formarem. Os eletricistas, os canalizadores, o pessoal formado em cozinha, etc. são pessoas que vieram de fora. Da Boa Vista são as camareiras, o pessoal de limpeza e as pessoas sem qualificação profissional que, jamais progredirão na carreira. Sem essa qualificação, penso que não pode haver competitividade.
No entanto, ao nível dos transportes, a Boa Vista está hoje mais próxima do mundo e o isolamento que se verificava há uns anos atrás faz, atualmente, parte do passado. Na sua opinião, em que é que esta melhoria tem contribuído para o efetivo desenvolvimento dos boavistenses?
A esse nível a Boa Vista teve um grande ganho nos últimos anos. Quem disser que o aeroporto internacional da Boa Vista não trouxe desenvolvimento à ilha, no meu ponto de vista, está a mentir. Antigamente, por exemplo, quem vinha de Portugal ou de outro ponto da Europa tinha que fazer escala no Sal e, só depois, podiam viajar para a Boa Vista. Demorava-se tanto na viagem do Sal para a Boa Vista, como de Portugal para o Sal. Hoje, depois de quatro ou cinco horas de viagem da Europa chega-se à Boa Vista. Para além dos turistas, há já muitos cabo-verdianos emigrados a aproveitarem esta oportunidade para passarem férias. É sem dúvida um grande ganho para Boa Vista e para o país em geral.
No entanto, também a este nível a visão do Governo foi limitada não conseguindo perspetivar o desenvolvimento futuro da Boa Vista. Antes das atuais instalações aeroportuárias da Boa Vista, o que existia era um aeródromo muito antigo, com todas as limitações inerentes a este tipo de instalações. Quando se decidiu estimular a oferta turística nacional, ficou evidente que se tinha de construir um novo aeroporto. Um estudo feito por técnicos alemães concluiu que existia um local, inclusive com acesso pelo mar e sem limitações geográficas e de relevo, ideal para a construção de um novo aeroporto, contudo, o Governo optou por simplesmente ampliar e adaptar o aeródromo existente. Na altura fui uma das vozes que se opôs a esta opção, pois previa que, a médio prazo, seria uma investimento infrutífero tendo em conta o que se perspetivava ao nível do desenvolvimento de oferta hoteleira.
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O aeroporto atual, que está paredes meias com o povoado do Rabil, já não serve o desenvolvimento futuro da Boa Vista. Ainda recentemente, um dos grandes operadores turísticos a operar em Cabo Verde, se mostrou na disposição de financiar a ampliação da pista e a respetiva iluminação, uma vez que com as atuais condições não conseguem fazer aterrar aviões de maior porte. Ao se ampliar mais um pouco a pista terão forçosamente que alterar as estruturas de apoio em terra, uma vez que o fluxo de passageiros aumentará significativamente. Não fosse a atual crise que se instalou na Europa e a Boa Vista já estaria a construir mais três grandes empreendimentos hoteleiros. Certamente que nessa altura o aeroporto deixa definitivamente de servir os interesses da ilha.
Apesar do atual aeroporto ter sido inaugurado há apenas seis anos, já se está atualmente a discutir a sua relocalização. Esta é uma prova da falta de planeamento e perspetiva que o Governo sempre coloca nos grandes projetos estruturais do país.
Apesar dos ganhos obtidos, há problemas de base que tardam em se resolver, nomeadamente ao nível do abastecimento de água e energia, principalmente às populações da ilha. Que soluções teria para resolver estas dificuldades?
Sempre dissemos que todos os investimentos feitos em Cabo Verde teriam que, em primeiro lugar, solucionar os problemas das populações e só depois os dos turistas. O abastecimento de água e de energia às populações é uma dessas prioridades. Há vários anos que o fornecimento de água e energia é um problema prioritário na Boa Vista. A solução passa forçosamente pela construção de uma Central Única de produção energética. Apesar de estar prometida, a sua construção tarda em se concretizar.
Na Boa Vista cada povoado tem a sua micro central de produção energética e que apenas operam seis horas por dia. Estas unidades, dispersas por toda a ilha, acarretam custos astronómicos à Câmara Municipal. Com a construção de uma Central Única, em vez das atuais seis horas de energia, as populações passariam a ter energia durante 24 sobre 24 horas. Há uma enorme diferença de qualidade de vida entre se ter energia de forma contínua e durante cinco ou seis horas: é a diferença entre se poder armazenar alimentos, por exemplo, ou ter que os consumir rapidamente por falta de meios para os preservar.
Com a construção da Central Única de abastecimento e com o consequente aumento de capacidade dos seus grupos geradores, também ficariam prevenidos os habituais apagões que frequentemente ocorrem na ilha. Há pessoas a defender outras soluções, mas eu penso que a construção da Central Única é a melhor solução para a Boa Vista e espero que se materialize o mais rápido possível.
Está a falar de investimentos intensivos de capitais. Cabo Verde tem liquidez suficiente para responder a todas estas necessidades dando solução aos problemas imediatos que todas as ilhas apresentam?
Para todos os problemas não! Cabo Verde tem feito, nos últimos anos e com os sucessivos governos, um enorme esforço para dotar o país de condições favoráveis ao seu desenvolvimento. Temos tido ganhos evidentes e palpáveis, como tal, devemos continuar esse bom caminho, criando as condições para que, pelo menos ao nível de necessidades básicas – água, energia, educação – Cabo Verde mantenha as taxas de desenvolvimento que temos vindo a alcançar. No entanto, há áreas onde são necessários fortes investimentos para que, a médio prazo, se possam economizar recursos fundamentais os quais poderão ser aplicados noutras áreas fundamentais ao nosso desenvolvimento.
Um dos exemplos do sucesso deste tipo de políticas foi a criação de universidades em Cabo Verde. Fruto deste investimento, houve uma drástica redução de recursos que, todos os anos, o país despendia na formação de jovens noutros países. Atualmente, os jovens já não têm necessidade de sair de Cabo Verde para se formarem e o país, a esse nível, tem economizado muito. Creio que Cabo Verde tem dado sinais de saber gerir os poucos recursos financeiros que tem à sua disposição e tem conseguido resolver os problemas fundamentais do país.
A economia de Cabo Verde está assente essencialmente no turismo. É um risco calculado fazerem-se tantos investimentos num único setor da economia, ou não seria melhor diversifica-los por outros setores, apesar de menos promissores?
Penso que o governo tem feito o que tem sido mais fácil. O turismo é o setor que mais contribui para a balança de pagamentos deste país e é aquele onde se tem mostrado mais fácil algum dinheiro. No entanto, e apesar da dimensão que o setor atinge em Cabo Verde, o Governo tem deixado serem os privados a ditar as regras. Cabo Verde não participa nos grandes certames da promoção do turismo a nível europeu (ainda recentemente na Alemanha, Cabo Verde não se fez representar). São os operadores privados que têm feito o papel do Governo. O aumento do fluxo turístico para Cabo Verde tem sido feito essencialmente à custa da iniciativa privada.
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Naturalmente que nenhum país se consegue desenvolver com um apenas um produto. Estou em crer que se alguns destinos do Magrebe estabilizarem politicamente (Argélia, Tunísia, etc.) haverá uma baixa considerável do fluxo turístico para Cabo Verde. O crescimento turístico registado nos últimos anos em Cabo Verde aconteceu graças à desgraça de outros destinos tradicionais.
Em vez de tomarmos medidas para promover o setor turístico, nós despromovemos! O que está a acontecer nesses países para revitalizarem o setor? Isentam a taxa turística, suprimem os vistos turísticos, tendem a pagar metade dos voos charters que levam os turistas, etc. Nós, por outro lado, criámos a taxa turística, aumentámos a taxa dos vistos e taxamos todos os aviões que aterram no nosso território. Tivemos a sorte de aproveitar um grande nicho de mercado de turistas que não puderam chegar a esses destinos e, por isso, vieram para Cabo Verde. Certamente que, com a retoma económica desses países e com a sua inevitável estabilização política, o nosso turismo vai cair a pique pois não somos competitivos. Há países que a duas horas de voo da Europa oferecem um produto melhor que o nosso. Nós, estamos a cinco horas de voo, com problemas de estradas cortadas, com o problema da taxa turística, com o problema do aumento da taxa de visto, com o problema da insegurança em que os turistas são assaltados diariamente nas ruas, nas praias e são assediados pelos comerciantes que vêm da costa de África, etc. Nós não conseguimos competir com nenhum desses países que referi.
A solução é a diversificação do produto. Nenhum país se pode desenvolver com um produto só, sobretudo quando nós sabemos que temos boas praias mas isso consegue-se noutros locais a menos distância. Por isso, temos que melhorar aquilo em que podemos ser competitivos e diversificar a nossa oferta, caso contrário, podemos correr o risco de começar a ver hotéis a fechar e a deslocalizarem-se para outros destinos.
Estarão os cabo-verdianos estão a tirar o melhor proveito desta boa fase que o turismo nacional atravessa?
Penso que não. Cabo Verde, e a Boa Vista em particular, não têm ganho muito com o turismo. Todos os dias temos vários aviões a chegar no aeroporto. Os turistas entram nos autocarros dos hotéis, vão para os hotéis, almoçam e jantam nos hotéis e, passado uma semana, voltam a entrar nos mesmos autocarros, vão para o aeroporto e apanham os aviões que os levam de volta para os seus países! O que é que nós ganhamos? Tirando uns parcos empregos precários mal remunerados e algumas taxas, não ganhamos absolutamente nada.
Não haverá também alguma inércia e falta de empreendedorismo por parte dos operadores nacionais capaz de os fazer perder algumas oportunidades?
Talvez haja alguma inércia, mas temos de analisar friamente o que se passa no mercado. Logo que o turismo se começou a desenvolver na Boa Vista, conheci um grupo de jovens que tiveram a ideia de comprar algumas carrinhas de cabine dupla para fazerem viagens turísticas à volta da ilha e assim aproveitarem a oportunidade que o setor lhes apresentava. Conseguiram crédito bancário, montaram o negócio e iniciaram a atividade. O que está a acontecer neste momento? O Governo permitiu que os próprios hotéis criassem internamente as suas frotas de carrinhas para serem eles mesmos a prestar esse serviço aos turistas. Algum setor ou alguma área de negócio tem de ficar reservada aos nacionais. Tem de haver proteção a quem fomenta o empreendedorismo.
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Que mensagem deixa à população da Boa Vista?
Sobretudo, uma mensagem de esperança. Acredito muito na minha ilha. Não há ilha igual à Boa Vista. É a ilha com o maior potencial de desenvolvimento turístico de Cabo Verde, é a terceira em dimensão e é uma ilha de gente boa, apesar de os boavistenses começarem a ser a minoria na Boa Vista.
Há um conjunto de problemas, nomeadamente o fenómeno das barracas. No entanto, são as pessoas que estão a viver nas barracas que construíram e que continuam a construir a Boa Vista, pois é ali, nas barracas, que se encontra a mão-de-obra ativa da Boa Vista. Temos que ter grande apreço pelas pessoas que vivem nas barracas e que querem continuar a morar na Boa Vista. Temos que criar condições dignas para que consigam continuar a dar o melhor de si mesmas em prol desenvolvimento da Boa Vista.
A minha mensagem é também de confiança numa Boa Vista melhor, mas também de alerta aos diversos poderes públicos, para assumirem efetivamente as suas responsabilidades. O Estado e o Poder Local têm que criar condições para que os turistas ou os nacionais que visitem a Boa Vista se sintam bem e vejam na ilha um potencial, capaz de incentivar o investimento privado, retribuindo-lhes em troca um efetivo retorno sustentado desse investimento.
É necessária uma visão e uma postura diferentes para a Boa Vista, quer ao nível do Poder Central quer do Poder Local, pois só poderemos transformar a Boa Vista na ilha que todos ambicionamos.
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