30 Mai 2013
José Luís Cuevas – Cabo Verde como porta para outros mercados
Há três meses à frente da gestão do Hotel Meliã Tortuga Beach, José Luís Cuevas é um homem confiante no futuro do desenvolvimento turístico na Ilha do Sal. Nesta entrevista, José Luís Cuevas faz uma análise da atual atividade hoteleira na ilha e dá-nos a conhecer as suas perspetivas de desenvolvimento.
[su_spacer]José Luís Cuevas é natural do norte de Espanha, mas foi nas Canárias que se firmou como gerente hoteleiro de excelência. Ligado ao setor hoteleiro desde 1982, José Luís Cuevas é o atual diretor geral do Meliã Tortuga Beach, uma unidade hoteleira de cinco estrelas, referência na Ilha do Sal.
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Qual a motivação que o levou a aceitar trabalhar no mercado de Cabo Verde?
Sempre tive vontade de conhecer Cabo Verde. Dadas as minhas responsabilidades profissionais, nunca o consegui fazer, nem mesmo para tirar umas curtas férias. Contudo, como o Grupo Meliã tem em curso um projeto muito grande na Ilha do Sal – onde além do Meliã Tortuga Beach tem em fase de construção a unidade Meliã Dunas com mil e duzentos quartos e que abrirá no próximo ano, seguida da abertura em 2015, também na Ilha do Sal, do Meliã Lanas, com mais de 600 quartos e do Meliã White Sands, na Ilha da Boa Vista, com 800 quartos – conjugou-se a necessidade com a oportunidade e eu fui o escolhido para a direção geral do Meliã Tortuga Beach.
Quais as principais nacionalidades dos clientes que frequentam o Meliã Tortuga Beach?
Depende um pouco da época. Na sua maioria, diria que uns 70% são britânicos, escandinavos, alemães e franceses que frequentam o Sal na época alta, que é no inverno. No verão, temos mais turistas espanhóis e portugueses.
Para manter uma unidade hoteleira como a vossa em pleno funcionamento são necessários muitos colaboradores. Quantos trabalhadores tem atualmente o hotel Meliã Tortuga Beach?
Sim, de facto uma estrutura como a que temos atualmente no Sal exige uma vasta equipa. Atualmente contamos com uma equipa de 260 profissionais, dos quais 96% são de nacionalidade cabo-verdiana provenientes de todas as ilhas do arquipélago.
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Tendo em conta que somos uma cadeia internacional, somos pioneiros no que diz respeito à promoção do nosso próprio pessoal, o que quer dizer que, para chefes dos vários departamentos, não vamos buscar pessoal a Espanha, à Alemanha ou Inglaterra; promovemos o nosso próprio pessoal interno – que neste caso são cabo-verdianos. – Atualmente, a nossa governanta, o chefe de manutenção, o primeiro chefe de bar e o chefe de receção são cabo-verdianos.
Normalmente, muitas empresas internacionais não permitem que o pessoal local suba na hierarquia das organizações. No Grupo Meliã Hotels International é precisamente o contrário: queremos promover e ajudar os empregados cabo-verdianos a crescer, enriquecendo-os e formando-os para chegarem a chefes dos vários departamentos e, quem sabe, virem mesmo a atingir a posição de diretores das nossas unidades hoteleiras em Cabo Verde.
Qual a idade média dos funcionários do Meliã Tortuga?
A média de idades nesta unidade hoteleira situa-se entre os 24 e os 35 anos, o que quer dizer que é pessoal todo muito jovem. No entanto, são muitos respeitosos, agradáveis no trato com os clientes, sorridentes e simpáticos, mas, principalmente, são todos eles muito trabalhadores, o que os faz merecer um grande respeito por parte da direção e administração do Grupo Meliã Hotels Internactional.
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Que perspetivas tem o Grupo Meliã quanto ao futuro do turismo em Cabo Verde e em particular na Ilha do Sal?
A abertura destes novos empreendimentos hoteleiros do Grupo é bem elucidativo do otimismo com que encaramos o futuro da atividade em Cabo Verde. Estamos a tentar abrir mercados que atualmente estão fechados ao destino Cabo Verde, nomeadamente o mercado Russo, o mercado Africano – que tem um grande potencial e que está completamente inexplorado, tal como Angola, Nigéria, Moçambique – e o próprio mercado cabo-verdiano, que é necessário ser trabalhado, para que as pessoas de São Vicente, da Boa Vista, do Fogo, de Santiago, etc., vejam a Ilha do Sal como um destino privilegiado para as suas férias e momentos de lazer.
Apesar de ser extremamente difícil de entrar, há ainda um mercado que temos vindo a trabalhar: o mercado chinês. O grande problema que enfrentamos na conquista destes nichos de clientes é sempre a ausência de voos com ligações diretas entre os países de origem dos turistas e o Sal. Para o destino Sal ser atrativo, os voos que trazem os turistas não podem fazer muitas escalas e todos estes mercados estão condicionados a que os clientes tenham que fazer pelo menos uma escala em Lisboa.
Partilha da opinião que o turismo praticado em Cabo Verde é mais dispendioso que em outros destinos semelhantes?
Se nos compararmos ao turismo praticado na República Dominicana e Cuba, então podemos considerar que o turismo cabo-verdiano é um turismo caro. O grande problema são os voos e a falta de ligações aos países emissores de turistas. Se houvessem mais ligações diretamente a partir do Sal, como, por exemplo, a Madrid e a Roma sem termos que passar pela Boa Vista ou pela Praia, tornava os custos dos bilhetes de avião muito mais baratos, os quais, globalmente, representam um peso grande no pacote de férias que o cliente paga.Essa é, essencialmente, a razão para o destino Cabo Verde ser considerado um destino dispendioso, pois ao nível de alojamento e tendo em conta os serviços que oferecemos, acho que os preços são bastante competitivos. Temos que ter em consideração que o Meliã Tortuga é um hotel cinco estrelas, com tudo incluído, com três restaurantes a servir à carta e um restaurante bufete que, tendo em conta a nossa localização geográfica e a dificuldade que existe, em tempo útil, em colocar cá os abastecimentos, tem uma oferta extremamente ampla.
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Há algum tipo de acordo entre os vários operadores para uma nivelação dos preços praticados?
Não há, nem nunca será possível haver. Cada operador obviamente que luta por conseguir os melhores preços. Dependendo do tipo de mercado e do segmento que opera (britânico, alemão, italiano, etc.) poderão ter preços similares, mas nunca iguais. Não pode haver um preço linear entre os vários operadores pois uns operam em mercados onde são necessários voos mais prolongados para fazer chegar os turistas até cá, outros oferecem níveis de serviço um pouco mais elevados e tudo isso dificulta a linearidade dos preços.
Os grandes problemas da Ilha do Sal são a escassez de recursos hídricos e as deficiências ao nível do abastecimento elétrico. Qual o impacto destas duas situações na atividade hoteleira da ilha?
Essas limitações também contribuem para os preços elevados praticados por todas as unidades hoteleiras a operarem na ilha. O preço da energia e da água é extremamente elevado e consequentemente isso reflete-se nos preços.
O futuro de Cabo Verde tem forçosamente que passar pelas energias renováveis. Há já projetos em curso para o Sal que apontam para que, dentro de dois anos o abastecimento energético à ilha seja 100% proveniente de energias renováveis. Isso seria extraordinário para a competitividade do Sal face a outros destinos.
O facto de haver um monopólio, quer no fornecimento de eletricidade, quer no abastecimento de água, também é prejudicial à competitividade pois faz com que os preços não diminuam em função da oferta.
Que percentagem representam nos custos operacionais do Meliã Tortuga Beach a água e eletricidade?
Depende da época, pois varia em função da taxa de ocupação do hotel, mas em média posso dizer que representam cerca de 90% da nossa estrutura de custos, o que é uma barbaridade!
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Depois há todos os custos logísticos, que também são muito elevados – desde as taxas alfandegárias, passando pelos custos dos despachantes e de armazenamento das mercadorias.
Todos esses constrangimentos que atualmente existem não enfraquecem a competitividade de Cabo Verde quando comparada à de outros destinos concorrenciais aqui perto, nomeadamente as Canárias?
Cabo Verde está em crescimento, ao contrário das Canárias que estabilizou estando mesmo em alguns locais em declínio. Há trinta anos, as Canárias tinham os mesmos problemas que Cabo Verde enfrenta hoje. As linhas aéreas internas funcionavam muito mal com grandes problemas nos voos entre as ilhas. Tal como acontece atualmente em Cabo Verde, também as infraestruturas não eram as desejáveis para um destino que pretendia competir internacionalmente no dinâmico mundo do turismo, no entanto, pouco a pouco, com a abertura de mais hotéis, mais estabelecimentos comerciais e de restauração atingiu-se os objetivos.
O mesmo processo está, hoje em dia, a acontecer em Cabo Verde, nomeadamente na Ilha do Sal. Apesar de ser a ilha com maior quantidade de unidades hoteleiras turísticas de Cabo Verde – e com os novos projetos turísticos que irão a curto prazo ser implementados irá continuar a ser a ilha turística por excelência de Cabo Verde – falta-lhe ainda a presença de mais voos diretos regulares, capazes de atrair mais turistas.
E Cabo Verde já pode ser considerado alternativa?
Sim, pode, no entanto é uma alternativa que se revela mais cara. O grande problema coloca-se sempre ao nível das ligações aéreas, que para Cabo Verde, e de uma forma geral para os mercados que nos visitam, não são diretas o que torna o destino mais caro. Apesar das Canárias ter um preço ligeiramente mais elevado na hospedagem, como tem muitos voos diretos, o preço dos bilhetes diminui consideravelmente, o que torna o destino mais barato comparativamente ao Sal. No entanto, e como as infraestruturas em Cabo Verde estão a ser desenvolvidas e melhoradas, existem cada vez mais unidades hoteleiras em operação, logo acho que a questão dos voos terá que forçosamente e face à demanda do mercado, ser também ela atualizada. Como tal, penso que dentro de dez a quinze anos Cabo Verde poderá mesmo superar as Canárias como alternativa turística em função do preço/qualidade.
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Outro dos fatores que condiciona o desenvolvimento da atividade é o grande incremento de impostos que se está a registar em Cabo Verde. Passar de 6% para 15% foi uma mudança muito violenta. Para se ter uma ideia, nas Canárias, há cerca de seis meses, passou-se de 5% para 7% e criou-se um grande problema. No caso de Cabo Verde, aumentar nove pontos percentuais de uma só vez, penso que seja um pouco exagerado com consequências negativas para o desenvolvimento da atividade. Também a nova taxa de dois euros diários que se pretende cobrar para todos os turistas com mais de 16 anos, também não ajuda à competitividade.
As associações de operadores turísticos que operam em Cabo Verde assumem algum papel relevante na regulação da atividade e na reivindicação de melhorias para o funcionamento do setor?
Têm um papel fundamental uma vez que só com a união de todos os operadores em torno de uma mesma causa as suas reivindicações poderão fazer-se ouvir. Esta união não é apenas ao nível das unidades hoteleiras; há também os restaurantes, os táxis e todas as pessoas que fazem parte da cadeia de negócios ligada ao setor do turismo.
Através da Câmara do Turismo, todos os intervenientes poderão fazer chegar ao Governo as diversas problemáticas distintas que condicionam o desenvolvimento da atividade turística aqui na Ilha do Sal. No entanto, apesar das associações estarem formadas e a operarem, ainda não têm o peso que deveriam ter na veiculação dos problemas que afetam o setor.
Uma das críticas frequentemente apontada aos operadores turísticos e hoteleiros que operam em Cabo Verde é que, usufruem do sol, das praias, trazem os clientes, mas não deixam mais-valias para o país. O que acha desta opinião?
Penso que é uma ideia errada. O facto dos operadores terem investido, pagarem impostos, trazerem clientes que pagam as taxas dos vistos de entrada, os aviões que os transportam pagam a entrada em espaço aéreo cabo-verdiano e as operações de handling em terra, etc., tudo somado é um contributo fundamental para a balança da economia nacional.
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O facto do modelo “all inclusive” praticado por muitos dos hotéis também não será um entrave ao crescimento da economia local?
Não, pois quando se está num continente distinto, como é o caso da grande maioria dos turistas que frequentam a Ilha do Sal, há tendência para quererem conhecer o meio que as rodeia, e isso é bom para o desenvolvimento da economia local. Se muitos dos hotéis não optassem pelo sistema “all inclusive”, uma grande maioria desses turistas não vinha a Cabo Verde.
Há, contudo, que fomentar a oferta de atividades fora dos hotéis, capazes de cativar os turistas a sair, contribuindo assim para o crescimento económico da população local.
Os turistas que frequentam o hotel Meliã Tortuga Beach, mostram interesse em visitar e conhecer as outras ilhas do arquipélago, as suas gentes e cultura?
Sim, mostram interesse, no entanto, voltamos ao problema inicial, que é a exígua infraestrutura aérea existente no país capaz de responder de forma eficaz às necessidades dos turistas que nos visitam, nomeadamente em termos de voos e horários alargados nas viagens entre as várias ilhas do arquipélago. Se os turistas não têm a certeza de horários de voos internos, optam quase sempre por não arriscar e limitam-se a ficar na Ilha do Sal.
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Quais as perspetivas para o futuro do Grupo Meliã em Cabo Verde?
A minha presença coincide com a abertura do Meliã Lanas e Meliã Dunas. Com estas unidades em funcionamento, o Meliã Hotels International será o maior grupo hoteleiro a operar em Cabo Verde com um total de 3 mil quartos. Por isso, as perspetivas para os próximos anos são muito boas, no entanto, sempre com o pés bem assentes no chão, pois não sabemos se, eventualmente, pode surgir mais um imposto ou uma taxa com a qual não contamos e que coloque em questão toda a nossa estratégia.
Contudo, estes investimentos são para ser rentáveis a longo prazo. É impossível pensar que, projetos como o nosso, sejam rentáveis num curto ou médio prazo. É preciso trabalhar muito para ir amortizando os investimentos aqui realizados.