11 Mai 2014
João Serra – SDTIBM: O motor do atual investimento turístico em Cabo Verde
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João António Pinto Coelho Serra é economista. Natural de Santiago, o atual presidente do conselho de administração da SDTIBM – Sociedade de Desenvolvimento Turístico das Ilhas da Boa Vista e Maio já exerceu, ao longo da sua carreira profissional, vários cargos públicos, incluindo a pasta do Ministério das Finanças e da Administração Pública. Um homem experiente que, em final de mandato, faz-nos um balanço da evolução e da atual situação da SDTIBM.
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A Sociedade de Desenvolvimento Turístico das Ilhas da Boa Vista e Maio (SDTIBM) foi criada em junho de 2005 pelo Governo de Cabo Verde em parceria com os municípios da Boa Vista e do Maio. Trata-se de uma sociedade anónima constituída exclusivamente por capitais públicos e cujos objetivos se centram no planeamento físico, na gestão e administração das Zonas Turísticas Especiais (ZTE) com vista à promoção e ao desenvolvimento do turismo.
O que esteve na base da criação da SDTIBM e quais as áreas em que a mesma intervém?
A criação da SDTIBM deveu-se um pouco à experiência inicial que tivemos com o desenvolvimento turístico aqui em Cabo Verde, particularmente na ilha do Sal, em que o seu desenvolvimento se deu de forma espontânea e um pouco anárquica. Esse tipo de desenvolvimento, do ponto de vista da sustentabilidade e da preservação do meio ambiente, não é o mais adequado, de forma que os poderes públicos acharam por bem criar uma instituição diferente, com outros instrumentos de gestão, fora do âmbito da administração pública, capaz de proceder a um desenvolvimento acelerado do turismo das ilhas da Boa Vista e do Maio – atualmente, as ilhas que apresentam as maiores potencialidades em termos de desenvolvimento deste setor da nossa economia. Contudo, apesar de se procurar um progresso rápido, um dos principais objetivos da SDTIBM é promover esse desenvolvimento de forma planeada e integrada com os serviços que suportam as infraestruturas turísticas, nomeadamente os hotéis e imobiliárias, não esquecendo a preservação ambiental.
Outra componente que veio para as competências da SDTIBM foi a compatibilização do desenvolvimento turístico das ZDTI (Zonas de Desenvolvimento Turístico Integral), que são áreas que, por possuírem excelentes condições geográficas e valores paisagísticos, têm especial aptidão para o turismo e são declaradas como tais pelo Governo. Mediante protocolos que assinámos com os dois municípios, temos também algo a dizer em termos de infraestruturação das ilhas, para que esse desenvolvimento esteja em consonância com as necessidades e a natureza do desenvolvimento turístico pretendido.
Iniciámos, em 2007, o processo dos Planos de Ordenamento Turístico, que é algo de inovador em Cabo Verde. Os Planos de Ordenamento Turístico (POT) são instrumentos estratégicos que definem a política de ocupação dos solos afetos ao desenvolvimento turístico; determinam as infraestruturas turísticas de acompanhamento que vão ser criadas, – como a rede viária, as telecomunicações, energia, água, saneamento – e determinam as zonas que, devido ao impacto ambiental suscitado, não podem ser usadas para o desenvolvimento de empreendimentos turísticos. Esses planos de ordenamento são importantes uma vez que disciplinam o desenvolvimento e dão previsibilidade aos investidores. Temos o POT de ambas as ilhas concluído, assim como a identificação das necessidades de infraestruturas ao nível dos serviços básicos.
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O plano de desenvolvimento inicialmente traçado, está a correr conforme previsto?
Não, nem tudo está a correr como previsto porque, a conclusão da elaboração desses instrumentos, que do ponto de vista técnico são muito complexos, coincidiu com o eclodir da crise mundial que está fortemente a afetar o sector imobiliário e turístico. Se dantes havia pressão dos terrenos compreendidos nas chamadas ZDTI das ilhas da Boa Vista e Maio para efeitos de instalação, agora essa procura é muito mais escassa. Não obstante, a Boa Vista está em contraciclo à tendência mundial. Desde 2007, esta ilha teve um aumento de mais de 300% ao nível da capacidade hoteleira. Passámos de 600 quartos para 3 mil, o que é uma boa evolução. Por outro lado, a ilha da Boa Vista que, dantes quase não recebia turistas, passou a ser o principal destino turístico em Cabo Verde. Atualmente, a Boa Vista recebe cerca de 40% dos turistas que visitam o país (o Sal ronda os 30%). Um outro indicador importante do interesse da ilha é a taxa de ocupação das unidades instaladas que ultrapassa em média os 80% nos últimos três anos (o Sal, nos últimos três anos, não ultrapassa os 56%).
Dois dos projetos já negociados irão trazer uma nova dinâmica ao turismo da Boa Vista. Perspetivamos para os próximos três a quatro anos a construção de mais 2 mil quartos numa ilha que tem, atualmente, cerca de 3 mil. É uma evolução interessante e que trás consigo muitos postos de trabalho diretos e indiretos, permitindo aumentar significativamente o fluxo de turistas à Boa Vista com todos os efeitos que tal induz na economia da ilha e do país.
Infelizmente não temos a mesma dinâmica na ilha do Maio. É uma ilha com muitas dificuldades e não tem as mesmas condições que têm a Boa Vista. Falta um bom porto para atracar barcos modernos de passageiros e o aeroporto é doméstico e irregular. Estamos a trabalhar, a sensibilizar e a “pressionar” os poderes públicos para resolverem estes problemas de fundo que já saem do âmbito da intervenção da SDTIBM. Podemos, através de estudos e diagnósticos propor medidas, tais como a adaptação do porto, a transformação do atual aeroporto doméstico em aeroporto internacional, mas não temos competências nem meios financeiros para executarmos essas intervenções de forma direta. Enquanto se mantiverem estes problemas ao nível das infraestruturas, não há grandes perspetivas para o desenvolvimento turístico da ilha do Maio.
Estamos a falar de projetos que envolvem um investimento de capital muito elevado. Quais os modelos encontrados para que estes investimentos sejam suficientemente mobilizadores na captação de recursos financeiros e que modelos de parcerias ou acordos foram, ou serão, firmados para a alavancagem destes projetos, que também envolvem o interesse do Estado?
A intenção dos poderes públicos em criarem a SDTIBM teve precisamente como objetivo a criação de uma instituição um pouco “desobrigada” das regras rígidas da função pública. Para o efeito, temos atualmente cerca de 7 mil hectares de terrenos para desenvolvimento de projetos turísticos nas chamadas ZDTI nas ilhas da Boa Vista e Maio. É com base nesses recursos que negociamos com os diversos investidores interessados.
Temos dois tipos de investidores: os que querem terrenos para desenvolver os seus projetos turísticos e os que pretendem criar parcerias, através da utilização de capitais próprios, para a infraestruturação desses terrenos por conta de uma contrapartida na venda desses terrenos a potenciais investidores interessados.
A filosofia é o desenvolvimento turístico integrado. Temos parcerias para o abastecimento de energia, água e saneamento o que nos permitiu investir fortemente na construção das principais redes viárias na Boa Vista. O modelo de negócio adotado pretende, basicamente, não sobrecarregar os recursos do Estado, que são escassos.
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Que garantias são dadas aos investidores externos e que benefícios e incentivos existem e que podem contribuir como fator de atração ao investimento?
Podemos falar de dois tipos de incentivos: incentivo ao nível da SDTIBM, que quando negoceia os terrenos sobre os quais vão ser construídos os empreendimentos leva em consideração a natureza do empreendimento e a sua importância, e os incentivos legais que são da competência do Estado.
Até 2012 tínhamos uma situação privilegiada ao nível dos incentivos fiscais e outros que o Estado achava por bem a quem pretendia fazer investimentos em Cabo Verde. Já a partir de 2012, com o Orçamento de Estado para 2013 e fruto da difícil conjuntura económica internacional, as coisas complicaram-se um pouco, tendo em conta que houve um agravamento dos incentivos que são atribuídos aos investidores. É uma situação difícil uma vez que a competição entre países para atrair investimentos é maior e os investimentos externos são cada vez mais escassos.
Tem havido alguma abertura do Governo em eventualmente reconsiderar algumas medidas adotadas no quadro do Orçamento de Estado de 2013 para que Cabo Verde continue a ser um país atrativo e competitivo. Os investimentos que vão ser iniciados ainda beneficiam do quadro de incentivos anterior, no entanto, os novos potenciais investidores estão-nos já a confrontar com essa questão, o que poderá vir a condicionar as suas intenções de investimento. Tendo em consideração a dimensão de Cabo Verde, sou de opinião que a exigência de investimentos na ordem dos 10 milhões de contos (90 milhões de euros) como limite mínimo ao benefício de incentivos fiscais é exagerada. O nível médio de investimentos não é esse.
Julgo que também poderemos vir a ter algumas dificuldades com o crédito fiscal. Dantes havia isenção de impostos sobre os resultados para os primeiros cinco anos, agora dá-se um crédito que depois é descontado nos impostos devidos, isto é, já não há uma isenção a 100% como havia nos primeiros cinco anos. No meu ponto de vista, todo este ambiente deve ser repensado porque Cabo Verde está a competir com destinos com outras condições e outras dimensões e onde se pode praticar economias de escala, com fatores de produção muito mais competitivos. Iremos perder competitividade e isso é mau para o país.
Investimentos desta natureza precisam de capital humano. Que políticas existem para a integração da mão-de-obra do pessoal residente utilizada em cada fase de construção dos investimentos na fase operacional dos projetos? Quais as vantagens práticas para os habitantes locais do ponto de vista de uma sociedade em desenvolvimento?
A questão da integração da mão de obra residente no processo de desenvolvimento turístico das ilhas da Boa Vista e do Maio é uma questão importantíssima. Nós queremos investimentos, mas estes têm que trazer benefícios para o país e, desde logo, para a sua população. O pessoal que trabalha nesses empreendimentos são essencialmente residentes, não só cabo-verdianos, mas também pessoal estrangeiro que reside na Boa Vista. Há alguns postos que são ocupados por expatriados, essencialmente quadros que são trazidos pelos próprios operadores. Isso faz parte do negócio, até porque há algumas limitações no país ao nível de recursos humanos qualificados. Promovemos também iniciativas conducentes à qualificação da mão-de-obra. Já financiámos um conjunto de ações de formação que, culminaram com a contratação de aproximadamente 800 jovens que se encontram atualmente a trabalhar nos empreendimentos turísticos.
Contudo, também aqui se pode aproveitar mais a integração, não só da mão-de-obra, mas também dos próprios operadores económicos. Há algumas queixas por parte dos empreendedores locais. A maior parte dos operadores turísticos trazem já toda a estrutura de apoio com eles e alegam a falta de dimensão e oferta do país e a falta de certificação de qualidade dos produtos aqui produzidos. Poderiam perfeitamente consumir alguma carne ou peixe cá produzidos, mas sem certificação de qualidade é um risco enorme. São cadeias que seguem padrões europeus que são dos mais elevados. Reconhecemos que é um constrangimento. A nossa atuação tem sido no sentido de sensibilizar os poderes públicos para a necessidade de se criar, por exemplo, um Instituto de Certificação de Qualidade.
Também precisamos que seja concebido um espaço para a integração dos operadores nacionais nesse processo. Por exemplo, há países que reservam algumas cotas de certos produtos nacionais para determinados fornecimentos. É um processo que terá ainda que fazer o seu caminho. Critica-se o modelo all inclusive mas, se não fosse esse o modelo adotado para Cabo Verde, não viriam tantos turistas e não estaria o setor tão desenvolvido.
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E ao nível das infraestruturas base de apoio às populações? Que vantagens tem colhido a população da Boa Vista ao nível, por exemplo, das infraestruturas e dos serviços de assistência médica?
A ilha da Boa Vista tem uma população residente permanente estimada na ordem das 12 mil pessoas, mas recebe por ano mais de 200 mil turistas. Diariamente estão milhares de turistas na Boa Vista (cada turista permanece em média 8 a 10 dias na ilha). Apesar deste número astronómico para os padrões nacionais, a Boa Vista tem um centro de saúde com muitas limitações, sem especialidades médicas e com muitos problemas para serem resolvidos. Os serviços ao nível da oferta de cuidados de saúde não dão garantias aos operadores económicos. Muitos deles têm o seu próprio médico o que também pode encarecer e inviabilizar algum investimento aqui em Cabo Verde.
A construção de uma estrutura de saúde à altura das exigências da ilha é, por isso, uma prioridade. Naturalmente que o Orçamento de Estado tem as suas limitações, o que faz com que o Ministério da Saúde não consiga dar resposta a todas as solicitações em simultâneo, como tal, temos vindo a incentivar alguns operadores privados com interesse nessa matéria a realizarem investimentos na área da saúde na Boa Vista. Estamos inclusive a negociar a cedência de lotes de terrenos para a construção de uma unidade de saúde. Deve-se continuar a promover as parcerias público-privadas para a área da saúde, pois é uma área muito sensível que, se não tiver investimentos a curto prazo, poderá no futuro condicionar os investimentos turísticos na ilha.
Olhando para estes últimos três anos, consegue identificar os ganhos obtidos com este projeto e com o desempenho da sua administração?
Embora não tenhamos alcançado todos os objetivos a que nos tínhamos inicialmente proposto, particularmente por causa da crise financeira internacional que afetou fortemente o setor do imobiliário turístico, posso afirmar que conseguimos ganhos evidentes: dei o exemplo do número de quartos que passou de 600 para 3 mil, temos mais e melhores condições de acesso externo à ilha; temos a via estruturante da Boa Vista que permitiu o desenvolvimento do turismo no sul e que está atualmente 2/3 concluída; temos todo o processo de planeamento concluído; demos um grande apoio às duas câmaras municipais na elaboração dos planos da política urbana; temos centenas de jovens formados e a economia da ilha recebeu um forte impulso do turismo. Em 2011 e 2012, a Boa Vista passou a ser o principal destino turístico em Cabo Verde. Há ganhos, mas como em tudo, há também problemas e desafios que devem ser encarados, por forma a termos um turismo com mais qualidade, capaz de induzir mais valias à economia da ilha e do país.
Se compararmos a oferta turística de Cabo Verde com a de outras ilhas, como por exemplo, as Canárias ou Seicheles, consegue enumerar algumas vantagens competitivas que possam ser diferenciadoras?
No meu ponto de vista, Cabo Verde não tem condições para competir com as Canárias ou as Seicheles. Esses são destinos já consolidados e com um historial muito forte. Por exemplo, as Canárias recebem em média 12 milhões de turistas e nós, pouco mais de quinhentos mil. As Canárias fazem parte de um país europeu e possuem infraestruturas que nós estamos agora a sonhar ter, por isso, é muito difícil competir. No entanto, também temos os nossos trunfos: somos um destino relativamente recente, podemos aprender com os erros que essas ilhas cometeram no passado e temos outras atratividades que essas ilhas não têm.
O nosso maior problema é a constituição de um mercado nacional, ou seja, a integração das diversas ilhas através da existência de meios de transporte confiáveis, modernos e rápidos. Nas Canárias, a título de exemplo, vive-se numa ilha e trabalha-se noutra! Em Cabo Verde isso seria impossível. Ainda temos um longo percurso a fazer.
Está no fim do mandato, vai recandidatar-se? Qual o balanço que faz desta sua administração?
No final do mandato devemos estar sempre preparados para ser substituídos. Até lá, temos que trabalhar até haver uma decisão a respeito.
Quanto aos ganhos no setor, do ponto de vista institucional da organização interna da SDTIBM há ganhos: somos uma instituição organizada, com todos os instrumentos de gestão existentes. Temos tido muita preocupação com a parcimónia da gestão dos parcos recursos que dispomos. Temos um quadro de pessoal aprovado e devidamente regulamentado. Costumo dizer que uma instituição vale pela sua organização e pelo rigor que imprime à gestão dos recursos. Sendo uma instituição pública, ainda que de direito privado, essa exigência põe-se ainda com mais imparcialidade.
Nem tudo foi feito como gostaríamos, mas isso é normal dentro de um processo que depende de muitas variáveis externas, como é o nosso caso. Se vier uma nova administração, certamente imprimirá a sua dinâmica e dará continuidade ao que considerar ter sido feito de positivo. Pessoalmente, estou certo que deixarei uma instituição organizada, com rumo, com todos os seus instrumentos de gestão existentes e que tudo fizemos para alcançar objetivos a que inicialmente nos propusemos.
Que mensagem deixaria aos potenciais investidores e às populações da Boa Vista e Maio?
Às populações da Boa Vista e do Maio, gostaria de lhes dizer que temos feito tudo para que possam beneficiar do desenvolvimento turístico que se está a verificar nas duas ilhas, principalmente na Boa Vista. Estamos conscientes que o benefício podia ser ainda maior, mas nem tudo depende da SDTIBM; depende muitas vezes da iniciativa e da própria atitude das pessoas. As populações devem ser mais reivindicativas, devem ter mais iniciativa, serem mais empreendedores, arriscarem um pouco mais e juntarem-se em torno de interesses comuns. Por vezes, não é uma questão de falta de recursos, é uma falta de associação de recursos. Há nichos de mercado, como a restauração, que podem perfeitamente ser explorados por pequenos operadores locais. Julgo que tem faltado essa atitude mais proativa, mais dinâmica, mais empreendedora e mais arriscada por parte dos próprios residentes. Ficar à espera que o Estado faça tudo, não é a melhor solução! Tem de se arriscar e tomar iniciativas próprias.
Aos investidores, é que podem sempre contar com a SDTIBM como uma parceira interessada e, como tal, está cá para criar as condições para que os seus investimentos se possam realizar sem grandes sobressaltos. Devem confiar na SDTIBM e em Cabo Verde pois somos um país seguro, de leis e onde compensa arriscar e investir.