João Sanches Tavares
18 Mar 2021

João Sanches Tavares

Sou natural de Santa Cruz, na ilha de Santiago, em Cabo Verde. Tenho 74 anos. Vim para São Tomé e Príncipe no dia 10 de Janeiro de 1959. Cheguei cá no dia 18. Nunca me irei esquecer. Vim no Alenquer. O barco vinha cheio. Uns iam para Angola, outros para o Príncipe. Tinha 17 anos, era ainda um miúdo.

Vim no contrato. Até hoje não recebi esse dinheiro. Também não me deram o dinheiro da passagem do barco. Perdi o meu bilhete de identificação e agora não tenho reforma. Tenho passaporte, mas dizem-me que não dá para levantar a pensão. 

Nesta terra vi muita coisa. Antes da independência, os cabo-verdianos tinham alguma dignidade. Com a independência de São Tomé e Príncipe tornámo-nos nuns miseráveis descamisados. Disseram-nos que depois da independência a terra era para nós, mas não foi isso que aconteceu. Apesar de não termos nada, vivemos agora mais tranquilos. 

Estive a apanhar uns búzios que vou cozer com água e sal e que vão ser o meu almoço. 

Gostava de voltar um dia a Cabo Verde, mas não tenho dinheiro para pensar nisso, por isso, o melhor é mesmo ficar por aqui e aqui morrer. Já estou velho… Só queria que o Estado nos desse uma assistência melhor, para que pudéssemos terminar os nossos dias com mais dignidade e em paz. Fizemos a nossa parte, por isso devíamos ser recompensados. Se estou cá desde os 17 anos, se nunca de cá saí, se aqui deixei todas as minhas energias, então aqui é que é a minha terra. Se agora me dizem que não tenho direito a nada porque esta não é a minha terra, então não sei quem terá esse direito. 

Tenho nove filhos que vivem na cidade. Têm a vida deles. Ainda não contei, mas parece-me que tenho mais de cinquenta netos. Não os visito pois não tenho dinheiro para pagar a um carro para me levar à cidade.

Santa Adelaide – São Tomé


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