Ilha do Fogo: Cinco séculos a renascer das cinzas
01 Out 2012

Ilha do Fogo: Cinco séculos a renascer das cinzas

O documento mais antigo que se conhece sobre a Ilha do Fogo é a Carta Régia de 3 de Dezembro de 1460, pela qual D. Afonso V doou ao Infante D. Fernando, seu irmão, os Açores, a Madeira e as cinco ilhas de Cabo Verde então conhecidas, nomeadamente Sal, Boa Vista, Maio, Santiago e Fogo. O documento, por duas vezes que refere Sam Jacob e Fellipe (Santiago e o Fogo), que por se terem achado a 1 de Maio, dia daqueles santos, ficaram com os seus nomes. Mais tarde, a Ilha de São Filipe, mudaria a sua designação para a atual Ilha do Fogo.

9- Ilha do Fogo a renacer das cinzas - Revista Nos Genti -Em 1462, por ordem do infante D. Fernando, começa o povoamento da ilha de Santiago, mas as origens do povoamento do Fogo estão envoltas em grande incerteza. A primeira notícia da ilha, encontra-se num documento de 1503, onde refere que são arrendados os direitos reais dela, juntamente com os de Santiago. Aí aparece mencionado pela pela primeira vez, a mudança de nome de São Filipe para Fogo. Este arrendamento faz deduzir que a ilha começara a produzir, mas o documento não especifica quais os produtos. Os seus primeiros habitantes foram gentes oriundas da Ribeira Grande (atuais ruínas da Cidade Velha), vila que já se havia constituído em Santiago. Estes ocupantes iniciais, fruto dos privilégios obtidos, estavam autorizados a utilizar escravos oriundos da Guiné no trabalho necessário ao povoamento da ilha. Gente de Santiago e muitos negros cativos seriam assim os primeiros habitantes da ilha do Fogo. A vila de São Filipe foi fundada logo nos primeiros anos da ocupação.

Nos primeiro anos do século XVI encontram-se povoadas apenas as ilhas de Santiago e do Fogo. Foi à sombra de Santiago, que a ilha do Fogo se começou a desenvolver. A cultura do algodão foi a causa principal do seu incremento. Em 1513 já a ilha tinha o seu próprio capitão, e estava dividida entre alguns grandes proprietários. Doada a capitania ao conde de Penela, em 1528, nela se compreendem terras agrícolas e terrenos bravios, que o capitão poderia aproveitar como quisesse, “em criação de gado e algodões”. Esta era, sem dúvida, a única cultura importante na ilha. Em 1532 foi nomeado um “feitor dos tratos dos algodões no Fogo”, trocando-se estes por escravos da Guiné.

1- Ilha do Fogo a renacer das cinzas - Revista Nos Genti -

Em meados do século XVI, a ilha teria já uma vida social desenvolvida. Cristãos-novos e gente de influência ligada aos negócios do algodão e à comercialização de escravos. No entanto, o Fogo nunca se conseguiu desenvolver de forma comparável a Santiago. Enquanto que na capital, dominada pelos seus morgados rurais, havia centenas de trapiches para moer cana e fabricar açúcar e aguardente, tanques de água para a rega que alimentavam a produção de milho e algodão, o Fogo via estagnado o comércio e a navegação. Não se ia buscar o algodão que produzia, interditou-se a venda de panos de algodão e de cavalos a estrangeiros, o vinho produzido nas suas íngremes encostas não era comercializado, e até as defesas militares da ilha estavam desmanteladas, não resistindo a alguns ataques de piratas que, de forma fugaz, invadiam a ilha.

Segundo o autor J. Lopes de Lima, em livro publicado em 1844, “houve no ano de 1680 um terramoto tal em toda a ilha, seguido de tamanha explosão de lavas, que alguns proprietários, cujas fazendas ficaram destruídas, aterrados de tal calamidade, passaram a estabelecer-se na ilha da Brava, até então mal povoada por casais de negros libertos de Santiago e do Fogo. E foi desde então que a Brava começou a prosperar e a declinar a importância do Fogo”.

Assolada por várias calamidades, erupções e ataques de corsários (a que as desmanteladas defesas não opunham qualquer resistência), a ilha do Fogo assistia ao declínio da sua população que, fruto da esterilidade dos solos e da prepotência dos sargentos-mores – cargo ocupado por déspotas sem escrúpulos, que apenas cuidavam de enriquecer – cada vez se encontrava mais pobre. Em 1774 abateu-se sobre o arquipélago uma das maiores fomes de que há notícia. São Nicolau, Maio e Fogo foram especialmente flageladas: tudo seco – morria o gado sem pastagens, os fazendeiros desfaziam-se dos seus escravos em troca de comida, o governo mandava carregamentos de milho para acudir aos famintos, mas eram tantas as vítimas que não havia quem enterrasse os mortos. Este quadro de miséria, haveria de repetir-se frequentemente.

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Nos finais do século XVIII, a ilha de Santiago, a mais próspera e importante do arquipélago, estava num total abandono. O Fogo não era indiferente a este abandono e encontrava-se totalmente em declínio. A “antiga” vila de São Filipe, que datava do início da colonização, tornara-se numa povoação importante, superando mesmo a Vila da Praia, apesar de ser esta a capital do arquipélago. Tinha algumas boas construções, com casas caiadas e coberturas de telha, entre as quais se contavam oito igrejas. Por trás, ficavam as hortas e, no interior da ilha, as fazendas dos seus habitantes, que lá residiam a maior parte do ano. No conjunto, a ilha do Fogo, entrava no mesmo quadro de abandono, ao qual mergulhara todo o arquipélago.

O Fogo padecera de grandes secas e fomes, as quais haviam dizimado a sua população. Em meados do século VXIII, dos 13.000 habitantes que a compunham, em apenas três anos, viu padecerem dois terços. Em 1774, depois de grandes fomes, a sua população ficou reduzida a 5700 pessoas. Mas essa população rapidamente se recompunha, chegando no princípio do século XIX a umas 13.000 pessoas e em 1831 a 16.000, as quais, fruto da fome que se seguiu, voltaram a ficar reduzidas a 6.000 almas por volta de 1834. O geólogo Saint-Claire Deville, que visitou o Fogo no decurso de uma viagem científica em 1842, descreve São Filipe como “um miserável amontoado de pobres casas”. A ilha, outrora mais próspera, estava em grande decadência por causa das mortandades provocadas pelas fomes e pela emigração. “Grande parte das casas da cidade está em ruínas e conta-se apenas um número exíguo onde reina algum conforto”.

Numa ilha que desempenhou um papel primordial na vida do arquipélago, pois se seguia a Santiago pela antiguidade da sua colonização e, pela população e importância económica, surpreende a ausência completa de vestígios materiais deste passado histórico. Nada resta em São Filipe das suas velhas igrejas ou ermidas, dos sobrados dos seus morgados, ou dos baluartes que a defendiam. Quase todas as casas têm um ar gasto, sem no entanto serem velhas, e muitas se arruínam mais pelo abandono do que pela idade.

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Compensado a sua pobreza, as ilhas de Cabo Verde ficam situadas numa das grandes rotas marítimas do mundo. Nas relações comerciais com o estrangeiro, os Estados Unidos ocupavam o primeiro lugar em meados do século passado. Duas casas americanas se tinham especializado tradicionalmente neste comércio, fazendo uma vez por ano, com os seus navios, o giro de todas as ilhas. Tanto na importação como na exportação, a bandeira americana ocupava, de longe, o primeiro lugar, com mais de um terço dos navios, quase o dobro dos portugueses ou ingleses. Os Estados Unidos proviam as ilhas das suas principais necessidades, chegando mesmo a acudir-lhes caridosamente nos anos de esterilidade, com o fornecimento de manteiga, queijo, farinha de trigo, bolacha, arroz, etc., mas também roupas e até mesmo móveis. Esta influência fazia-se sentir em toda a vida do arquipélago. Ainda hoje, é rara a família que não tenha um parente emigrado nos Estados Unidos.

Atualmente apenas se pode conjeturar o papel desempenhado pelo Fogo no conjunto destas relações. Produzia milho e feijão, destinados essencialmente a Portugal, Madeira e Canárias. Exportava porcos para Santiago, de onde recebia essencialmente açúcar, aguardente e milho, e panos para a Guiné, de onde tinham vindo os seus escravos negros. Se no valor da exportação ficava o Fogo muito abaixo das ilhas salineiras e de Santiago, que, além da sua dimensão e capacidade produtiva, era a mais visitada pelos navios, onde ficava a capital e por onde se fazia o principal comércio, figurava em primeiro lugar entre as ilhas exclusivamente agrícolas, exportando o dobro de São Nicolau e cinco vezes mais do que Santo Antão, a última das três a povoar-se e a desenvolver-se.


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Comentários

  1. Maria Guiomar Sequeira Diz: Janeiro 17, 2017 at 1:04 pm

    Gostei imenso se tomar conhecimento da historia de Cabo Verde. Mas fiquei com uma duvida que gostaria de ser informada. Gostaria de saber se os Sobrados foram construidos pelos Portugueses???
    Li o texto mas fiquei com a duvida!!!!

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