01 Out 2012
Ilha do Fogo – A emblemática Festa da Bandeira
Produto da fusão de celebrações portuguesas com ritos dos escravos oriundos da Costa de África, a Bandeira é hoje uma festividade profano-religiosa muito apreciada em todo o arquipélago, sendo definida pelos moradores como uma comemoração realizada em homenagem a um santo, geralmente de grande aceitação popular – S. António, S. Pedro, S. Paulo, S. Paulinho, S. Sebastião, entre outros.
Desconhecendo-se a data exata do início da comemoração da Bandeira na ilha do Fogo, pelas suas características, é muito provável que remonte aos primeiros moradores, talvez tendo sido também festejada na ilha de Santiago, de onde provieram os moradores “nobres”.
Atualmente, ainda se reconhecem alguns elementos trazidos pelos portugueses. Em Portugal, a partir de finais do século XVI, existiram organizações religiosas denominadas Bandeiras, mas existem outros sinais da presença portuguesa na festa da Bandeira, como os vestígios da cavalaria medieval, juramento da bandeira, cavalhadas (apanhar argolinhas suspensas numa corda, mostrando a perícia dos cavaleiros) e a celebração do santo da igreja, chegada às ilhas através dos portugueses.
No entanto, a festividade assumiu as suas próprias características ao ser introduzida no Fogo, devido ao contato cultural entre europeus e africanos. Exemplo disso é a utilização de uma bandeira e um pilão. Tornou-se assim uma festa tradicional pois está patente a transmissão de atividades, gostos ou crenças, que se perpetua de geração em geração. Além disso, é uma festa popular, porque pertence ao povo, sendo usada e promovida por ele.
Não sendo uma festa puramente religiosa (cristã), também não é puramente profana (pagã), visto que nela essas designações se misturam. Todavia, possui um sentido quase ou totalmente religioso para as pessoas, visto que nutrem pelo santo um sentimento de devoção e respeito, reconhecendo que a sua superioridade pode ser de ajuda nos momentos difíceis. Cada família escolhe o santo que a vai proteger, segundo o seu significado e papel específico, confiando nele a sua vida. Como agradecimento e reconhecimento, festejam-lhe a Bandeira, vendo-os como intermediários. É através da festa da Bandeira que aproveitam para agradecer e entrar em comunhão com Deus, em vez de lhe pedirem ou agradecerem diretamente.
Posteriormente ao pedido, é feita a promessa, com a intenção de serem acudidos, podendo oferecer um sacrifício animal, milho ou xerém, acender velas, rezar uma missa, tomar a Bandeira e festejá-la no ano seguinte – uma grande responsabilidade moral, religiosa e económica pois é necessário ter muitas posses para custear uma festa desta natureza. É esse acreditar que faz com que a festividade da Bandeira não seja esquecida, tanto no campo como na cidade, e respeite o calendário de festividades dos santos de grande popularidade em todo o arquipélago.
A festa de S. Filipe é de grande importância, sendo também uma festa civil, porque o Município comemora no dia 1 de maio, dia de S. Filipe, o descobrimento da ilha. É a festa mais representativa, pois reúne os emigrantes que vêm dos EUA, tornando-se também um percurso turístico.
Tanto na ilha do Fogo como na de Santiago, as capelanias privadas foram instituídas por grandes proprietários possuidores de escravos, que nos testamentos criavam capelas e organizavam grandes festas pela expiação dos pecados, por vezes com a libertação de escravos após a morte dos donos.
Como festejar a Bandeira exigia grandes posses – sobretudo na organização dos festejos, alimentação dos convidados, entre outros compromissos – e os mais humildes também queriam estabelecer compromissos com os santos, fazer as suas promessas e festejar, os donos das Bandeiras criaram as Bandeiras de praia, que acompanhavam a Bandeira grande na procissão e na praia de Boqueirão. Contudo, as festas são realizadas nas casas dos respetivos donos. Na noite de Canizade – três dias antes do dia do santo – os canizades percorrem todas as casas onde residem as “praias”.
Nasceu assim, na ilha do Fogo, a tradição das Bandeiras assumirem a duplicidade de Bandeira grande e Bandeira de praia, também denominadas por Bandeira do sobrado e Bandeira de rendeiro, refletindo a sociedade da ilha. A Bandeira grande ficou reservada ao sobrado, festejada pela classe mais abastada e de destaque social, sendo o centro da festa. Todavia, a população de condição modesta pode organizar festas espontâneas denominadas “tirar a Bandeira”, que consistem numa reunião simples com os vizinhos e uma refeição à volta de um santo do qual se obteve alguma graça, juntamente com o proferimento de uma ladainha.
Nos últimos anos, após a independência nacional, a Câmara Municipal e os festeiros têm vindo a enriquecer e inovar o programa das atividades culturais, desportivas e recreativas para comemorar o dia do Município – que passou a coincidir com as tradicionais festas de S. Filipe, a fim de reforçar a dimensão nacional destes eventos e fazer com que estas festividades se transformem num produto turístico de maior qualidade, ganhando, de ano para ano, projeção internacional.
Entre a última semana de abril e o 1º de maio, os dois programas das festas misturam o ritmo do tambor, a música e os coros das coladeiras, as cavalhadas em provas de velocidade e perícia, futebol e outras modalidades de salão, combates de galos, corridas de barco, desfiles de motas, atletismo, missa, procissão e um almoço tradicional, juntamente com fogo-de-artifício. Os cinco dias consecutivos de baile popular contam com a participação de grandes artistas nacionais e estrangeiros que, de ano para ano, atraem a atenção de centenas de emigrantes, muitos turistas e cabo-verdianos de outras ilhas, fazendo da cidade de São Filipe um dos maiores palcos de animação cultural e desportiva do país.
Assim, de janeiro a agosto, consoante as localidades, são comemoradas as festas, que, embora se realizem em diferentes datas, começam sempre com o ritual do pilão, sendo público e constituindo um verdadeiro espetáculo de música, dança e ritmo. À volta do pilão, encontram-se geralmente três mulheres a pilar milho num compasso ritmado, com intervenientes que compõem uma verdadeira orquestra de percussão, com canções e tambores ao ritmo do pilão, juntamente com batidas de dois paus no seu rebordo, que acompanham o ritmo.
Nesses dias dedicados aos preparativos da festa, faz-se ainda a matança de animais, também sob o ritmo dos tambores, dos cânticos e de um certo ritual, enquanto os foguetes fazem a festa. Na véspera do dia da grande festa, a Bandeira sai da casa do festeiro para ser transportada à Igreja Matriz por um cavaleiro, que se faz acompanhar de outros cavaleiros vestidos a rigor, com casaco preto, laços sobre as camisas brancas e uma faixa vermelha sobre o cinto.
O dia da festividade começa na alvorada do dia reunindo as pessoas. A meio da manhã, os cavaleiros juntam-se e saem pelas ruas da cidade, fazem corridas no Alto de S. Pedro e seguem, em marcha solene, com a bandeira desfraldada, em direção ao local onde em tempos existia um castelo, que seria do primeiro festeiro de S. Filipe. Chegados ali, todos fazem parte do cortejo, comem bolos, bebem e recebem grinaldas de flores. Depois, dirigem-se para a casa da bandeira de Praia, e daí seguem para a Praia de Boqueirão, onde fazem algumas corridas e molham os pés dos cavalos nas águas do mar, para augurarem boas águas para o ano seguinte. Da casa do festeiro, à qual regressam após o almoço na Praia de Boqueirão, vão para a Igreja Matriz onde é celebrada uma missa.
Na Igreja, enfeitada com novos adereços, o Santo é colocado no altar adornado com flores e fitas vermelhas e brancas. Depois da Bandeira ser é abençoada pelo padre, procede-se à celebração da cerimónia religiosa. No regresso à casa do festeiro, o Santo Padroeiro é transportado em procissão pelas ruas da cidade, com cânticos religiosos e o rufar dos tambores. Os cavaleiros fazem mais uma corrida no Alto de S. Pedro, segundo uma regra antiga, em que quem leva a Bandeira corre em primeiro lugar e só depois lhe sucedem os outros cavaleiros, guardando sempre uma certa distância entre cada corrida. É então servido o almoço tradicional – xerém, carne de bode, couve, mandioca, entre outros pratos – aos cavaleiros e aos convidados.
À tarde, as cavalgadas no Alto de S. Pedro constituem o último ponto dessa festa, reunindo milhares de espetadores. Assinalado o toque dos tambores, os cavaleiros correm desenfreados na pista, tanto para a apanha das argolinhas e grinaldas, como para demonstrarem a sua habilidade, através do que chamam corrida das rosas, em que os cavaleiros correm dois a dois, de mãos dadas. No fim, as argolas e as grinaldas, apanhadas com uma vara ou com a cabeça, são entregues à mesa do Júri, sob o toque especial dos tambores e o aplauso dos espetadores, onde são distribuídos prémios e louvores aos vencedores. Seguidamente, a Bandeira é enrolada e entregue na mesa do Júri, onde se encontram altas individualidades da ilha para se proceder à entrega da mesma ao novo festeiro. Caso não apareçam candidatos à Bandeira, esta é enterrada na Igreja, voltando a sair apenas quando aparecer quem ofereça o seu resgate, no prazo de quarenta e oito horas.
Existe a lenda que, certa vez, a Bandeira foi enterrada com o agouro de que quem a tomasse e fizesse a festa, morreria. Por tal motivo, não houve festejos durante muito tempo, até que um grupo de sete jovens desafiou esse agouro e tomou a Bandeira, que passou, desde então, a ser festejada.
À noite, em casa do festeiro, é costume haver bailes, com violas e violinos a acompanharem, até à meia-noite, quando os foguetes são lançados em memória daqueles que adquiriram a Bandeira, sendo que, antigamente, também era habitual acenderem-se fogueiras para as pessoas saltarem sobre elas com um pouco de sal ou um ovo nas mãos, a fim de conhecerem o futuro ou o que aconteceria no ano seguinte – uma superstição popular.
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