30 Set 2012
Ilha de Santo Antão: A descoberta de um exotismo peculiar
[su_spacer]
A ilha mais a norte de Cabo Verde é marcada pela altivez das suas montanhas e pelos seus profundos vales, ostentando distintos contrastes paisagísticos. Sendo a segunda maior ilha do arquipélago, com uma área total de 779 Km2, a ilha de Santo Antão é detentora de uma variada gastronomia e da famosa aguardente de cana-de-açúcar, o inconfundível “grogue”, reconhecido além-fronteiras.
O descobrimento da ilha de Santo Antão é desconhecido, mas sendo simultâneo ao das ilhas vizinhas – São Nicolau, Santa Luzia e São Vicente – e considerando a data de doação da ilha, a sua descoberta é, certamente, anterior a 1465. Segundo a tradição oral, a ilha foi encontrada no dia 17 de Janeiro de 1462, dia de Santo Antão. Visto que na altura era hábito atribuir ao lugar descoberto o nome do santo do calendário religioso, é bem provável que a data esteja correta.
A criação de um lugar de vigário, em 1589, traz suspeitas de indícios da presença humana na ilha, possivelmente iniciada desde o final do século XVI, mostrando que Santo Antão foi povoado muito tempo depois da sua descoberta – setenta a cem anos depois – provavelmente, com escravos provenientes da Costa Africana e europeus – embora estes em número mairs reduzido – e com mestiços oriundos de outras ilhas já então povoadas, nomeadamente as de Santiago e do Fogo.
As doações constituíram um sistema económico-jurídico transportado para os territórios africanos, refletindo uma das raízes medievais da colonização portuguesa dos séculos XV e XVI e possuindo, em regra, um carácter hereditário. O regime das doações concedia aos donatários amplos poderes económicos, jurídicos e administrativos. Os donatários usufruíam o direito de poderem explorar madeiras, corais, pescaria, moinhos de mão e pastos; jurisdição do cível e do crime, excetuando as penas de morte e de talhamento de membros, que eram apenas competências do Rei.
Quanto à organização administrativa, como aconteceu nas outras ilhas, o sistema de doações precipitou uma política administrativa que obedeceu ao estabelecimento do sistema de Donatarias concedidas a Capitães Donatários na ilha de Santo Antão, estando durante mais de dois séculos, 1548-1759, na posse de donatários que usufruíam de direitos de exploração económica. À coroa era reservada, no entanto, a correção e domínio de todas as rendas, foros e direitos.
Em 1759, a ilha foi novamente entregue à Coroa, depois de ter passado por diversas vicissitudes, inclusive ser vendida aos ingleses por um dos donatários, D. João de Mascarenhas, filho do IV Conde de Santa Cruz, na altura em Inglaterra. Todavia, os ingleses foram expulsos antes de se fixarem na ilha, ficando a mesma na posse da Coroa Portuguesa. O processo que se mostrou mais eficaz para a colonização das ilhas cabo-verdianas, consistiu, no entanto, na instituição de capitanias.
No último quartel do século XIX, à semelhança do que vinha a acontecer nas outras ilhas do arquipélago, o clima de instabilidade social agravou-se, culminou em verdadeiras revoltas populares cujas dimensões causaram preocupação às instituições judiciais.
Não encontrando justiça imediata em D. João V, o povo de Santo Antão resolveu ir contra os excessos do Capitão-mor Francisco Lima de Melo, fazendo justiça pelas próprias mãos. A favor do Capitão-mor estavam os oficiais da justiça e milícia. Porém, dirigidos por José Barranco, os moradores corajosos enfrentaram-nos, resultando numa morte e em muitos feridos de ambos os lados. Saindo vitorioso, o povo prendeu o Capitão-mor e os dois oficiais.
A rebelião do povo contra as autoridades da ilha obrigou o Rei a adotar algumas medidas de precaução, ordenando ao Governador que colocasse um capaz morador da ilha, como feitor de Santo Antão. O crescimento progressivo de revoltas prende-se também pelo facto de, ainda nessa altura, a população de Santo Antão viver num estado de servidão lamentável, chegando a ser excluída de empregos públicos, civis e militares, o que já não se verificava em muitas das outras ilhas do país.
A escravatura moderna foi uma instituição socioeconómica em que o senhor tinha todo o direito sobre os escravos. O escravo não possuía personalidade jurídica, sendo tratado como um objeto, apenas com obrigações e sem quaiquer direitos. No entanto, ao pedido de liberdade, o Rei respondeu com o decreto de janeiro de 1780, denomindado de “Lei do Ventre Livre”, em que todos os filhos de escravos passaram ao estado de livres. A partir de 1858, os escravos existentes passaram ao regime de trabalho servil por 20 anos, findos os quais eram considerados livres. Desta forma, a população da ilha teve uma evolução bastante significativa.
Nesse mesmo século, Santo Antão possuía terrenos férteis, sempre irrigados com bastante água, nos quais eram produzidos uma grande diversidade de produtos – cereais e legumes, plantas farináceas, frutíferas, pastagens, além de plantas tintureiras como o anil, o dragoeiro e a urzela – que muito contribuíram para o desenvolvimento económico da ilha. Contudo, o clima inóspito trazia, por vezes, maus anos agrícolas provocados pela seca e pelas cheias decorrentes das chuvas torrenciais que muitas vezes punham em perigo a produção agrícola.
A prolongada crise económica acentuou-se ao longo do século, provocando grandes alterações nas estruturas sociais, com o empobrecimento dos proprietários das ilhas no geral e da massa camponesa em particular.
Os primeiros sintomas deste declínio foram a decadência económica e comercial com o exterior, a desagregação das estruturas morgadio-senhoriais e a intensificação da conflitualidade social, agravados pelas crises cíclicas da seca e das colheitas, levando a um longo período de depressão económica, o que despoletava ódio, motins e revoltas. Em relação à ilha de Santo Antão, a situação de fome era tão dramática que reduziu a metade a sua população entre 1831 e 1833. Dos vinte mil habitantes que tinha, apenas onze mil sobreviveram ao ano de 1832.
A crise agrícola, a fome e a instabilidade política explicam o crescente descontentamento em relação à administração, assim como a persistência das revoltas ocorridas em Santo Antão e em Cabo Verde em geral. A intensificação da conflitualidade social, agravada pelas crises periódicas da seca, foram os principais sintomas do declínio do antigo regime colonial, estabelecido em Cabo Verde. A irreversibilidade da decadência resultava, não só do avolumar das contradições internas, como das mudanças do ambiente internacional, que pressionavam no sentido da transformação dos regimes coloniais e às quais o arquipélago não podia fugir.
A revolta de 1886 foi um sinal explícito do descontentamento de uma sociedade rural ameaçada nas suas bases económicas, na organização social e no poder político, que caracterizou todo o território nacional nos anos difíceis de implantação do liberalismo em Portugal, que viria, no caso de Santo Antão, a culminar com uma grande revolta despoletada em 1894. Embora não tenham havido vítimas mortais, o número de feridos foi relativamente alto, pois, ao que tudo indica, foi intenso o uso de armas de arremesso, além de ter havido tiroteio de pistola.
Cada uma dessas rebeliões sociais teve o seu carácter específico e apresentou o seu grau de complexidade. A revolta de Paúl, Santo Antão (1894), em que mais de mil pessoas partiram de várias freguesias do Paúl e marcharam sobre Ribeira Grande, tendo-a ocupado durante cinco dias (a Praça do Concelho, a Câmara Municipal e várias repartições públicas), serviu para protestarem contra injustiças e vexames a que estavam submetidos e contra a sobrecarga da contribuição predial.
Foi nesse clima de instabilidade e insegurança que Santo Antão entrou no século XX. Contudo, esse século trouxe uma nova época. A monarquia portuguesa aproximava-se do seu termo e a República anunciava-se – situação que se repercutia no ultramar, como no caso de Cabo Verde, onde há muito se aspirava uma mudança de regime, na expectativa de uma melhoria das condições de vida.
Após 1975, ano em que as ilhas de Cabo Verde ascenderam à independência nacional, os habitantes pretendiam combater as injustiças sociais no setor agrícola, setor esse carente de regulamentação. Surgiu então a lei de base da reforma agrária. Contudo, o projeto fracassou devido à elevada oposição da população rural, particularmente na ilha de Santo Antão, onde despoletaram, no conselho da Ribeira Grande, desentendimentos populares.
Atualmente, a ilha Santo Antão está dividida em três concelhos – Paúl, Porto Novo e Ribeira Grande – e contém sete freguesias – Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora do Livramento, Santo Crucifixo, São Pedro Apóstolo, Santo António das Pombas, São João Baptista e Santo André.
A agricultura e a pecuária possuem, presentemente, um peso relevante na economia da ilha que alberga uma gastronomia muito variada, sendo uma das receitas tradicionais a caldeirada de cabrito com feijão. A doçaria, também muito rica, fabrica o bolo de mel como uma das maiores especialidades. A aguardente de cana-de-açúcar que aqui se confeciona é também uma referência, sendo considerado o melhor ”grogue” de Cabo Verde, devido à bebida alcoólica ser ainda fabricada por métodos artesanais, num pequeno moinho mecânico movido a força animal e a fogo de lenha.
Comentários
Os comentários estão fechados.
data de descoberta de sonto Antão.