Humberto Bettencourt Santos – O músico, o diplomata e o gestor.
22 Mai 2014

Humberto Bettencourt Santos – O músico, o diplomata e o gestor.

É uma das maiores referências do violão cabo-verdiano. Solista de excelência, Humberto Bettencourt Santos (Humbertona) é possuidor de um virtuosismo nato na execução e ao qual impõe um estilo característico e diferenciador. Na história da morna cabo-verdiana, para sempre ficarão na memória de todos temas como Sodade, Dispidida ou Miss Perfumado. Mas nem só de música é feita a carreira deste notável cabo-verdiano. De embaixador, a chefe de missão junto das Nações Unidas, Humbertona foi ainda membro da delegação responsável pelas negociações com Portugal dos termos e acordos para a Independência Nacional. Foi ainda gestor empresarial e presidente do conselho de administração da CV Telecom durante mais de dez anos. É atualmente cônsul honorário da Holanda e Bélgica, consultor e membro da comissão de honra da candidatura da morna a Património Imaterial da Humanidade.

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Nasceu em 1940 em Santo Antão. A mãe, professora de profissão, conseguiu transferência para São Vicente, o que fez com que, com apenas dois anos de idade, Humbertona passasse a morar na ilha que, fruto da vivência e do ambiente que na época se vivia, ir-lhe-ia despertar a paixão pela música cabo-verdiana. O gosto que sentia pelos ritmos e músicas tradicionais era tal que, com apenas 12 anos de idade, trocou a sua e fiel espingarda de caça submarina por uma guitarra. Foi o seu primeiro violão, aquele que lhe iria despertar o virtuosismo na execução e na interpretação das mornas de Cabo Verde. Esta apetência natural para o violão não passou despercebida à sua mãe que, reconhecendo no jovem qualidades de exceção, o mandou aprender com o violinista e guitarrista Malaquias Costa. Humbertona assimilou a experiência durante um mês e, a partir daí, sozinho ou com os primos, não perdia uma oportunidade para praticar. Aos 16 anos de idade era, em São Vicente, já considerado um promissor “tocador”.

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A paixão pela música tradicional cabo-verdiana

 

Estreou-se em 1957, no mítico Éden Park, no coração do Mindelo, ao lado de Valdemar Lopes da Silva. Seguiram-se outras experiências musicais, nomeadamente com um grupo de talentosos jovens alunos do liceu Gil Eanes. Depois de cumprir o serviço militar em Angola, Humbertona, em conjunto com o pianista Tony Marques, forma, em 1964, o conjunto Ritmos Caboverdianos, no qual optaria por utilizar a guitarra elétrica. Os Ritmos Caboverdianos fizeram grande sucesso. Além de Humbertona e Tony Marques, compunham ainda o grupo os músicos Djosa (bateria), Lulu no acordeão e percussão, Djack de Câmara no baixo elétrico e Longines na voz. Fizeram digressões à Guiné-Bissau e ao Senegal. Atuaram ainda em Portugal onde gravaram o seu único disco. Foram dos primeiros grupos com instrumentos eletrificados a fazerem sucesso em Cabo Verde. Humbertona, que era o viola solo do conjunto, teve um papel fundamental na adaptação inicial da guitarra elétrica à música de Cabo Verde, que até então era esporadicamente utilizada.

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Humberto Bettencourt Santos

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Depois do sucesso alcançado em Portugal, onde venceram um concurso musical de “yé-yé” e atuaram em vários espetáculos, programas de rádio e boîtes, Humberto Bettencourt Santos abandona o grupo e parte para a Bélgica para estudar economia. Uma vez instalado, junta-se ao PAIGC onde um grupo de estudantes já o aguardava. O local de reunião era a famosa “casa facada”. O nome deve-se ao facto de, quando foi alugada, apenas ser frequentada por seis cabo-verdianos, precisamente o mesmo número de quartos que a mesma dispunha. Além destes seis quartos, a casa também possuía um outro pequeno quarto onde apenas cabia uma cama de solteiro. Esse quarto era frequentemente cedido a colegas casados que queriam dar “uma facada” no matrimónio. Tornou-se numa referência, ao ponto de até os estudantes que iam passar as festas de fim de ano a Paris, a frequentarem. A casa não tinha fechadura. Era porta aberta para todos os que quisessem entrar o poderem fazer.

Enquanto estudante na Bélgica, Humbertona viajava frequentemente a Roterdão, na Holanda, o então centro da música cabo-verdiana na Europa, onde a recém-criada editora Morabeza Records começava a produzir os seus trabalhos. Era habitual a sua colaboração com Luís Morais na gravação desses primeiros trabalhos da editora.

O primeiro disco a solo de Humbertona foi Lágrimas e Dor, de 1966. Até 1973, grava uma série de Lp’s cujos temas foram um enorme sucesso e recordes de venda, entre os quais Sodade, Dispidida, Morna Câ Sô Dor e Miss Perfumado. Mais tarde, juntamente com Valdemar Lopes da Silva lança o disco Protesto e Luta – Música de Cabo Verde, um trabalho único no seu género, cujas músicas foram concebidas para serem utilizadas na mobilização para a causa da Independência.

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A intervenção política e a carreira diplomática

Naquela altura, a consciência política era bastante proeminente, e as músicas de intervenção eram fortes aliadas para o sucesso da propagação dessa consciência. Humberto Bettencourt Santos tinha feito, ainda no liceu em São Vicente, parte do grupo do terceiro ciclo que fora animado por Abílio Duarte. Naquela época, Abílio Duarte tinha acabado de regressar a São Vicente, proveniente da Guiné, com o pretexto de ir terminar umas cadeiras do sétimo ano que ainda lhe faltavam, no entanto, o seu grande objetivo era a mobilização de docentes e alunos mais informados para a causa da Independência Nacional. Este grupo do terceiro ciclo foi o primeiro núcleo por ele criado ligado a temáticas políticas africanas. Era um período em que as pessoas olhavam apenas para as grandes metrópoles, esquecendo e ignorando as realidades africanas. Tudo o que se divulgava sobre África tinha uma forte carga negativa. A temática que Abílio Duarte incutia era a de “um novo olhar sobre África, sobre as pessoas e suas raízes”.

Fazer parte deste grupo do terceiro ciclo, iria proporcionar a Humbertona novos horizontes de pensamento ideológico, tornando-se na sua primeira tomada de consciência para a necessidade de mudanças políticas e estruturais em Cabo Verde. Quando chegou à Bélgica, Humbertona já tinha assimilado de forma estruturada essa nova forma de pensar África. Aí juntou-se a outros que partilhavam dos mesmos ideais, muitos dos quais (essencialmente portugueses) refugiados políticos e ativistas de outros movimentos independentistas, tais como os bascos, grupos da América Latina, e do Quebeque, estes últimos que eram contra a sua integração no Canadá. Na Bélgica acompanhou de perto os movimentos de libertação que aconteciam um pouco por podo o mundo e viveu o Maio de 68 com emoção e esperança num futuro diferente para o seu país. Das várias atividades por ele desenvolvidas na Bélgica, Holanda e Suécia, faziam parte a mobilização de comités de apoio à causa da independência, angariação de ajuda humanitária para a luta e explicação dos motivos ideológicos e das necessidades que estavam na base da luta pela Independência Nacional.

Após o 25 de abril de 1974, Humberto Bettencourt regressa a São Vicente. Participa ativamente no processo de Independência Nacional, nomeadamente ao nível das negociações com Portugal para o contencioso colonial. A questão da situação dos funcionários públicos, os equipamentos e as empresas que se encontravam a operar no país fizeram parte desse dossiê então chefiado por Osvaldo Lopes da Silva.

A 30 de junho de 1975, durante as eleições para a Assembleia Nacional, Humberto Bettencourt Santos é eleito deputado nacional por São Vicente. Foi reeleito para um segundo mandato em 1980, cargo que exerceu até, dois anos mais tarde, ser nomeado para chefiar a Embaixada de Cabo Verde na Holanda. Durante o período que foi deputado nacional, foi incumbido de reestruturar o setor das pescas, acabando por criar a primeira Direção Nacional de Pescas e da qual foi diretor geral durante sete anos (de 1975 a 1982).

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Humberto Bettencourt Santos

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Como embaixador, Humberto Bettencourt Santos representou Cabo Verde, entre 1982 e 1987, nos países do Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo), nos países nórdicos e na União Europeia enquanto instituição. Na altura havia poucas embaixadas e cada uma tinha uma vocação regional. Era a partir da Holanda que fazia essa cobertura regional dos interesses de Cabo Verde na zona. Trabalhava essencialmente na diplomacia multilateral como resultado da adesão de Cabo Verde, em 1975, à Convenção de Lomé, o acordo comercial entre a União Europeia (na altura denominada de Comunidade Económica Europeia – CEE) e os países ACP (uma associação de 79 países da África, Caribe e Pacífico). Também desenvolveu importantes relações com a Holanda e a Suécia ao nível da cooperação bilateral. Coube-lhe ainda a organização da visita do presidente Aristides Pereira à Holanda, Suécia, Finlândia, Bélgica e à Islândia. Com o sucesso desta importante visita de Estado, deu por terminada a sua comissão naquela zona da Europa.

Em maio de 1987, Humbertona foi enviado para Nova Iorque, onde chefiou durante quatro anos a missão diplomática nas Nações Unidas. Enfrentou uma realidade completamente diferente da vivida na Europa, onde todos os países precisam uns dos outros e onde o relacionamento multilateral é potenciado pelos diferentes objetivos de cada um ao nível dos negócios estrangeiros.

Em Nova Iorque, Humberto Bettencourt viveu momentos únicos e que iram para sempre mudar a história da humanidade: a queda do muro de Berlim, a Independência da Namíbia, o fim do Apartheid, o aparecimento e consolidação da Perestroika, entre muitos outros acontecimentos enriquecedores na sua já rica carreira diplomática.

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O “Depósito Geral de Adidos” e a carreira empresarial

Regressou a Cabo Verde em janeiro de 1991, antes das eleições presidenciais. Como funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros, solicitou uma licença para poder assumir o cargo de Diretor de Campanha de Aristides Pereira. Apesar da forte derrota obtida nas eleições legislativas e da perda de intensão de voto que foi registada ao longo da campanha, Aristides Pereira assumiu a derrota, mas decidiu que não deveria desistir, indo até ao final. À semelhança de outros que tinham perdido o poder, o regresso de Humberto Bettencourt Santos ao Ministério dos Negócios Estrangeiros mostrou-se penoso, pois não lhes era atribuída qualquer função ativa, caindo muitos deles no esquecimento confinados exclusivamente ao ironicamente denominado “Depósito Geral de Adidos”. Esta situação levou-o a pedir, ainda em 1991, uma licença sem vencimento de longa duração.

Após ter enviado o currículo profissional para várias agências internacionais ligadas às pescas, foi convidado a chefiar uma equipa de consultores para o desenvolvimento da pesca artesanal em toda a costa moçambicana. Foram dois meses de missão: um em Moçambique e o outro em Roma. A partir desse projeto foi convidado a integrar outros projetos em áreas distintas da economia. A experiência adquirida fora da diplomacia, levou-o a abrir em 1992 na cidade da Praia, juntamente com Jorge Lopes, a Basic, primeira escola de informática de Cabo Verde. Este projeto permitiu-lhe permanecer durante quase cinco anos em Cabo Verde. Terminado o período de licença sem vencimento, regressou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. Era ainda um período de alguma crispação política e, como tal, durante esse tempo, também não lhe foi atribuído nenhum papel ou cargo de relevo no Ministério. Ao fim de quase um ano, foi convidado para ser Embaixador em Moscovo, numa embaixada que sabia estar prestes a ser encerrada. Desiludido, cinco dias depois apresentou o pedido de desoneração do cargo. Deixaria, nesse momento, o funcionalismo público de forma definitiva.

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Humberto Bettencourt Santos

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Abraçou a carreira empresarial, gerindo e dinamizando a escola de informática. Continuou as consultorias e criou uma unidade de organização de eventos.

Politicamente, participou ainda no núcleo da campanha eleitoral de 2001 que elegeu José Maria Neves para Primeiro-Ministro de Cabo Verde. Após as eleições, foi-lhe proposta uma pasta ministerial no então governo. Apesar de inicialmente ter aceitado o cargo, teve de o renunciar, pois o momento era inoportuno. Com a esposa na Bélgica a lutar contra um cancro, um filho a terminar o liceu em Boston e uma filha a terminar a formação no Brasil, Humberto Bettencourt Santos viu-se sem condições de assumir a pasta que lhe tinha sido delegada. O ordenado que iria receber como ministro, não lhe permitiria alcançar os mesmos ganhos que obtinha como consultor e empresário.

Uns meses depois, foi convidado a assumir o cargo de Presidente do Conselho de Administração da Cabo Verde Telecom. Uma vez que era uma função não executiva que lhe dava liberdade para se deslocar e acompanhar os tratamentos da esposa e a formação dos filhos, acabou por aceitar. Esteve à frente dos destinos da CV Telecom de maio de 2001 até setembro de 2012, altura que escolheu para se reformar.

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Humberto Bettencourt Santos

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Humbertona é, atualmente, cônsul honorário da Holanda e da Bélgica, mantém ativa a atividade de consultor e dedica mais tempo à sua eterna paixão pela música e pelo violão. Faz ainda parte da comissão nacional responsável pela candidatura à UNESCO da morna como Património Imaterial da Humanidade. É um eterno apaixonado por Cabo Verde, pelas suas gentes e tradições.


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Comentários

  1. Jose Machado da Silva Diz: Novembro 7, 2015 at 11:11 pm

    Os meus parabens ao Dr.Humberto. Admiro-o e não me canso de ouvir a sua musica. Comprei o seu primeiro LP (Lágrimas e dor) em 1969 no Mindelo. Ouvi-o mais de 1000 vezes. Desapareceu-me à 15 anos numa mudança de casa. Ainda hoje tento encontrá-lo em qualquer casa à venda, mas sem sucesso. A sua musica acompanhou-me toda a vida, e a falta deste entristece-me. Se me puderem ajudar a encontrar este, e
    outros trabalhos deste grande musico, e não só fico eternamente grato.
    Parabens Dr.Humberto pelo que fez.

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