Eva Verona Ortet – Investir no relançamento da agricultura
21 Fev 2013

Eva Verona Ortet – Investir no relançamento da agricultura

Eva Verona Ortet

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Descendente de uma família de agricultores e agrónoma de profissão, Eva Verona Ortet sempre conviveu de perto com a realidade do setor agrícola nacional. Fez o seu percurso académico na Bulgária e na Bélgica. Após o seu regresso ao País, fundou uma empresa agrícola na qual empregou toda a sua paixão e saber. Trabalhou ainda no Ministério da Agricultura de 1985 até 2001, altura em que entrou na cena política nacional como deputada. Lidera atualmente o Ministério do Desenvolvimento Rural. 

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Profunda conhecedora do meio agrícola nacional, Eva Ortet tem nos jovens cabo-verdianos a maior esperança e confiança quanto ao futuro do setor. O seu grande objetivo é mostrar aos jovens que a agricultura é um setor determinante para uma mudança radical no mundo rural, para que haja mais emprego e rendimentos mas, sobretudo, para tentar profissionalizar o setor, atraindo para a agricultura cada vez mais jovens quadros qualificados.

O desenvolvimento rural com poucos recursos hídricos, é quase impossível de implementar. Como é possível industrializar o setor e ao mesmo tempo torná-lo atrativo e rentável em Cabo Verde? 

Fazer parte de um governo que teve a iniciativa de se preocupar com o maior problema que Cabo Verde enfrenta, isto é, a falta de recursos hídricos, e que investiu como nenhum outro na mobilização da água é, para mim, um orgulho e um privilégio.

O nosso maior desafio é a adaptação do setor agrícola às mudanças climáticas que se registam no País. Em Cabo Verde há dois fatores essenciais que temos de contornar: a água e o solo. Estruturalmente, Cabo Verde possui uma área cultivável muito reduzida, com apenas 10% da superfície total capaz de ser usada na agricultura, daí que ao se investir nas culturas de regadio, que são precisamente as que dão maior rendimento económico, e tendo em conta o potencial do mercado turístico, da diáspora e do nosso próprio mercado interno – onde atualmente já se consome mais de 50% do que se produz – penso que as grandes apostas realizadas por parte do Governo ao nível das infraestruturas de retenção e irrigação, foram as opções acertadas para o desenvolvimento do setor, para o aumento dos rendimentos dos agricultores e, consequentemente, para o aumento da criação de riqueza no País. Mais de 78% do investimento do Ministério do Desenvolvimento Rural (MDR), vai atualmente para a retenção e irrigação, pois é precisamente a escassez de água o fator limitante da nossa produção.

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Depois de termos a água mobilizada, necessitamos que os agricultores vejam a agricultura como um negócio. Até há uns anos atrás, praticava-se em Cabo Verde uma agricultura de subsistência, em que apenas se cultivava para o autoconsumo. Atualmente já não é assim. Já se constatou que a agricultura pode ser um excelente negócio em Cabo Verde e incutir essa ideia nos nossos agricultores é um dos objetivos do MDR. Tendo água e mercado, certamente que os agricultores cabo-verdianos abraçarão a agricultura como uma das atividades base da nossa economia, tornando-a num setor tão rentável como outro setor económico qualquer.

Todas as ilhas têm as suas especificidades. Quais são os principais polos de desenvolvimento agrícola em Cabo Verde e que formas de escoamento têm para colocar a sua produção no mercado, nomeadamente noutras ilhas do arquipélago? 

Todas as ilhas têm potencialidade de produção agrícola. A Boavista, por exemplo, que é uma ilha classificada como turística, tem um grande potencial de produção agrícola. Com a mobilização de água através dos diques recentemente construídos, a capacidade de produção aumentou exponencialmente, podendo mesmo reduzir-se de forma substancial as importações – que eram a principal fonte de fornecimento às unidades hoteleiras e às populações – conseguindo-se assim equilibrar os preços que, por falta de produção local e pelas dificuldades ao nível dos transportes, eram altamente inflacionados. A Ilha do Sal é outro exemplo onde esperamos, que daqui por poucos anos, à semelhança do que já acontece em São Vicente com o aproveitamento das águas residuais para a agricultura, se torne autossuficiente em termos de produção agrícola com uma capacidade de retenção na ordem dos 9,5 milhões de metros cúbicos de água reutilizada passíveis de serem utilizados na agricultura, fruticultura e espaços verdes.

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A unificação do mercado é outro dos desafios para os agronegócios. A resolução deste problema passa pela resolução de outro tipo de constrangimentos, nomeadamente os transportes entre as várias ilhas. O Governo está ciente desta problemática, por isso, está a trabalhar afincadamente na questão dos transportes marítimos inter-ilhas. Está-se também a pensar na criação de uma empresa de logística, capaz de fazer a recolha das várias produções agrícolas em cada uma das ilhas.

É possível melhorar ou mesmo introduzir novas tecnologias produtivas que não sejam tão dependentes dos recursos hídricos?

Neste momento estamos a introduzir novas tecnologias de produção, tais como as culturas hidropónicas. A hidroponia é a ciência de cultivar plantas sem solo, onde as raízes recebem uma solução nutritiva balanceada que contém água e todos os nutrientes essenciais ao desenvolvimento da planta. Atualmente, quem abastece de alface as grandes cadeias turísticas a operarem em Cabo Verde é já uma empresa nacional que cultiva alface em sistema hidropónico na Ilha do Sal. No entanto, por exemplo ao nível dos cereais, Cabo Verde ainda está longe de se tornar autossustentável.

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Que planos tem o MDR para reduzir esta dependência do exterior?

Somos um país importador, pois estruturalmente não podemos ser autossuficientes. Ao nível dos cereais, produzimos apenas 20% do nosso consumo. Produzimos apenas o milho; não produzimos trigo, nem centeio nem arroz, o que nos obriga a importar entre 80 a 90% dos produtos base da alimentação da nossa população. Isto não quer dizer que não possamos produzir outro tipo de alimentos que possam substituir estes produtos de base. O Ruanda é disso um exemplo, substituindo muitos dos cereais que importava por outro tipo de produtos, tais como a mandioca e outros. Contudo, estamos cientes que podemos ser autossuficientes em muitas outras culturas, tais como os legumes, as frutas e a pecuária, e é nesse sentido que estamos a trabalhar.

Para contornar a carência produtiva dos cereais, o Governo, em parceria com outros países, tem elaborado alguns protocolos nos quais é possível cultivarmos terrenos nesses países. Um dos protocolos de maior sucesso nesta área é com o Paraguai, de onde brevemente iremos receber um carregamento de cereais, precisamente provenientes de um terreno que o Governo de Cabo Verde adquiriu nos anos 80. Estamos a replicar este modelo, negociando com outros países, (mais concretamente com Angola e a Guiné Conacri) parcelas de terreno onde poderemos produzir, tornando-nos assim autossuficientes também ao nível dos cereais.

Toda essa estratégia de mudança tecnológica implica uma reformulação das competências do capital humano, das qualificações técnicas e do perfil do agricultor. Que medidas têm sido tomadas pelo Ministério do Desenvolvimento Rural para dotar os agricultores de competências para lidar com todos estes avanços tecnológicos e fazê-los acompanhar esta visão estratégica do Governo?

Não pudemos mudar de um dia para o outro a mentalidade e a forma de produzir de muitos agricultores. Haverá certamente muitos que continuarão a produzir uma agricultura de subsistência. Contudo, há agricultores que estão recetivos e ansiosos por receber formação sobre estas novas técnicas produtivas. É também um desafio para nós, pois à medida que vamos alargando as zonas de produção, vamos tendo mais dificuldades em apoiar e em dar assistência presencial a todos eles.

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Estamos atualmente a trabalhar na utilização das novas tecnologias de informação como veículo privilegiado de comunicação para, de uma forma rápida e objetiva, veicular algumas informações técnicas essenciais ao sucesso dos novos empreendimentos. De uma maneira geral, os novos agricultores, com visão mais empreendedora, têm acesso à Internet, por isso é relativamente simples para nós chegarmos até eles através deste importante meio de comunicação.

Também encontrámos nos operadores económicos que comercializam os fatores de produção, parceiros privilegiados na divulgação de informações técnicas produtivas aos agricultores, pois em última análise, são eles que, ao fornecerem-lhes os meios técnicos necessários à produção agrícola, lidam mais de perto com as suas necessidades e dúvidas.

Usamos também o denominado Campo Escola, em que juntamos o maior número possível de agricultores de uma determinada região e onde um técnico do Ministério dá formação sobre novas técnicas e dá a conhecer as necessidades de produção agrícola em função das carências do mercado.

Como classifica a agricultura produzida antigamente com a que se pretende atualmente implementar? 

Há uns anos, a grande preocupação do MDR era a quantidade de produção, baseado numa agricultura de subsistência. Atualmente, a nossa estratégia é o fomento dos agronegócios, capaz de introduzir valor acrescentado na cadeia de produção. Por isso, estamos sempre atentos à forma como trabalhamos com os agricultores, selecionando os que estão dispostos a correr o risco de uma atividade nova. Também não pretendemos subsidiar a atividade, apenas pretendemos que a classe se aperceba que, com uma pequena ajuda (como seja, por exemplo, o acesso melhorado ao financiamento), é possível abraçar esta atividade com uma visão empresarial e empreendedora, tornando-a uma atividade de futuro. Um dos grandes desafios é cativar os jovens para o setor. Temos já muitos jovens interessados nas novas tecnologias de cultivo, como a micro irrigação, as culturas hidropónicas ou de estufa. Se modernizarmos os métodos de produção, certamente que vamos tornar o setor mais atrativo.

Há ainda o setor da pecuária. O que está o Ministério do Desenvolvimento Rural a fazer para, também nesta área, fomentar o desenvolvimento e o empreendedorismo? 

A pecuária é um setor que possui tantas ou mais potencialidades que o setor agrícola, uma vez que pode ser desenvolvida sem a dependência direta da água. É um setor onde cada família do meio rural tem tradição. Ainda não há muitas empresas a apostar na atividade pecuária, que é uma das áreas de maior potencialidade do País. Temos, por isso, uma pecuária de subsistência, em que cada família cria para consumo próprio e raramente comercializa a sua produção.

Com as novas técnicas de inseminação artificial, com a introdução de novas raças melhoradas e a melhoria das pastagens, a pecuária pode ser um setor tão importante quanto o da agricultura. É um dos setores que poderá aumentar o PIB nacional, no entanto, são necessários alguns investimentos ao nível das infraestruturas da cadeia produtiva, tais como matadouros e locais de armazenamento adequados. Penso que, após resolvida a questão da retenção de águas, poderemos começar a preocupar-nos com a qualidade das pastagens e, em consequência, com a modernização do setor pecuário, transformando-o numa área de negócio moderna e atrativa para os jovens e investidores.

Apesar de Cabo Verde ser um país de mar, a área da aquacultura e da piscicultura não será também um setor de interesse nacional? 

Neste momento, existe um projeto em curso para a introdução da aquacultura nas futuras barragens de Cabo Verde. Há quem concorde e há quem discorde; penso que o desenvolvimento da aquacultura e mesmo o da piscicultura, com a introdução de novas espécies, poderia ser um complemento para a nossa pesca, pois contrariamente ao que a maioria das pessoas pensa, Cabo Verde não possui tanta diversidade de peixe como inicialmente se possa imaginar. A nossa capacidade de captura também é limitada, pelo que a piscicultura e a aquacultura seriam bons complementos para o setor piscícola.

Como é que o Ministério do Desenvolvimento Rural tem interagido com outros Ministérios e organismos, de modo a equilibrar as exigências do setor agrícola com outras necessidades das populações rurais? 

A estratégia do Governo é conseguir uma integração total em todas as áreas. Quando se fala da mobilização da água para o setor agrícola, não são descartadas outras áreas igualmente importantes para as populações rurais, como sejam a saúde, a educação, a eletrificação rural, o abastecimento de água potável, etc. Há uma interligação entre todas estas áreas. Para termos um desenvolvimento rural harmonioso e integrado, não podemos pensar apenas na agricultura, temos que a complementar com todas as outras áreas. Para fixarmos as populações rurais nas suas terras de origem, temos de lhes proporcionar meios de integração: transportes, energia, estradas, saúde e educação. Atingidos estes objetivos, atingimos a finalidade suprema que é, para as populações rurais, a diminuição da pobreza. Por isso, a articulação entre todos os Ministérios é um dado adquirido, uma vez que trabalhamos todos para o mesmo objetivo.

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Para cada unidade percentual de redução da pobreza, há uma contribuição de 75% do setor agrícola. Como tal, se queremos reduzir os índices de pobreza e aumentar os rendimentos, temos forçosamente que investir nos setores primários. Cabo Verde é um dos poucos países da nossa região em que o investimento público no setor primário ultrapassa os 12% em relação aos investimentos totais do País.

Sendo a agricultura cabo-verdiana essencialmente de cariz familiar, com a presença de pequenos agricultores, o que é que o Ministério do Desenvolvimento Rural tem feito, por forma a fomentar o associativismo e o cooperativismo da classe?

O associativismo entre a classe dos agricultores cabo-verdianos atingiu já um nível interessante. Nestes últimos anos, foi prática do Governo impulsionar o associativismo e o cooperativismo dentro da classe, o que fez com que existam atualmente várias associações um pouco por todo o País. O fomento do associativismo deve-se fundamentalmente à reduzida dimensão das nossas parcelas agrícolas, o que faz com que seja difícil industrializar o setor. Devido à economia de escala, para transformarmos a agricultura cabo-verdiana num negócio rentável, os agricultores têm de se associar, pelo menos para comercializarem os seus produtos. No ano passado, o MDR, dentro dos objetivos da FAO, desenvolveu uma forte campanha junto dos agricultores nacionais incentivando-os ao associativismo e explicando todas as vantagens deste tipo de modelo de cooperação.

Com a construção das novas barragens em curso, o modelo do associativismo entre os agricultores terá que ser relançado, para assim mais facilmente se rentabilizarem os investimentos que estão a ser feitos no setor agrícola. No entanto, a iniciativa tem sempre de partir dos próprios agricultores; o Ministério do Desenvolvimento Rural apenas pode aconselhar e orientar na criação das associações e cooperativas agrícolas, por forma a que os agricultores possam adaptar a produção às reais necessidades do mercado e consigam, pela economia de escala, escoar os seus produtos aos menores custos, obtendo assim mais rentabilidade pelo seu trabalho, aumentando desta forma o nível de riqueza, que é, afinal, o que todos queremos para Cabo Verde.


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Comentários

  1. domidelcy@gmail.com Diz: Maio 7, 2015 at 11:14 am

    O MDR já fez grandes trabalhos mas precisa consolidar tudo que já fez com mais integridade de todas as instituições para que nenhum dos trabalhos feitos não ficassem desvalorizada ou seja sem seu devido uso, como por exemplo as barragens perante consenso entre as Camara Municipais, Delegações do MDR, SONERF-EP, Associações dos Agricultores e outras instituições estão muito a quem do desejado

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