18 Mar 2021
Eduarda Semedo
O meu nome é Eduarda Maria da Cruz Semedo. Nasci em São Vicente. Aos quatro anos de idade, perdi a minha mãe. Quem me trouxe para São Tomé foi uma senhora chamada Cucuna que me ajudou a criar. Era uma miudinha inocente, sem saber para o que vinha. A Cununa e eu chegámos a 10 de janeiro de 1953. Tínhamos viajado de Cabo Verde no Luanda. Comecei o meu contrato na roça Dona Augusta e fiquei por lá durante nove anos. Foram nove anos de castigo, com muito sofrimento. Nem merece a pena agora falar nisso. São águas passadas. Todos os dias chorava e maldizia a minha sorte.
Em 1962 tive a possibilidade de visitar o meu pai que estava a morrer em Cabo Verde. Ainda o consegui ver com vida. Fiquei lá uns tempos, mas não tinha trabalho. Era já uma mulher adulta e, por isso, tinha que ganhar a minha vida. Resolvi voltar para São Tomé. Quando voltei a ver a cidade de São Tomé, veio-me novamente à memória todo o sofrimento que aqui tinha passado e comecei outra vez a chorar. Convenci-me que algo de muito mau deveria ter feito para merecer tal sorte. Carregaram-nos num batelão e despejaram-nos no cais como se de animais se tratasse.
Quando cheguei a terra, um rapaz ofereceu-me um pedaço de jaca. Olhei para ele com indignação e não aceitei. Expliquei-lhe que na minha terra não existia jaca e por isso, tinha medo que me fizesse mal. Cheguei a pensar para comigo que o mais certo era eles estarem a dar-nos aquilo para nos matarem. Só lhe dizia no ka cre, no ka cre. Por fim carregaram-nos numa carroça puxada a cavalos e trouxeram-nos aqui para a roça de Água Izé. À chegada deram-nos café de feijão para beber. Como se atreveram a dar-nos café de feijão? Eu, Eduarda Maria da Cruz Semedo a beber café de feijão? Nunca! Em Cabo Verde nunca bebi café de feijão e não ia ser aqui que o iria beber? Jamais. Recusei.
Aqui, nesta roça, tive oito filhos; sete homens e uma menina. Foi aqui que deixei a minha tripa. Uma mulher quando deixa a tripa numa terra, passa a ser dessa terra e a minha tripa está aqui, por isso, é aqui que vou terminar os meus dias. É aqui que quero ficar.
Roça Águas-Izé – São Tomé