16 Jun 2012
É necessário voltar a olhar para a interioridade humana
Padre Gonçalo Carlos
Há seis anos como diretor da Escola Salesiana de Artes e Ofícios, o Padre Gonçalo Carlos é um homem confiante no futuro do desenvolvimento pessoal dos jovens, e no progresso socioeconómico das gentes de São Vicente. Contudo, alerta para a necessidade de uma introspeção pessoal em cada um, como forma de contributo para o equilíbrio e estabilidade da sociedade atual.
A vinda dos Salesianos para Cabo Verde, remonta ao início dos anos 40 do século passado, quando um grupo de três padres e três irmãos se instalaram no seminário da Vila da Ribeira Brava, na ilha de São Nicolau. Uma década depois, a convite do Bispo da Diocese D. Faustino Moreira dos Santos, o Padre Francisco Leite Pereira acompanhado pelos restantes cinco salesianos, transfere-se para São Vicente, onde iniciam a recuperação das instalações do antigo Hospital Militar, dando origem ao atual espaço da Escola Salesiana de Artes e Ofícios.
Conforme diz o Pe. Gonçalo Carlos, “este trabalho de reconstrução, contou com o apoio das gentes da ilha, assim como com a colaboração da Província Portuguesa da Sociedade Salesiana auxiliada pela Fundação Calouste Gulbenkian”. Inicialmente, foram criados os pavilhões para albergar os cursos profissionais de alfaiataria, sapataria e carpintaria. Na década de 70, foi construído um lar para estudantes, que, por escassez de estabelecimentos de ensino nas outras ilhas, ou por falta de recursos financeiros, não podiam continuar os seus estudos nos locais de origem. Nos anos 90, e fruto da cooperação com o governo alemão, a Escola de Artes e Ofícios integrou o ensino profissional e recebeu o ensino secundário geral.
Em 2005, inaugurou o seu pavilhão desportivo. Foi um acontecimento com grande significado para a comunidade salesiana, pois conforme explica o Padre Gonçalo, “para Dom Bosco – o patrono da Escola – eram necessárias três condições para se poder ensinar: um bom cozinheiro, um campo para praticar desporto e uma capela, por isso a inauguração do gimnodesportivo foi um acontecimento que nos deu muita alegria”. Atualmente, a Escola Salesiana de Artes e Ofícios, está em fase de consolidação do ensino geral, preparando-se para lecionar até ao 12º ano de escolaridade. Pretende acompanhar o desenvolvimento das novas tecnologias, acompanhar o desafio da qualidade educativa e continuar a ser uma escola de referência, quer em São Vicente, quer no resto do país.
A Escola Salesiana tem por finalidade a educação cristã e humana dos jovens, tornando-os capazes de assumir as suas responsabilidades na sociedade dos nossos dias. Aliando à instrução a formação plena dos jovens, pretende educar segundo o modelo do Projeto Educativo de Dom Bosco. Quando em 1841 Dom Bosco começou a recolher das ruas de Turim os jovens que, sem formação e emprego vagueavam erraticamente desprovidos de orientação social, iniciou um modelo de formação inovador e socialmente ativo, que consistia em tornar o aluno consciente e responsável dos seus atos. Este modelo formativo é, ainda hoje, a base de orientação da Escola Salesiana de Artes e Ofícios, em que os jovens são ajudados a encontrarem-se em todas as suas dimensões, sejam elas humanas, espirituais ou morais.
Tal como no tempo de Dom Bosco, “os jovens de hoje necessitam de sentir que há alguém que se preocupa com eles, e esse é um dos objetivos do nosso sistema educativo”, refere o diretor, e adianta que, “tal como no início dos salesianos em Cabo Verde – que contavam apenas com três padres e três coadjutores – e que, face às condições e recursos que tinham fizeram um trabalho de verdadeiros heróis, também, atualmente, as necessidades e desafios que se nos deparam são muitos, mas temos de arregaçar as mangas e continuar o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido desde esses tempos, pois mais que diagnosticar os problemas, temos que lhes dar respostas, pois a nossa sociedade mudou. É atualmente uma sociedade pluralista, modernizada e global. É uma sociedade de comunicação, de novas tecnologias e de velocidade, como tal, espera respostas imediatas. Em diálogo com os jovens, temos que perceber que respostas procuram face aos desafios que esta sociedade lhes coloca”, e conclui dizendo que, “antigamente, estava claro o que a sociedade precisava, mas hoje não é assim tão evidente. Os próprios jovens vivem uma incerteza existencial, o que os leva a não saberem o que pretendem. Por isso, a nossa resposta perante estas novas realidades, tem de ser concertada e articulada num diálogo permanente”.
Para o Padre Gonçalo Carlos, um dos motivos que origina esta incerteza vivida atualmente pelos jovens, é o facto de as próprias famílias terem alterado os seus padrões religiosos. “Antigamente, havia uma sociedade essencialmente católica, seguidora dos ensinamentos de Cristo. As famílias eram frequentadoras assíduas da comunidade eclesial, e isso tinha implicações diretas no comportamento da sociedade. Hoje em dia, ao nível da escola, mais de 50% dos alunos não é sequer batizado, o que faz com que esses conceitos morais que eram transmitidos de geração em geração, se estejam a perder, originando uma perda de valores que se reflete ao nível comportamental dos mais novos”.
Para combater esta desagregação de valores morais e sociais, o sistema educativo salesiano, assenta em três pilares fundamentais: a razão, a amabilidade e a ligação com Deus. Conforme explica o Pe. Gonçalo Carlos, “a razão leva a que nos esforcemos a ajudar os jovens no desenvolvimento das suas potencialidades. Para isso, necessitamos de nos empenhar em construir uma escola de qualidade, em que professores, educadores e auxiliares de ação educativa, possuam formação académica e científica de qualidade. Por outro lado, a amabilidade é fundamental para o desenvolvimento de todas as competências sociais dos mais jovens, nomeadamente a tolerância, o respeito e o civismo, o que lhes permite sentirem a escola como a sua segunda casa. E finalmente a religião, que, hoje em dia, é um desafio para toda a comunidade salesiana”.
Desde sempre que a escola salesiana tem essa missão de evangelização, que a par da educação e baseada numa pedagogia cristã orientada para o valor do evangelho, faz a ponte entre os jovens e Deus. Tal como refere o Padre Gonçalo, “o grande objetivo da Escola de Artes e Ofícios, é criar um ambiente onde todos, incluindo a comunidade educativa, sintam e expressem o amor ao próximo, baseado em princípios cristãos”.
Na sociedade atual, essa falta de amor ao próximo é muitas vezes substituída por hábitos consumistas, aos quais os mais jovens são particularmente vulneráveis. Esta vulnerabilidade, “combate-se com a interioridade do sagrado, que faz parte do ADN humano, mas que, ultimamente, a sociedade tem relegado para segundo plano”, refere. “Temos de estar atentos às necessidades espirituais de cada um, pois todos nós necessitamos de um motivo para viver, para esperar e para lutar. Os jovens não são exceção, e quando olham em seu redor e vêm problemas como o desemprego, o alcoolismo, as drogas e a prostituição, ficam desorientados nos seus objetivos de vida”, e conclui que, “se esses problemas não forem resolvidos à luz da fé, através de princípios cristãos, tornam-se motivos de desencorajamento. É por isso nossa obrigação, através desse elemento espiritual, ajudar os jovens a saber esperar, lutar e a não desistir, pois há um sentido para se viver e esse sentido está para além do tempo”, e termina dizendo que, “apesar das grandes dificuldades que todos os dias se nos deparam, se cada um de nós fizer o bem, rapidamente e em conjunto, ultrapassaremos as contrariedades do nosso mundo. Alguns dos problemas que atualmente se observam na sociedade, provêm da dissociação entre a interioridade espiritual e o mundo físico. É pois nossa obrigação, voltar a equilibrar estas duas componentes essenciais ao ser humano, para assim conseguirmos ultrapassar muitos dos problemas da nossa sociedade.”
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eu adoro a minha escola