De Igreja Matriz a Sé Catedral — A história da igreja de Nossa Senhora do Rosário
16 Ago 2016

De Igreja Matriz a Sé Catedral — A história da igreja de Nossa Senhora do Rosário

Em 1533, foi criada na Ribeira Grande, ilha de Santiago, a Diocese de Cabo Verde e Guiné. Contudo, devido às más condições de salubridade daquela região, alguns bispos mostravam-se reticentes em ali residirem, procurando em determinadas alturas do ano outros pontos do arquipélago com melhores condições de habitabilidade.

Em 1758, numa dessas fugas da Ribeira Brava, o bispo D. Frei Cristóvão de Boaventura descobriu o ameno e saudável clima de São Nicolau. Gostou tanto das condições que encontrou que tentou a transferência legal dos bispos e do Bispado da Ribeira Grande para a ilha de São Nicolau. A cinco de novembro de 1788, em carta redigida à Rainha da Coroa, D. Frei Cristóvão expõe as carências da Diocese e as suas necessidades, das quais fazia parte o imperativo de mudar a sede do Bispado para uma ilha mais salubre. Informa que, “do ardente e doentio do clima são excetuadas quatro ilhas, duas povoadas, a saber: a de S. Antão e de S. Nicolau, e duas não povoadas, a saber: a de S. Vicente e Santa Luzia”. Na mesma carta, o bispo refere a existência de uma igreja em São Nicolau, mas adiantou haver necessidade de edificar novos edifícios de culto capaz de fomentar e fortalecer a presença da Igreja na ilha.

 

Sé Catedral - São Nicolau

 

A perentória recusa do reino em transladar o bispado não tardou a chegar, contudo, a Coroa permitiu que D. Frei Cristóvão residisse a maior parte do ano na ilha de São Nicolau.

Apesar dos entraves iniciais a Ribeira Brava acabou por ser o local escolhido para a instalação do Paço Episcopal, que foi mandado construir junto à Igreja da Nossa Senhora do Rosário. Consta também que, por decisão de Frei Cristóvão, procurando minimizar os custos da sua construção, pediu que cada família de S. Nicolau contribuísse com a dádiva de uma garrafa de azeite de purgueira, cujo lucro final serviria para cobrir algumas despesas.

Com a morte do bispo D. Frei Cristóvão em 1798 São Nicolau vê-se novamente sem bispado. Só em 1803, D. Frei Silvestre de Maria Santíssima chegaria a São Nicolau para tomar a posição do antigo bispo. Encontrou a Igreja Matriz de São Nicolau praticamente arruinada e decide mudá-la para outro local. Com dinheiro das suas economias pessoais e com a colaboração da população da vila, D. Frei Silvestre inicia a mudança da Igreja Matriz para o largo principal da Ribeira Brava a 18 de janeiro de 1804. Só em 1811 é que a construção da Igreja Matriz viria a ficar concluída.

D. Frei Silvestre viria a falecer dois anos depois, a 22 de novembro de 1813 e foi sepultado na capela-mor da igreja que mandou construir. Com verbas cedidas pela Irmandade do Santíssimo Sacramento, esta nova igreja seria mais tarde reedificada pelo padre Miguel e por Teófilo José Dias.

 

Sé Catedral - São Nicolau

 

Em 1867, São Nicolau viria, por fim, a confirmar a instalação da Sede do Bispado de Cabo Verde coincidindo esta data com a chegada do novo bispo D. José Luís Alves Feijó. Seria este mesmo prelado a ter o privilégio de inaugurar o Seminário-Liceu de São Nicolau.

Mais tarde, a Igreja Matriz foi recuperada para servir os seus novos desígnios: tornar-se a Sé Catedral da diocese, vindo a ser inaugurada a 8 de maio de 1898 pelo bispo D. Joaquim Augusto de Barros. Um documento de 1894 referia o valioso contributo do povo da Ribeira Brava para que esta obra se tornasse realidade: “…tendo o povo da vila da Ribeira Brava da ilha de S. Nicolau concorrido pelo seu trabalho manual e gratuito para a construção do edifício da Sé desta diocese, seguindo por aquela forma o exemplo do digno prelado e do Vice-reitor do Seminário-Liceu, os quais por seu turno ofertaram materiais importantes para o mesmo fim, cooperando com as obras públicas da província para se levar a efeito a construção daquele templo, como é conveniente para o decoro e respeito pelos actos e crenças religiosas”. Este templo foi recuperado numa conjugação de esforços e necessidades que mobilizaram a intervenção não só do governo da província, a título financeiro, mas também e, obviamente, dos elementos do clero e da população da ilha.

A outra torre que não fazia parte da traça primitiva, foi levantada nesta altura. Segundo Ferreira da Silva, “começou-se a edificar a Sé Catedral em 1888, sendo consagrada em Maio de 1898, com as mesmas dimensões que tinha a igreja antiga, obra de D. Frei Silvestre. Ficou com mais pé direito, com o tecto estucado e ornado por florões de ‘carton-pierre’, a capela-mor bem ornada de mosaicos e um altar que é obra de arte, feito em Braga. A sacristia do Cabido e a casa capitular estão bem ornadas para paramentos e tecto estucados, tem mais uma sacristia para o serviço paroquial, com a suficiente decência. Ficou com duas torres, que não são muito elevadas”.

 

Sé Catedral - São Nicolau

 

Por fim, em 1944, o bispo D. Faustino Moreira Santos acabaria por transferir a sede do bispado para a capital do arquipélago, centralizando desta forma os poderem políticos, administrativos e eclesiásticos na cidade da Praia, na ilha de Santiago.

A igreja de Nossa Senhora do Rosário, além do património histórico e arquitetónico que encerra, faz também parte da memória coletiva das gentes de São Nicolau como tendo sido sede do Bispado de Cabo Verde e Guiné e ter servido de Sé durante quase dois séculos. A constante presença de sacerdotes e atos religiosos que se verificava um pouco por toda a ilha, viria a contribuir de forma decisiva para a profunda religiosidade deste povo secular.


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