28 Jul 2016
FICASE — Criar mais e melhores oportunidades para os jovens cabo-verdianos
Da fusão entre o Instituto Cabo-verdiano de Acção Escolar, o Fundo de Financiamento de Bolsas de Estudo e o Fundo de Edição de Manuais Escolares, nasceu a FICASE – Fundação Cabo-verdiana de Acção Social Escolar. O novo organismo pretende intervir de forma mais articulada e consertada no apoio às famílias mais carenciadas e que necessitam de ajudas para manterem os seus filhos na escola. Pretende ainda garantir o acesso dos alunos ao sistema educativo nacional, desde o ensino pré-escolar, passando pelo básico e secundário, e mesmo contribuindo para a integração de alunos carenciados mas com potencialidades ao nível do ensino superior. O presidente do conselho de administração da FICASE, Felisberto Moreira, dá-nos a conhecer os programas e objetivos a que se propõe a Fundação.
A FICASE tem como uma das áreas fundamentais de atuação a aplicação do regime de gratuitidade da escolaridade obrigatória através do sistema de apoios e complementos socioeducativos. Entre as suas atribuições está a conceção, orientação e coordenação de ações de apoio ao sistema educativo, assim como proporcionar serviços e ações de apoio social, garantindo a igualdade de oportunidades e a equidade no acesso aos benefícios da educação, assegurando o desenvolvimento saudável, equilibrado e harmonioso dos alunos mediante a promoção de ações de saúde escolar, atendendo às necessidades nutricionais durante a sua permanência em sala de aula.
Compete ainda à FICASE colaborar em programas e ações de fomento à mobilidade dos jovens no acesso ao sistema educativo e a sua participação em programas de formação profissional, promovendo a sua entrada no mercado de trabalho. Além do desenvolvimento destas atividades, compete ainda à FICASE promover e apoiar a criação de residências públicas para estudantes, financiar a edição, impressão ou reimpressão de manuais escolares e outros materiais didáticos para o ensino básico e secundário, assim como conceder subsídios para formação pós-secundaria e profissional.
Quantos alunos, a nível nacional, beneficiam dos programas da FICASE?
Intervimos essencialmente ao nível do pré-escolar e do ensino básico onde implementamos um plano de Cantina Escolar que, na sua essência, consiste em distribuir refeições quentes a todas as crianças dos jardins infantis públicos e nas escolas básicas. É um plano que funciona há quase 40 anos e que atualmente abrange mais de 90 mil alunos. Iniciou-se como um projeto-piloto que, paulatinamente, foi crescendo atingindo atualmente todo o território nacional beneficiando todos os alunos do ensino público. Ainda ao nível do ensino básico, somos também responsáveis pela organização dos kits escolares os quais distribuímos anualmente a mais de 40 mil alunos. Desenvolvemos ainda o programa de saúde escolar cujo objetivo é incutir nos educandos hábitos sadios suscetíveis de provocar mudanças de comportamentos para, desta forma, termos uma sociedade sã e mais promissora.
Além destes programas, temos ainda intervenções ao nível do transporte escolar nas zonas mais isoladas do país com um programa que abrange aproximadamete três mil alunos. Também intervimos ao nível do financiamento de bolsas e subsídios para alunos do ensino superior e profissional, assim como o pagamento de propinas escolares aos alunos economicamente mais carenciados. Este programa de bolsas e subsídios abrange, na sua totalidade, mais de nove mil alunos. Finalmente, contamos ainda com um programa de residências estudantis, cujo objetivo é assegurar o alojamento adequado aos alunos mais carenciados, proporcionando-lhes melhores condições para completarem os seus estudos. Temos neste momento cinco residências, cada uma com capacidade para acolher até 112 alunos. São atualmente beneficiários deste programa 454 jovens.
Todos esses programas são assegurados internamente pelo FICASE?
Neste momento estamos em fase de organização da nossa estrutura. A nossa ideia é ter uma estrutura leve, mas que consiga dar resposta aos grandes desafios que todos os dias se nos deparam. Temos vários serviços internos, como os de alimentação e nutrição escolar, de saúde escolar e o de ação social, que se ocupa de todas as questões que têm a ver com apoios e com os programas socioeducativos. Temos ainda o setor das residências estudantis com cinco residências de estudantes espalhadas em vários concelhos do país e ocupamo-nos também dos transportes e dos materiais escolares do ensino básico que necessitam de constante monitorização, como tal, em todos os concelhos temos equipas que trabalham na implementação dos nossos programas. Temos ainda, a nível local, o apoio das delegações do Ministério da Educação que é o órgão ao qual reportamos.
Para a implementação desses programas a FICASE conta com o apoio de parceiros?
A FICASE tem parceiros governamentais os quais são responsáveis pela implementação de políticas sociais e que, até certo ponto, acabam por complementar todas as ações que desenvolvemos. Também procuramos desenvolver parcerias com instituições locais, nomeadamente as câmaras municipais e com a sociedade civil.
De acordo com os programas desenvolvidos, procuramos parcerias que acrescentem valor à sua realização. Por exemplo, ao nível da nutrição e segurança alimentar, procuramos trabalhar com o Ministério da Agricultura e do Desenvolvimento Rural. Possuímos uma equipa técnica que faz o levantamento das necessidades e que propõe as ações a realizar, tais como o envolvimento dos agricultores locais na produção e abastecimento das cantinas escolares.
Para os programas relacionados com as propinas, o transporte e os materiais escolares, o levantamento das necessidades é feito envolvendo também os delegados do Ministério da Educação e Desporto, os professores, os gestores, as associações comunitárias e as próprias câmaras municipais. À FICASE cabe essencialmente a tarefa de verificação e aplicação dos regulamentos definidos garantindo a justiça no processo de seleção dos beneficiários.
Realizamos também fóruns anuais para partilha de informações e recolhemos subsídios para melhorar e alargar o âmbito das nossas ações.
Quais são as principais limitações e constrangimentos na implementação destes programas sociais?
Uma das nossas limitações é, até certo ponto, a nossa incapacidade de dar resposta a todas as necessidades. Felizmente, no nosso país generalizou-se o ensino básico e construíram-se liceus em vários pontos do país. O ensino universitário também já é uma realidade em algumas ilhas e, como é natural, existem alunos que pretendem estudar mas cujas condições económicas não o permitem. Apesar de todo o nosso esforço, verificamos que ainda não conseguimos apoiar todos aqueles que realmente precisam.
Depois há a dificuldade de articulação com os diversos parceiros institucionais que atuam nesta área social, quer seja ao nível governamental quer não-governamental. Por vezes, devido a essa desarticulação, é-nos difícil conseguir a garantia de que um aluno não esteja a beneficiar de vários apoios, o que acaba por não ser muito justo face a outros alunos que também necessitam de apoio. Contudo, o Governo já tomou medidas para minimizar este problema. Ao tomar a decisão de ter apenas uma estrutura capaz de desenvolver os programas de ação escolar, faz com que muitas destas sobreposições de apoios tenham tendência a acabar. A ação social e escolar é transversal: aquilo que nós fazemos acaba por resolver outro tipo de problemas. Neste momento estamos a trabalhar numa plataforma de articulação com um conjunto de mecanismos muito bem definidos, com encontros periódicos entre os vários parceiros o que acaba por facilitar essa articulação acabando por ajudar na rentabilização dos recursos disponíveis para apoio das famílias mais carenciadas.
Falar de ensino implica falar de famílias e das carências que as mesmas têm. Muitas vezes os problemas são dissimulados e de difícil identificação. Como fazem para identificar esses problemas?
Temos de possuir alguma capacidade técnica para fazer esse levantamento. A partilha de informações e o acesso a uma base de dados única que nos permita direcionar os apoios de forma coordenada é, por isso, fundamental para o sucesso da nossa intervenção. Essencialmente, procuramos reforçar a estabilidade, defendo que o melhoramento das condições de vida das pessoas depende, por um lado, da disponibilização de recursos materiais e, por outro, da sua educação. Educar as pessoas é a base fundamental para as conseguirmos tirar da pobreza, por isso, temos apostado fortemente na educação, desde o ensino básico ao superior. Temos já muitas pessoas com curso superior, mas é necessário criar condições para que depois estas pessoas se possam integrar no mercado de trabalho e, desta forma, fazer com que o seu núcleo familiar se desenvolva num espírito empreendedor.
É um trabalho que tem de ser feito por todos. Há instituições que nos podem ajudar bastante, como por exemplo, as igrejas, que têm um papel importante na melhoria da estruturação da família. Por vezes, há casos de pobreza que resultam sobretudo da desorganização da estrutura familiar. Há jovens, alguns deles sem maturidade psicológica, casam e têm filhos, pouco tempo depois acabam por se separar e os filhos tornam-se as principais vítimas dessa desestruturação, muitos deles acabando invariavelmente na pobreza.
Ao nível geográfico, podemos identificar focos mais problemáticos?
Sim. Há estudos do INE que identificam esses focos. Se analisarmos esses números, podemos chegar à conclusão que há zonas onde a pobreza é maior. No âmbito da caracterização da situação sócio económica das famílias, procuramos trabalhar com dados, definindo cotas em função da pobreza em cada concelho e, às vezes, da própria localidade. São vários os critérios, mas um deles é o grau em que se integra a pobreza. Temos ilhas e localidades mais problemáticas nas quais procuramos reforçar a nossa intervenção.
Uma vez mais, apenas com uma plena articulação com outras instituições e organismos, tanto a nível governamental como a nível local, se conseguirá identificar e atuar junto desses focos de pobreza. São situações que nós acreditamos que, juntando esforços, podemos resolver com recursos que, muitas vezes, existem no terreno e que não estão bem aproveitados. Queremos, por exemplo, fazer um levantamento da situação das casas de banho nas escolas ou mesmo nas famílias dos alunos que se encontram no sistema escolar e, as câmaras municipais podem colaborar nessas ações com um mínimo de custo, ao invés de nós termos de contratar pessoas para fazer esses levantamentos. São inúmeras as possibilidades que temos e, muitas vezes, apenas dependem da criatividade, da iniciativa e da forma das pessoas encararam a resolução dos problemas.
Para 2014, que ações pretende a FICASE implementar e que gostaria de destacar?
No âmbito do programa Saúde Escolar, estamos empenhados em desenvolver uma nova abordagem. Em parceria com a Saúde Escolar e o Ministério da Saúde temos a ideia de serem os estabelecimentos de ensino a promoverem a saúde. É uma iniciativa que tem vários eixos. Saliento a questão da água e do saneamento na escola, a alimentação e nutrição, a capacitação profissional das pessoas, o desporto escolar e a atividade física como aspetos fundamentais para a saúde das crianças. Com o envolvimento dos gestores, delegados de saúde, enfermeiros e vários outros parceiros locais, pensamos que esta iniciativa irá revolucionar, nas escolas, a abordagem da saúde pública.
Também temos no alargamento do programa de compras locais de abastecimento uma prioridade. Pretendemos contribuir para que haja mais oportunidades para os agricultores locais, produzindo e abastecendo as cantinas escolares. Nesse quadro, pretendemos introduzir algumas inovações no sistema de gestão do programa da distribuição das refeições quentes na escola. Acreditamos que envolvendo os privados no condicionamento e distribuição de refeições quentes (parceria público-privada) poderemos melhorar consideravelmente a eficiência do programa da alimentação escolar.
Quais são os incentivos do Estado para fomentar essas parcerias com o setor privado, de modo a que este tenha uma maior intervenção no campo social?
Existe a lei do mecenato que incentiva os privados a apoiarem as instituições. Temos estado a sensibilizar as empresas e neste momento já temos praticamente quase todas as maiores empresas do país a colaborarem connosco no financiamento, por exemplo, do programa de kits escolares.
São também várias as empresas que têm vindo a contribuir no financiamento de projetos específicos para o melhoramento de infraestruturas e dos equipamentos das cantinas escolares. Falando de parcerias público-privadas, queremos ir um pouco mais longe, sobretudo na perspetiva da subcontratação ou da terciarização de determinados tipos de serviços e áreas do Programa de Alimentação Escolar. A título de exemplo, temos em cada escola uma pequena cozinha com o equipamento necessário para confecionar uma refeição, mas, em situações onde existam quatro ou cinco escolas próximas, não faz sentido estarmos a desperdiçar recursos que podem ser aproveitados para outras necessidades. A nossa ideia é introduzir algumas inovações, por exemplo, ter uma cozinha central que fará depois a sua distribuição pelas várias escolas da zona.
Consegue-se mesurar já resultados obtidos, por exemplo ao nível da alimentação das crianças versus aproveitamento?
Para nós, isso também é um desafio muito grande. É difícil conseguirmos ter dados concretos que nos mostrem claramente o impacto e a correlação entre a refeição escolar e o aproveitamento. O que podemos dizer com alguma propriedade é que, sem o Programa de Alimentação Escolar e sem os programas sócio educativos da FICASE, a educação não teria atingido o patamar que nós temos hoje. São um conjunto de ações com um impacto importantíssimo, sobretudo no seio das famílias mais pobres. Muitas vezes uma criança sai de casa sem fazer nenhuma refeição e está a contar com a refeição que vai fazer na escola. Para algumas crianças, a refeição escolar é o incentivo para ir à escola.
Sabemos que se não distribuíssemos os kits escolares no início do ano, muitas famílias não tinham qualquer possibilidade de adquirir qualquer material escolar para os seus filhos. O mesmo se passa ao nível do transporte escolar e das residências para estudantes.
Ao nível do ensino superior, o programa das bolsas de estudo, quer no país, quer no estrangeiro onde a FICASE investe mais de 500 mil contos, é crucial para a capacitação futura das novas gerações.
Qual é o seu maior desejo para o futuro da FICASE?
É conseguir fazer com que esta instituição seja capaz de garantir a sua sustentabilidade e que todas as ações que desenvolvemos possam ser enquadradas numa visão bem definida e estratégica para o desenvolvimento do país.
Que consiga fazer com que o Programa de Alimentação Escolar, que é um programa que dependia essencialmente do financiamento externo do PAM (Programa Alimentar Mundial), seja um programa verdadeiramente nacional e assumido pelos cabo-verdianos. O meu desejo é que esse programa seja assumido pelos governantes, pelos políticos e que tenhamos instrumentos legais que possam perpetuar no tempo este programa, independentemente de ser o partido A ou o partido B no Governo. É necessário que todos entendam este programa como prioridade nacional.
Gostaria também que a organização fosse reconhecida ao nível internacional contribuindo para que outros países pudessem ter programas semelhantes, quer ao nível da alimentação quer ao nível da educação. O nosso modelo de Ação Social e Escolar ganhou, em 2009, um prémio internacional atribuído pela Organização Mundial da Família, em Paris. Há dois anos fomos convidados também para partilhar a nossa experiência na Cúpula Mundial da Família, que teve lugar no Brasil.
O nosso trabalho, que resulta do esforço de toda a equipa, da sociedade cabo-verdiana e dos nossos parceiros, está já a ser reconhecido pelos organismos internacionais e isso é muito importante, pois permite que, cada vez mais, as pessoas que nos apoiam se revejam nos resultados obtidos, os quais contribuem decisivamente para a realização dos sonhos de milhares de crianças e jovens em Cabo Verde<