09 Ago 2016
Isildo Armando da Silva — Unir os bravenses em torno do desenvolvimento
Isildo Armando da Silva nasceu na Ilha do Fogo em 1947. Aos onze anos de idade abandonou a sua ilha natal e foi estudar para Santiago, onde viveu até completar os seus estudos médios. Depois, partiu para Portugal onde se licenciou em Engenharia Agrónoma e Ciências Agrárias. Regressou a Cabo Verde e, a par com as ciências agrárias, desenvolveu uma fervorosa militância clandestina no PAIGC. A luta pela independência de Cabo Verde levá-lo-ia, em 1972, a ter de fugir do país sob pena de vir a ser preso por acusação de subversão ao regime. Após a Independência Nacional, Isildo Silva regressa a Cabo Verde, contudo, contrariamente ao que previa, em vez de continuar a sua carreira como engenheiro agrónomo, foi destacado para os quadros da Polícia Nacional. Posteriormente, como Delegado do Governo, integrou uma comissão de serviço na Ilha Brava, experiência que o viria a marcar para toda a vida.
Na sua longa carreira, que inclui passagens por Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe e mais recentemente como Cônsul Geral em Itália e nos Estados Unidos da América, a comissão que realizou entre 1980 e 1984 como Delegado do Governo na Ilha Brava deixou-lhe boas recordações. Porquê?
Ter sido Delegado do Governo na Ilha Brava foi, de entre todas as missões que me foram confiadas, talvez aquela que me tenha dado maior satisfação. Quando cheguei à Brava, notei que era preciso implementar uma política de “choque”, capaz de dinamizar toda a ilha. Todas as áreas sociais estavam estagnadas, a começar pelas escolas, a saúde, o desporto e as infraestruturas. Nos quatro anos à frente dos destinos da Brava, trabalhei para alterar esta situação. Quando terminei a minha comissão, a Brava já tinha estradas, uma equipa de futebol que era o orgulho dos bravenses, e talvez a melhor rede de escolas que na altura existia em Cabo Verde.
Dinamizei ainda o setor produtivo da Brava através da criação de sistemas de irrigação para a agricultura. A Ilha Brava tem terrenos agrícolas muito férteis, mas não tinha água para os irrigar. Eu e a minha equipa conseguimos na altura levar a água a quase todos os povoados da Brava. Nesta área, fizemos um trabalho muito extenso na ribeira de Fajã de Água. Renovámos cinco velhas estações de bombagem que já não tinham capacidade para satisfazer as necessidades da ilha e construímos um depósito de armazenagem que permitiu a distribuição da água em grandes quantidades.
Nessa altura, qual era a densidade populacional da Ilha Brava?
Aproximadamente 3 mil e quinhentas pessoas. Passados todos estes anos, a população da Brava não acompanhou o aumento populacional que se regista noutras ilhas do arquipélago. Penso que a emigração, sobretudo para os Estados Unidos da América é o principal motivo desta lenta evolução populacional. Já na altura, ninguém via o seu futuro a ser vivido na Brava. A maioria vivia com o objetivo de emigrar e, como tal, investiam pouco ou quase nada.
Também era muito difícil abandonarem a Brava para irem para outras ilhas estudar. Lembro-me que as primeiras pessoas a saírem da Brava para estudar na Praia fizeram-no com bolsas de estudo, sendo que duas delas foram dadas diretamente pela Presidência da República e as outras duas pelo primeiro-ministro e pela Câmara Municipal. Como tal, para quem ambicionava um futuro melhor, a emigração era a alternativa possível.
As acessibilidades e os transportes são fundamentais para o desenvolvimento da Ilha Brava. Passados estes anos todos, que analogia faz relativamente às infraestruturas na altura existentes e as que atualmente existem?
Quando cheguei à Brava, no projeto alemão de infraestruturação da ilha já estava incluído a construção de um aeroporto, por isso, foi durante a minha governação que foram feitas as estradas de acesso a esse aeroporto. Foi um esforço muito grande por parte do então Governo para se incluir no projeto estas estradas. Por ficar situada numa zona rochosa e íngreme, a estrada custou mais do dobro do aeroporto.
Quando terminei a minha comissão, a Brava já tinha estradas, uma equipa de futebol que era o orgulho dos bravenses, e talvez a melhor rede de escolas que na altura existia em Cabo Verde
Passados poucos anos, verificou-se que a localização do aeroporto não era a melhor, o que acabou por ditar o seu encerramento. Concorda com a opção de anular um dos principais meios de acesso à ilha, ditando ainda mais o seu isolamento?
Com a experiência que tenho hoje, penso que o local não era o mais apropriado para se construir um aeroporto na Ilha Brava, mas também admito que talvez não exista nenhum outro local na ilha melhor que o que foi selecionado.
Para um leigo na matéria, o local onde foi construído o aeroporto parecia ser o ideal. Era o único local da ilha capaz de albergar uma pista com dimensões razoáveis. Na altura, pareceu-me bem escolhido. Só mais tarde viemos a constatar que aquela é uma zona de ventos cruzados e que não permite que as aeronaves aterrem em segurança. Ainda pensámos solucionar o problema aumentando a pista, mas as dificuldades de manobra subsistiram e, por diversas vezes, os pilotos tiveram mesmo que desistir da aterragem e regressar à Praia. Desta forma, o encerramento do aeroporto foi a opção mais natural.
Contudo a questão não ficou encerrada, havendo muitos que insistem que a Brava deveria ter um aeroporto. Com a experiencia que viveu, acha isso possível?
Há quem afirme que, na Cova de Joana, existem condições para se construir um novo aeroporto. No entanto, aquela zona já é habitada e tem muita edificação. Para se construir ali um novo aeroporto, teria que se realojar na íntegra a sua população. Em termos de custos, penso que seria muito melhor termos um helicóptero com capacidade para 25 passageiros que fizesse o trabalho de um avião.
A melhoria das acessibilidades marítimas não seria uma opção?
Pensou-se que se resolveria o problema do acesso à ilha através da aquisição de embarcações rápidas, que pudessem fazer o percurso Brava/Fogo em 20 minutos. Só que o mar da Brava não permite que se pense apenas em velocidade; tem que se ter em consideração a estrutura do barco. Há períodos em que é quase impraticável viajar naquele mar e, até barcos grandes, apresentam dificuldades. A questão de se fazer a acessibilidade à ilha por via marítima é mais adequada para cargas e não resolve o problema do transporte de pessoas. Esta é uma situação que só pode ser resolvida se as pessoas se sentarem à mesma mesa e discutirem as opções, caso contrário irão andar sempre a fazer experiências.
Na sua opinião, qual é o contributo da Ilha Brava para o desenvolvimento económico de Cabo Verde?
Enquanto os problemas com as acessibilidades à ilha não forem ultrapassados, a Brava apenas poderá aspirar a contribuir para a economia de Cabo Verde através da melhoria das condições de vida dos seus habitantes. À semelhança de outras ilhas do arquipélago, a Brava não produz nada de especial, como tal, terá de ficar sempre dependente do desenvolvimento das ilhas com mais potencialidades. Esta situação apenas será revertida quando os acessos à Ilha Brava forem semelhantes aos existentes para as ilhas mais desenvolvidas do país. A Brava tem condições de exportar produtos agrícolas, tem potencial ao nível do turismo natural, tem história e cultura e tem o mar e a tradição piscatória. Mas, sem transportes eficazes para exportar os seus produtos agrícolas ou o seu pescado e sem condições para cativar os turistas a visitarem a ilha, será muito difícil evoluir da situação em que atualmente se encontra.
À semelhança de outras ilhas do aquipélago, a Brava não produz nada de especial, como tal, terá de ficar sempre dependente do desenvolvimento das ilhas com mais potencialidades.
Com todo o potencial que referiu, porque é que o desenvolvimento da Ilha Brava ainda se encontra em estado latente?
De uma forma muito crítica, quando visito a Brava digo que vejo o que deixei. A Brava é das ilhas onde existiu uma brilhante oposição ao Governo. No entanto, em 1991, quando o MpD ganhou as eleições na Brava, tentou expulsar todos os que estavam na oposição. Aqueles que ficaram (porque a lei não permitia que fossem afastados), não eram chamados a colaborar, o que fez com muitos deixassem de produzir e de se interessar pelo desenvolvimento da ilha. Para mim, isso fez com que a Brava não desse o “salto”. Ficou com pouca gente capaz de fazer alguma coisa, e os que podiam fazer, também nada faziam porque não eram chamados para o efeito. O aparelho de Estado continuou a ter custos, mas sem produzir, e a Brava estagnou.
Mas as iniciativas não têm de partir sempre do Estado; os privados também deveriam participar no desenvolvimento mas, no caso da Brava, não se vê grandes investimentos privados como se vê noutras ilhas do país. Em sua opinião, a que se deve o desinteresse em os bravenses investirem na sua ilha?
Se houver um bravense com capacidade para investir, vai faze-lo em São Vicente, ou na cidade da Praia. Desculpam-se com a falta de acessos à ilha, e os atrasos dos transportes. Por um lado é verdade, mas há outro tipo de investimentos que não estão diretamente ligados a estes problemas. Mesmo no tempo em que o aeroporto funcionou e havia um navio poderoso que aguentava o mar da Brava, apesar das constantes ações de sensibilização e até de apoios por parte do Governo, os bravenses não investiam. Não aproveitaram as oportunidades que lhes foram dadas. As pessoas da Brava quando saem e se conseguem instalar noutro local qualquer, já não querem voltar à Brava. Mesmo quem sai para fazer formação superior dificilmente retorna.
Os bancos estão abertos a financiar projetos para a Brava, mas não há iniciativa. É óbvio que não serão pessoas de Santiago ou de outra ilha do arquipélago que deverão ter essa iniciativa, devem ser os bravenses mas, tal não tem acontecido.
Esse procedimento generalizado inclui os emigrantes?
Claro! Todos os emigrantes querem voltar à Brava mas apenas para passarem férias e para participarem nas festas. Reparam as casas de família, deixam os terrenos e as chaves entregues a alguém e partem novamente. Atualmente, com a estagnação que se sente na Ilha Brava, o sonho do bravense em ir para os Estados Unidos da América é ainda mais forte, chegando ao ponto de não estudarem e nem trabalharem, limitando-se apenas a esperar a oportunidade de emigrar.
Essa inércia que fala também acontecia no tempo em que foi Delegado do Governo na ilha, ou é uma atitude mais recente dos bravenses?
Nem sempre foi assim. Lembro-me que, durante a minha governação, enfrentei, em 1981, um período muito crítico. Tínhamos sofrido um temporal que tinha arrasado toda a ilha. Foi uma tempestade com direito a nome, tamanho foi a violência com que assolou a Brava. Na altura, tinha ido ao Fogo. Quando cheguei à Brava deparei-me com um cenário desolador. Estava praticamente tudo destruído: as casas estavam todas destelhadas e só se mantinham em pé as que eram feitas de betão. Em torno de uma causa comum, que neste caso tinha sido uma catástrofe, todos os bravenses se uniram e, com o apoio do Governo de então e da comunidade de emigrantes radicados nos Estados Unidos da América conseguimos, em apenas cinco meses, reconstruir toda a ilha, incluindo o próprio cais do porto. Por isso, reafirmo que é preciso motivar os bravenses pois quando se sentem determinados em alcançar um objetivo, de uma forma geral conseguem faze-lo.
Posso continuar a dar outros exemplos da determinação dos bravenses. Recordo-me que, no dia em que ia para a Brava iniciar a minha missão como Delegado do Governo, a equipa de futebol da Brava jogava contra a equipa de São Vicente na Ilha do Fogo. Como sou um apaixonado por futebol e ainda tinha algum tempo livre até à saída do barco que me levaria à Brava, fui assistir ao jogo. Nesse jogo a equipa da Brava perdeu por 11-0! Fiquei triste e prometi a mim mesmo que iria mudar a situação. Com o empenho de todos os bravenses, um ano depois a equipa da Brava chegava à final do Campeonato de Cabo Verde. Logo de seguida, ganhámos dois importantes torneios contra as melhores equipas do país. Em pouco tempo, o desporto da Brava, em particular o futebol, saiu do marasmo em que se encontrava, pois as pessoas reuniram-se em torno dessa causa. Todas ansiavam algo que representasse condignamente a sua ilha e, encontraram no futebol uma causa para tal.
Que mensagem gostaria de deixar para os bravenses?
Que sejam mais expeditos e mais criativos. Que não fiquem à espera das remessas que os familiares enviam dos Estados Unidos da América e que se preocupem em criar qualquer coisa de útil à comunidade. Unam-se em torno de objetivos comuns e façam renascer o cooperativismo, pois juntos serão mais fortes.