17 Mar 2021
Atanaldo da Veiga
O meu nome é Atanaldo da Veiga. Nasci a 10 de novembro de 1944, na Calheta. Vim para Omeses. Corria o ano de 1963. Vim para São Tomé e Príncipe com 18 anos e alguns meses. Não tinha necessidade de vir trabalhar como contratado nestas roças mas, junto com os colegas, vim à aventura. Coisas de juventude! Quando tinha dois anos de idade, fui para a casa da minha madrinha, que não tinha filhos. Ela criou-me com tudo o que havia de bom. Nunca me faltou nada. Quando fiz os 18 anos, em noite de funaná e paródia, decidi, junto com os colegas, que era altura de conhecer o mundo. Afinal, essa era o sonho de todos os cabo-verdianos. Falámos com um outro colega que já cá tinha estado e resolvemos também arriscar. Pensávamos que isto aqui era um paraíso. Quando transmiti a decisão que tinha tomado à minha mãe, a coitada gemeu todas as noites até ao dia em que embarquei no Amboim. Desde o dia em que saí de Cabo Verde nunca mais vi a minha mãe. Ela morreu com esse desgosto, e eu fiquei com esta imensa mágoa.
Durante os três primeiros anos que trabalhei na roça Porto Real não houve um único dia que não tenha chorado de saudades e arrependimento. Felizmente, quando cá cheguei, já não havia os castigos, mas sempre havia abusos que melindravam a nossa dignidade. Os brancos quando viam que nós éramos moles aproveitavam, e sobrecarregavam-nos ainda mais. Isso atormentava-me dia e noite.
Naquele tempo, nesta terra parecia não haver sol. Era chuva dia e noite. O trabalho mais pesado que fiz foi juntar e transportar cocos. Tinha que carregar com oito sacos de cocos, cada um com 36 cocos. Começava a trabalhar às cinco da manhã e, durante as duas ou três primeiras horas, era sempre a caminhar até ao local da apanha. Depois era apanhar os cocos. Por volta das cinco da tarde, regressava à sanzala com o peso dos cocos às costas. Isto todos os dias. Cada dia que passava, mais distantes estavam os cocos para apanhar.
Cada vez era mais difícil encontrar coqueiros em locais acessíveis e, quase desesperado, lembrei-me que, junto à praia, havia uns coqueiros carregados com cocos. O problema é que era expressamente proibido apanhar aqueles cocos. O desespero foi tal que, pequei numa corda, e trepei o coqueiro. Os cocos ainda estavam verdes, mas mesmo assim enchi os sacos. Para meu azar, o capataz quando se apercebeu do que eu tinha feito, por vingança, obrigou-me a cortar cocos nos coqueiros mais altos da plantação. Aleguei que na minha terra não havia coqueiros tão altos, e que, por tal motivo, não sabia trepar aquelas alturas, mas de nada me valeu. Fui salvo desses abusos pela PIDE, a polícia política do antigo regime, que eram homens que não tomavam partido. Eram pela justiça, independentemente da cor dos envolvidos. Contrariamente ao que muitos pensam, não foram apenas os africanos que foram explorados; houve muitos portugueses que aqui também foram explorados e maltratados.
Trabalhei muito nesta terra, que é uma terra boa. O problema é que foi, e ainda é, mal gerida. Atualmente, tenho um grande campo onde cultivo ananás. Quando chega aos meses de outubro, novembro e dezembro, tenho milhares de ananases prontos para serem vendidos. O problema é que ninguém os compra. Então, os ananases apodrecem no campo e com eles apodrece o nosso trabalho. Se houvesse uma gestão direcionada para os produtores, podíamos viver todos bem, mas isso não existe. Cada um tenta sobreviver por si, e está provado que tal não resulta. Pensava que vinha trabalhar para um dia ter uma velhice tranquila, mas enganei-me! Contrariamente aos dias em que cá cheguei, atualmente já não choro, apenas me sinto conformado com o destino.
Santo António – São Tomé