18 Ago 2016
As grandes opções para o desenvolvimento de São Nicolau
Nelson Rosado de Brito nasceu em São Nicolau, em 1980. Em 2002, licenciou-se em Turismo e Marketing pela Universidade do Algarve, Portugal. Desde 2006 que é deputado da nação pelo círculo eleitoral de São Nicolau. Cumpre, atualmente, o seu segundo mandato na bancada parlamentar do MpD.
Como jovem e político, Nelson Rosado de Brito interessa-se particularmente pelos problemas que afetam o futuro do desenvolvimento da sua terra natal, a ilha de São Nicolau. A elevada taxa de desemprego que se regista na ilha, a escassez de meios de transporte, a falta de pessoal médico e a perda de população jovem, encabeçam a lista das suas preocupações. Com uma visão clara sobre os principais problemas que afetam os seus habitantes, o deputado da nação revela-nos, ao longo desta entrevista, algumas das ideias que poderiam ajudar a contrariar a letargia em que se encontra o desenvolvimento de São Nicolau.
Contrariamente às outras ilhas do arquipélago, São Nicolau tem, nos últimos anos, perdido muita população, em especial nas camadas mais jovens. A que se deve esta situação?
De facto, São Nicolau tem um grave problema demográfico. Desde o ano 2000 que tem vindo a perder a sua força de trabalho. Dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística revelam-nos que, desde os censos realizados em 2000 até aos de 2010, São Nicolau perdeu sete por cento da sua população… e isto de forma continuada, ano após ano. Estima-se que, nos últimos 14 anos, tenhamos perdido mais de 10 por cento da população.
A emigração é apontada como a principal causa deste decrescimento populacional. As pessoas, e principalmente os mais jovens, procuram outras ilhas, nomeadamente São Vicente, o Sal, a Boavista ou Santiago, como alternativa à inércia que se regista em São Nicolau. Há, ainda, a emigração para o estrangeiro, concretamente para os Estados Unidos da América, Holanda, Espanha e Itália, que são os principais países de acolhimento dos emigrantes sanicolauenses.
Quem emigra são geralmente os jovens com maior capacidade produtiva e intelectual, deixando para trás os menos dinâmicos, o que é mau para o desenvolvimento futuro da ilha. A força e a principal riqueza de qualquer ilha são as pessoas que a habitam; quantas mais perdermos, mais hipotecamos o futuro do nosso desenvolvimento.
Quais são as grandes potencialidades económicas de São Nicolau?
São Nicolau tem grandes potencialidades ao nível da agricultura, com diversos microclimas com boa capacidade produtiva. Também ao nível das pescas existe potencial de crescimento. Os melhores pescadores de Cabo Verde são os de São Nicolau. Muitos deles lideram a pesca de largo. Estão atualmente todos, ou quase todos, a trabalhar noutras ilhas do arquipélago, como por exemplo, em Santiago.
Tendo em consideração a dimensão do país, São Nicolau é uma ilha grande e diversificada. É uma cultura riquíssima e um enorme peso na história de Cabo Verde. O primeiro liceu na África Ocidental foi, precisamente, erguido em São Nicolau. É também em São Nicolau que se encontra a mais antiga indústria conserveira do país e que ainda hoje é uma das maiores entidades privadas geradoras de emprego. Todos os produtos que saem desta fábrica são vendidos, muitos dos quais até são exportados para os Estados Unidos da América. Só não produz mais por incapacidade de captura.
Depois é uma ilha com boas potencialidades ao nível do turismo. É famoso o Carnaval de São Nicolau. Há grupos carnavalescos com muita história — o grupo Copacabana é o mais antigo do país, com 75 anos, e o Estrela Azul fez recentemente 50 anos. No Carnaval de São Nicolau não há competição, não há prémios monetários; há o reconhecimento e o julgamento popular. É a população que julga a música, os andores e as vestimentas. Depois existem as festas populares de São João, São Pedro e Santo António que misturam o religioso com o pagão e que acolhem sempre milhares de emigrantes que, todos os anos, voltam às suas origens para confraternizarem com aqueles que ficaram.
Com todas essas potencialidades, como explica que São Nicolau não tenha acompanhado em pé de igualdade o desenvolvimento que se tem registado em outras ilhas de Cabo Verde?
Por uma questão de opções. Repare-se que São Nicolau é a ilha mais central do arquipélago. Poderia servir de plataforma aos transportes para as outras ilhas, mas a realidade é que, da lista de problemas que enfrenta, a falta de transportes regulares, quer aéreos quer marítimos, já quase faz parte integrante da sua história. É um problema com décadas que tarda em se resolver. A título de exemplo, e em relação às ligações aéreas, existem cinco ligações com o Sal e uma com São Vicente. Se alguém quiser ir de São Vicente para São Nicolau, tem de ir primeiro ao Sal e depois esperar um dia para poder viajar para São Nicolau. Estamos a falar de um voo de vinte minutos. Em época alta, ou num fim de semana prolongado, não se consegue bilhete, pois os voos estão todos ocupados. Por isso, volto a afirmar que a questão não está ao nível das potencialidades de crescimento de São Nicolau, mas sim da programação do seu desenvolvimento. São, opções que se fazem e que, diretamente, influenciam a vida das pessoas.
E relativamente aos transportes marítimos? Também se colocam os mesmos constrangimentos?
Comparativamente ao que havia até um passado recente, as atuais ligações marítimas operadas por uma empresa privada vieram ajudar a minimizar a escassez que se vinha a registar. Mas, a verdade é que em tempos chegaram a ser melhores; tínhamos ligações semanais com o Sal, Praia e São Vicente. Agora, temos duas ligações semanais com São Vicente e, apenas duas ligações mensais com a Praia, o que é notoriamente insuficiente!
O principal mercado consumidor de S. Nicolau é a ilha do Sal. Entre estas duas ilhas existe uma ligação histórica e cultural muito forte. Muitos dos habitantes do Sal têm origem em São Nicolau. É para o Sal que vai a maioria dos produtos agrícolas e piscícolas produzidos em São Nicolau, principalmente frescos que abastecem as grandes cadeias hoteleiras a operar na ilha do Sal. Apesar da existência deste enorme mercado, a única ligação marítima regular que existe é feita semanalmente e com recurso a uma embarcação muito precária! Os transportes são fundamentais para o desenvolvimento de Cabo Verde e, consequentemente, para o desenvolvimento de São Nicolau! Com uma boa rede de transportes regulares, poderia atingir o patamar de desenvolvimento que se regista já noutras ilhas de Cabo Verde, sem transportes adequados e regulares São Nicolau está condenado!
O problema da falta de transportes está circunscrito a São Nicolau ou é um problema nacional?
É um problema que afeta também outras ilhas e, consequentemente, condiciona o crescimento do país. Na prática, pode-se dizer que sem transportes não há turismo, não há escoamento dos produtos agrícolas, isto é, sem uma rede de transportes capaz de unificar o país, não se consegue alavancar a economia. Se uma pessoa adoecer e tiver de ser rapidamente evacuada, não tem transportes; os estudantes falham as aulas devido a atrasos e cancelamentos de voos; os emigrantes que vêm passar cá as suas férias muitas vezes perdem os voos de ligação com a Europa, etc.
O ensino e a educação têm grandes tradições em São Nicolau. Essa tradição mantém-se até aos dias de hoje?
Ao nível do ensino, São Nicolau já foi uma referência em Cabo Verde e até na África Ocidental. Atualmente, todo esse prestígio e reconhecimento desapareceu. Tirando a construção de um novo liceu no município do Tarrafal, o desinvestimento nas infraestruturas de apoio ao ensino é notório um pouco por toda a ilha. As escolas estão degradadas, há falta de equipamentos, não há laboratórios a funcionar, não há espaços de convívio para os alunos e, em algumas das escolas, não existem casas de banho condignas. Apesar do Ministério da Educação estar ao corrente da situação, tarda em resolver estas questões básicas.
Depois temos o flagelo do abandono escolar. Por falta de condições financeiras, muitos pais veem-se incapazes de suportar os custos das propinas, do transporte e do material escolar. São Nicolau tem o município com a mais alta taxa de desemprego do país. A Ribeira Brava tem, atualmente, uma taxa de desemprego que ronda os 24 por cento, quando a média do país se situa em torno dos 16,4 por cento. Há já mesmo registos de casos de fome detetados na zona Leste da ilha. Apesar de São Nicolau ser uma ilha geograficamente central, ao nível político continua a ser tratada como periférica.
E o que dizer ao nível da saúde?
Há uma grande falta de médicos e de pessoal de enfermagem. O município do Tarrafal, por exemplo, não tem médico residente. É um dos três médicos da Ribeira Brava que tem que se deslocar diariamente ao Tarrafal para efetuar consultas, mas depois das 15 horas e durante os fins de semana as populações ficam novamente sem médico. O Ministério da Saúde defende a existência de dois médicos por município, mas infelizmente não é isso que acontece. Temos igualmente falta de pessoal de enfermagem. Os poucos que temos têm que se desdobrar em turnos duplos diários para conseguirem atender às solicitações. Falta-nos equipamentos básicos. Por exemplo, não temos um aparelho de Raio-X, nem existem meios de diagnóstico, o que faz com que os médicos não arrisquem e, frequentemente, veem-se obrigados a evacuar pacientes para outras ilhas para triagens mais detalhadas. Por norma, essas evacuações têm custos altíssimos. Também é frequente o único laboratório de análises clínicas que existe não possuir reagentes. As pessoas, para fazerem uma simples colheita para análise, têm que se deslocar à Ribeira Brava. Não temos capacidade para efetuar pequenas cirurgias, como uma apendicite, por exemplo. Numa situação mais grave, esta falta de recursos aliada à insuficiência dos transportes, pode ser catastrófica e fatal para os sanicolauenses ou para quem nos visita.
Na sua opinião, a que se deve tal situação?
Tal como já referi, deve-se fundamentalmente às opções feitas pelo Governo. A título de comparação, o Governo tem previsto no próximo orçamento 150 mil contos para publicidade e propaganda! Tem 750 mil contos para associações que, nem sequer são fiscalizadas. Há, por isso, um enorme desperdício de recursos! São opções políticas cujo objetivo é a perpetuação do poder.
O atual Governo quer manter o domínio político do país através do controle do rendimento das populações. Muitas pessoas trabalham para o Estado ou recebem apoios diretos do Estado, como tal, o controle do rendimento é uma das formas de condicionar as populações e o voto! Se houvesse um sector privado com uma classe média capaz, forte e pujante, as pessoas teriam mais liberdade económica e não seriam condicionadas com ofertas, promessas e propaganda durante os períodos eleitorais.
O que se passa ao nível da comunicação social em São Nicolau é um exemplo da atuação do Governo. Não existe na ilha um jornalista pertencente à comunicação social do Estado. Não há uma delegação da TVC ou RTC em São Nicolau. O que se passa em São Nicolau, simplesmente não é noticiado. Todos os problemas e carências que acabei de falar são total e constantemente ignorados pela comunicação social estatal, pois não há interesse em relatar estas realidades.
Se o MpD for Governo, quais as prioridades que definirá para São Nicolau?
A questão do desemprego é, sem dúvida, a mais urgente. Temos que priorizar e apoiar o desenvolvimento de pequenas e médias empresas. Também ao nível fiscal, essa tecido empresarial tem que de ser ajudado e incentivado, pois são elas que terão de se transformar na grande força empregadora do país. Isto serve para todo o território, não apenas para São Nicolau!
Temos também que rever a questão dos transportes de forma a conseguir-se unificar o território nacional. Sem a unificação do mercado nacional, São Nicolau, Maio, Brava e Santo Antão ficarão sempre desprotegidos e sem acesso ao desenvolvimento.
Depois, e de uma vez por todas, temos que resolver a questão da certificação dos produtos nacionais. Não é apenas necessário transportes para levar os nossos produtos para serem consumidos nas grandes unidades hoteleiras; os produtos têm que ser certificados, caso contrário os hotéis não os compram e é toda a economia que perde.
É igualmente necessário incentivar o investimento privado em São Nicolau. Em três mandatos de governação, não se registou um único projeto capaz de alavancar o investimento privado na ilha. Começou-se a construção de um grande hotel no Tarrafal que acabou por ser abandonado. Até hoje não há definição para aquele projeto.
Desde 2001, já foram investidos em Cabo Verde mais de 650 milhões de contos. Este atual Governo foi o que mais investimento público realizou e, nem por isso, se veem os resultados esperados. Tomou opções para investir em betão e, como todos sabem, os retornos desse tipo de investimento só serão alcançados a longo prazo. Esperemos é que quando formos colher os frutos desses investimentos, não seja tarde demais!