30 Jul 2013
António Rosário Ramos – Construir os alicerces para a dinamização do atletismo nacional
[su_spacer]Nasceu no Canto da Fajã, em São Nicolau, no seio de uma família rural. A vida do campo proporcionava-lhe grandes caminhadas. Mais tarde, durante o serviço militar e fruto dessa preparação física, António Ramos é convidado a participar no grupo de atletismo da sua companhia. Especializou-se em estafetas longas de quatro vezes mil metros, o que o encaixou no perfil de “resistência”.
[su_spacer]A história de vida de António Rosário Ramos, confunde-se com a do atletismo nacional. Quando terminou o serviço militar, ingressou no Ministério dos Negócios Estrangeiros onde conheceu Carlos Pereira, antigo atleta do Sporting Clube de Portugal e que na altura procurava dinamizar o atletismo em Cabo Verde. Havia já alguns atletas, como Elias Fernandes, que esporadicamente faziam corridas de fundo, como os 5 ou 10 mil metros, mas o que Carlos Pereira procurava era um grupo mais técnico, capaz de competir em provas de 100, 400, 800 e 1500 metros. “Começámos a praticar no Estádio da Várzea, um estádio que se encontrava numa situação lamentável, ainda cheio de lama. Antes deste relvado sintético, o recinto era de terra batida e como se encontrava a baixo da linha do mar quando corríamos víamos a lama ultrapassar a altura da nossa cabeça”, recorda António Rosário Ramos.
O gosto pelo atletismo e o empenho do grupo fez com que aparecessem outras pessoas, formando um total de 17 atletas que se tornou bastante influente para o futuro do atletismo nacional. Desse grupo saíram nomes como Manuel Moreno, atualmente a competir em Portugal, ou Isménia Frederico. O fervor e os resultados que os então denominados “foguetões” começaram a despontar fez com que o Estado cabo-verdiano contratasse alguns técnicos cubanos para os treinarem. António Rosário Ramos era daqueles que, “seguia religiosamente o programa de treinos: todos os dias, quer fosse pela manhã ou ao fim da tarde, o Estádio da Várzea era o ponto de encontro para o trabalho de grupo”. O técnico responsável pela preparação de Rosário Ramos viu grandes potencialidades no atleta, aconselhou-o a dedicar-se inteiramente ao atletismo e prometeu fazer dele um campeão.
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Em menos de um ano, António Rosário Ramos era já campeão de Santiago Sul na disciplina dos 1500 e 5 mil metros. Estávamos então em 1989. No anos seguinte, o atleta torna-se campeão dos 10 mil metros. Apesar das conquistas, António Ramos não descurou a carreira profissional e, no final de 1990, parte para Portugal para fazer uma formação na área das Relações Diplomáticas e Consulares.
Durante o tempo em que permaneceu em Portugal, integrou-se na equipa do Belenenses onde se dedicou aos 1500 e 3 mil metros. O técnico do clube queria que ele permanecesse, mas motivos profissionais obrigam-no a regressar a Cabo Verde. Dois anos mais tarde, e integrado no curso de economia que realizou no Brasil, representando a Universidade Federal de Pernambuco, no Recife, durante quatro anos.
Quando em 1998 regressa a Cabo Verde, depara-se com a total estagnação da modalidade no país. “Os técnicos cubanos foram-se embora e o atletismo estava num marasmo. Tivemos que dinamizar novamente a modalidade, sob pena desta deixar de existir”, conta o antigo atleta. Começou-se então, em 2006, por criar uma associação de atletismo em Santiago Sul. Após a criação desta associação, ficaram reunidas as condições impostas pela legislação cabo-verdiana (que impõe um mínimo de três associações para a constituição de uma federação). Como já havia a Associação de Atletismo de São Vicente, a Associação de Atletismo do Sal e a Associação de Atletismo da Boavista, com a nova Associação de Atletismo de Santiago Sul a Federação Cabo-verdiana de Atletismo (FCA) arrancou em pleno com a presença de com quatro associações. A partir dessa altura, António Rosário Ramos deixou a presidência da Associação de Atletismo de Santiago Sul de atletismo para ficar à frente da Federação Cabo-verdiana de Atletismo, cargo que ocupa até hoje.
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A falta de recursos financeiros tem sido um dos grandes entraves à expansão da modalidade. Conforme diz o presidente da FCA “existe a matéria-prima, mas há ainda pouca sensibilidade para modalidades como o atletismo, o que se traduz nas poucas verbas disponibilizadas pelo Governo, apesar do esforço que tem sido feito para a manutenção e realização de algumas das atividades da Federação.”
Uma das formas de minimizar esta falta de recursos Estatais para a prática do atletismo é, através do setor privado, complementar algumas das necessidades da Federação, no entanto, conforme salienta António Rosário Ramos, “não tem sido fácil. Temos ido às empresas mostrar que o atletismo, enquanto desporto individual, tem pés para andar, contudo, os desportos coletivos continuam a ser privilegiados pelas empresas privadas. Talvez o futebol, que é um desporto de massa e que leva muita gente ao estádio, seja visto como tendo maior capacidade para mobilizar a promover produtos, no entanto, o atletismo também pode ser uma grande máquina propagandista de divulgação dos produtos não só cá, como em competições internacionais. O atletismo tem o campeonato do mundo de dois em dois anos; o futebol, por exemplo, é de quatro em quatro. Todos os anos o atletismo tem eventos internacionais, durante todo o ano temos provas regionais e internacionais e isso é uma forma de darmos a conhecer o nome das nossas empresas. Aos poucos vamos conquistando o nosso espaço mantendo a vontade de continuar esta luta. A nossa grande motivação é que temos visto que, também as empresas, já começam a acreditar e apostam cada vez mais na modalidade e isso é bom para o futuro do desporto nacional”.
Mas o atletismo não vive apenas de atletas, são necessárias as infraestruturas para os treinos e para as várias competições. Para se fazerem bons atletas de nível internacional em disciplinas muito técnicas, tais como, velocistas, arremessadores, saltadores e lançadores, são precisas infraestruturas de qualidade e essa é uma das grandes dificuldades atuais do atletismo cabo-verdiano. O facto de só haver uma pista com todas as condições para a prática do atletismo, faz com que os resultados dos treinos dos atletas não sejam uniformes, uma vez que variam em função das condições que os mesmos têm para treinar. Conforme diz o presidente da Federação, “tirando o Sal, nas outras ilhas as pistas são improvisadas em torno dos campos de futebol, quase todas de terra batida. Na Praia, a pista é de betão. A única vantagem para os atletas em treinar nestes pisos é que, pelo menos, habituam-se com o circuito e distância exata, ficando assim com uma melhor noção da pista e das curvas”. No meio fundo e fundo, os treinos são feitos nas estradas e no campo. O facto de Cabo Verde ser arquipelágico dificulta ainda mais a prática da modalidade, pois conforme diz Rosário Rosa, “é sempre necessário fazer deslocar os atletas e isso implica custos e dinheiro que não temos, o que acaba por dificultar o desenvolvimento da modalidade”, no entanto, a diversidade de relevos e climas entre as várias ilhas pode ser vantajosamente aproveitado por parte dos atletas. A título de exemplo, foram realizadas experiências em Chã das Caldeiras, na Ilha do Fogo, em alta montanha, onde durante uns meses um grupo de atletas nacionais se preparou para uma prova internacional, com resultados muito satisfatórios. Este poderá ser uma mais valia que Cabo Verde pode oferecer a quem quiser vir para cá treinar.
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Atualmente a Federação Cabo-verdiana de Atletismo conta com mais de três centenas de atletas federados, número considerável, mas ainda insuficiente para as aspirações da modalidade. A esperança da FCA para dinamizar e incrementar este número está na recém criada Comissão de Coordenação do Desporto Escolar, que poderá servir de elo entre os jovens que frequentam o ensino básico e secundário e as várias modalidades desportivas. Conforme sugere António Rosário Ramos, “quer no ensino básico, quer no secundário, os alunos têm educação física. Poderia ser dada a opção e a alternativa à pratica de desportos onde, por vezes, o aluno nem é tão bom – pode ter má nota a futebol, mas ser bom no arremesso”, e conclui que, “um aluno com um pouco de peso a mais pode ser prejudicado em modalidades como futebol ou basquetebol e, no entanto, esse peso poderia favorece-lo noutra modalidade – aqui também depende da sensibilidade do professor.”
A Federação Cabo-verdiana de Atletismo assume um papel preponderante na mudança do atual panorama desportivo ao nível escolar. António Rosário Ramos assume que, a este nível, apesar da sensibilidade dos docentes, há ainda muito trabalho por desenvolver, pois conforme relata, “os professores restringem-se ao programa que têm para cumprir o qual é elaborado pelas autoridades escolares. O nosso trabalho consiste essencialmente em sensibilizar as entidades que elaboram o programa escolar a terem em conta as federações, os professores e os interesses dos estudantes. Há professores que não lecionam atletismo nas suas aulas, mas que, depois do seu horário escolar, junto com as associações, as poucas escolas de atletismo e a Federação, tentam trabalhar a modalidade. Como tal, os professores têm sensibilidade para a modalidade, o que falta é orientação e uma política virada para o desenvolvimento da modalidade”, diz o presidente.
O futuro da modalidade em Cabo Verde passa por estas ações de sensibilização e de recrutamento de jovens, mas também pela existência de infraestruturas adequadas à prática da modalidade. Atualmente, Cabo Verde apenas possui uma pista com todas as condições necessárias à prática das disciplinas mais técnicas. Construída com recursos da Câmara Municipal do Sal, com a cooperação internacional e o apoio do Governo de Cabo Verde, a pista do Estádio Marcelo Leitão, na Ilha do Sal, encontra-se em fase de certificação internacional. Possui oito corredores e tem espaço para saltos. É desejo da FCA que esta pista se torne o berço dos futuros atletas nacionais e que albergue competições regionais, nacionais e, até mesmo, internacionais. Para além desta pista na Ilha do Sal, está igualmente em fase de conclusão o Estádio Nacional, na cidade da Praia, que está preparado para a prática de todas as modalidades de atletismo, inclusive as mais técnicas, como os lançamentos e os saltos.
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O facto de no atletismo serem requeridos mínimos de participação, faz com que a presença de atletas cabo-verdianos em provas internacionais seja muito rara. A falta de infraestruturas adequadas e certificadas tem sido um dos fatores que contribui para a ausência de atletas nacionais nos grandes eventos internacionais de atletismo. Tal como diz o presidente da Federação Cabo-verdiana de Atletismo, “mesmo que se atingissem os mínimos para a participação nessas provas internacionais, esses resultados não seriam válidos internacionalmente, pois há requisitos obrigatórios, tal como o piso e a intensidade do vento a quando a prova; não basta fazer, é necessário usar critérios internacionais que sejam reconhecidos. Como ainda não temos as pistas certificadas a nível oficial, temos de recorrer aos atletas na diáspora (Estados Unidos, Portugal, França, Itália) que possuem marcas obtidas em pistas certificadas e reconhecidas internacionalmente”.
Para o futuro do atletismo, António Rosário Ramos gostaria de ver um maior engajamento por parte das autoridades no apoio à modalidade. “É necessária a sensibilização para a utilidade da construção de infraestruturas viradas para o atletismo. Neste momento, não há um município que não tenha um estádio relvado. No mínimo, temos 22 estádios relvados; se um terço desses estádios tivesse pista de atletismo, seria excelente para o futuro da modalidade.” O atletismo é a modalidade mais inclusiva de todas as atividades – basta sair de manhã para ver toda a gente a correr. Esta prática reduz custos com a saúde, incentiva o bem estar nas nossas populações e promove a inclusão social. São uma série de benefícios que poderemos colher se tivermos apoio do sector privado, da sociedade civil, das autoridades centrais e das autoridades locais.”
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Ao setor privado e aos patrocinadores desportivos, o presidente da FCA pede um maior apoio para as modalidades individuais, que, tal como diz, “têm sido um pouco esquecidas”. Por fim, aos atletas, António Rosário Ramos lembra que “o atletismo é sacrifício: correr debaixo de chuva, no frio, na madrugada, à noite… mas pelo desporto, pelo atletismo e pelo amor que temos ao nosso país, todos os sacrifícios valem a pena.”