18 Mar 2021
Ana Vieira Alves
O meu nome é Ana Vieira Alves. Nasci na Ilha Brava, na freguesia de Nossa Senhora do Monte. Vim para São Tomé e Príncipe em 1954. Era nova. Agora tenho 83 anos. Sinto-me cansada. Fugi da família e vim sozinha, à aventura. Na altura estava grávida e não tive coragem de enfrentar os meus pais. Escondi a minha condição e ofereci-me como contratada. Vim no Ganda. Tive o meu filho na roça, mas infelizmente morreu quando tinha quatro anos de idade.
Depois de três anos a trabalhar, voltei a Cabo Verde, mas resolvi retornar a São Tomé e Príncipe. Os tempos eram difíceis em Cabo Verde e, dificuldade por dificuldade, aqui sempre tinha mais condições de sobreviver. Voltei em 1958 no navio Luanda e desde essa altura nunca mais regressei à minha terra.
Aqui tive cinco filhos, dois homens e três mulheres. Ainda cá estão, junto comigo. Aos netos já perdi a conta.
O período do contrato era difícil. Recebíamos 40 contos que não dava para muito. No início trabalhei no mato; juntava madeira, quebrei coco, apanhei café e tirei capim. Depois tive a sorte de ir trabalhar para a casa do patrão. Estive lá vinte anos. Trabalhei como criada, lavadeira, ajudei a criar os meninos entre muitas outras tarefas domésticas. Foi um período bom da minha vida. Não me faltava nada.
Depois veio a independência e tudo mudou. Começou a faltar trabalho e as condições de vida foram piorando. Entretanto resolveram entregar as lavras para que nós as cultivássemos e assim pudéssemos sobreviver, mas a mim não me coube nenhum pedaço de terra. Disseram-me que já estava velha e que não tinha forças para poder cultivar a terra.
Gostava de um dia voltar a ver o meu Cabo Verde, mas penso que seja muito difícil. Em Cabo Verde já não tenho ninguém. Tenho aqui os meus filhos que sempre me vão ajudando com um pouco de banana e mata-bala. Por vezes passo fome. Nunca tinha passado fome no tempo do colono e agora, quando todos diziam que íamos viver melhor, há alguns de nós que passam fome. Apesar da vida ser muito difícil e não haver dinheiro, aqui sempre me sinto mais amparada.
Dependência Bela Vista – Príncipe