Amélia Pereira Semedo
18 Mar 2021

Amélia Pereira Semedo

O meu nome é Amélia Pereira Semedo e nasci em 1945. O meu pai morreu era eu ainda muito nova. A minha mãe teve de assumir sozinha a responsabilidade de criar os filhos. As coisas não eram fáceis em Cabo Verde, principalmente para uma mulher viúva com filhos para acabar de criar. Então, em 1965, para aliviar a carga à minha mãe, decidi vir para São Tomé e Príncipe trabalhar como contratada

Viajei de Cabo Verde no Kwanza, mas a viagem foi atribulada. Fomos parados durante 3 dias por um submarino que nos queria mandar para o fundo. Pensavam que o navio transportava militares. Todos os que iam a bordo choravam, incluindo um padre que viajava connosco. O que nos salvou foi o facto de virem muitas crianças a bordo. Se assim não fosse, o submarino tinha-nos afundado. 

Quando chegámos foi um alívio para todos, pois pensávamos que não iríamos conseguir sair daquele navio com vida. Depois, já em São Tomé, meteram-me a mim e a outros companheiros dentro de um bote rumo a Porto Alegre. Durante a viagem o mar ficou bravo, a ponto de um tubarão grande quase ter entrado para o bote. A viagem demorou um dia inteiro. Nessa viagem, uma senhora que viajava connosco, perdeu logo ali três filhos. Caíram ao mar e morreram afogados. Eu ia cheia de medo. Era já noite quando, por fim, chegámos a Porto Alegre. 

Durante os dois primeiros dias só estava bem sentada. Nem comer conseguia. Mas eu não tinha sido contratada para ficar sentada, por isso, logo ao outro dia, por volta das cinco da manhã, já estava a pé para trabalhar. A chuva caía torrencialmente. Os mosquitos pareciam ter dentes a ferrarem-nos nas costas. Peguei numa folha de bananeira para me abrigar da chuva, mas nem cheguei a levá-la à cabeça: senti logo uma chicotada nas costas. Era o sinal para avançar. Só quem aqui viveu naquele tempo é que sabe o que aqui se passava! Tive de ir trabalhar assim mesmo, toda molhada. A roça de Porto Alegre era uma roça de castigo. Vivi lá durante três anos. Quando terminou o contrato vim apara cá, para a roça Ponta Figo. Fiquei numa dependência a dezoito quilómetros daqui, da sede.

Aqui me casei e tive 4 filhos. Certo dia, durante o trabalho, o meu marido, ao deslocar-se para Ponta Figo, teve um acidente, caiu numa rocha e morreu. Fiquei viúva com 4 filhos ao meu encargo. O patrão teve pena de mim e arranjou-me uma casa aqui na sede de Ponta Figo onde ainda hoje moro. O tempo foi passando e tive ainda mais 4 filhos. 

No tempo do branco a vida era feita de trabalho. Trabalhei muito. Levantava-me às cinco da manhã para ir para o mato capinar. Tínhamos que regressar com 25 molhos de capim. Todos juntos eram maiores que nós. Se chegássemos à sanzala sem os 25 molhos, não nos pagavam. Quando não era capim, eram cocos. Tínhamos de carregar oito sacos de cocos. É muito peso para uma mulher só.

Agora também trabalhamos muito, mas é para nós. Tenho uma pequena lavra que cultivo. Planto mandioca, batata, milho, abóbora, bongolão. Tenho 70 anos de idade, mas ainda tenho de trabalhar. Se parar de trabalhar vou morrer à fome. Dou graças a Deus pelo dinheiro que Cabo Verde manda e pela pensão que recebo de São Tomé, pois apesar de pouco sempre ajuda alguma coisa. Aqui tudo é muito caro. Um quilo de arroz são vinte contos, um litro de óleo são 40 contos, uma caixa de caldos são vinte contos. Como é que uma pessoa pode viver com 470 contos de pensão? Não pode! Tem de continuar a trabalhar a terra para poder ter alguma coisa para comer, caso contrário, morre de fome. 

Estou aqui por causa dos meus filhos. Se não fosse por eles eu já tinha ido para a minha terra.

Roça Ponta Figo


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