30 Set 2012
Amadeu Cruz – Apostar nas políticas económicas e de crescimento
[su_spacer]
Formado em economia pela Universidade Nova de Lisboa, Amadeu Cruz é pragmático quanto ao futuro da sua terra natal, a qual preside desde 2004. Santo Antão é a segunda maior ilha do país e a cidade de Porto Novo, o seu maior centro urbano. Apostar no ensino e na formação qualificada dos jovens tem sido a sua grande prioridade. O investimento empresarial, as infraestruturas e a promoção da inclusão social, serão as suas apostas futuras.
[su_spacer]
Desde sempre considerada como o “celeiro do país”, Santo Antão baseia a sua economia na exploração agrícola. A agricultura de sequeiro, com grande enfoque na produção de milho, feijão, batata e hortícolas, compete com a agricultura de regadio, com especial destaque para a produção de cana sacarina, de onde se produz o grogue, o principal produto da região.
Paralelamente à agricultura, a pastorícia e as pescas (Porto Novo acolhe o principal banco de pesca do país), também contribuem para o desenvolvimento económico do concelho. Contudo, na cidade do Porto Novo vive-se essencialmente dos serviços e da tradição portuária. O seu porto marítimo é passagem obrigatória de todos os produtos que entram e saem da ilha.
Mais de metade da população do Porto Novo, concentra-se na cidade. Apesar disso, a parte rural do concelho apresenta-se com grande força e pujança, quer pela tradição e vigor económico do passado, quer pela perseverança e empenho no presente.
Como caracteriza o tecido humano do seu município?
É um concelho jovem, com apenas vinte por cento de pessoas idosas com mais de 65 anos. Porto Novo é o único município de Santo Antão que continua a crescer em termos demográficos. Ao contrário de outras ilhas do país, há aqui uma ligeira prevalência do sexo masculino. Temos cerca de cinquenta e um por cento de homens. Penso que tal se deve ao facto de, numa determinada fase, ter havido mais emigração de mulheres para Itália, França e Espanha.
E qual o nível de qualificação dos seus munícipes?
O nível de qualificação dos nossos jovens cresceu muito nestes últimos anos. Possuímos dois estabelecimentos de ensino secundário – sendo um deles uma escola técnica – que servem uma população escolar de aproximadamente quatro mil pessoas.
O nosso principal investimento, que embora não sendo visível é fundamental para o futuro de Santo Antão e de Cabo Verde, tem sido no setor da educação. É um investimento que a sociedade não vê, mas é um investimento que dará frutos no desenvolvimento futuro do Porto Novo. Há que criar as bases para que os nossos jovens tenham uma expectativa positiva em relação ao seu bem-estar futuro, à felicidade pessoal e à satisfação coletiva da sociedade.
Temos feito um esforço muito grande no setor da educação, disponibilizando os apoios possíveis, dentro da atual conjuntura financeira da câmara municipal, por forma aos jovens terem acesso às redes de ensino. Destacaria o pré-escolar, com uma rede alargada de jardins de infância, o que permite que as crianças em meio rural tenham iguais oportunidades às que vivem na cidade. Ao nível do ensino técnico-profissional, mantemos parcerias com escolas em Portugal da mesma forma que, em relação ao ensino superior, temos ajudado muitos jovens a concluírem os seus estudos, quer aqui em Cabo Verde, quer no exterior.
E no campo da saúde? O facto do hospital regional se encontrar no outro lado da ilha é uma condicionante para a qualidade dos serviços de saúde prestado pelo Porto Novo?
De forma alguma. O hospital do Porto Novo, em conjunto com a rede de prestação de cuidados primários de saúde que se encontram distribuídos pelo concelho, está ao nível da média nacional. Tem havido nestes últimos anos uma avanço extraordinário nos indicadores de saúde no país, e o Porto Novo segue esta tendência. Registou-se também um aumento da esperança de vida da população, para certa de 76 anos, o que é bem elucidativo dos avanços que temos vindo a registar. Para isso, contribui o elevado grau de cobertura do abastecimento de água que o município possui. Houve também grandes melhorias ao nível do saneamento. Estes dois fatores juntos, propiciam condições para a melhoria dos indicadores de saúde da nossa população.
Ao nível dos investimentos empresariais, que trazem riqueza para toda a ilha, o que é que está a ser feito?
A esse nível, temos ainda que vencer alguns preconceitos relativos ao investimento privado, que é crucial para o desenvolvimento das nações em todo o mundo e aqui não somos exceção. Em Cabo Verde, pelo menos em alguns segmentos da nossa economia, há ainda complexos em relação a este assunto. Este problema coloca-se independentemente de onde vier o investimento: se for por via de investidores externos, levanta-se a questão da venda das terras – que tem um valor político muito forte devido à elevada carga de populismo e ideias preconcebidas com o prejuízo que isto acarreta – se for por nível do investimento interno, temos um problema cultural enraizado na sociedade, com os constrangimentos que nos impomos a nós mesmos. Isto cria algumas dificuldades na perceção da importância das empresas na sociedade cabo-verdiana.
Apesar de não ser uma área onde a câmara municipal possa intervir diretamente, temos feito um esforço para contribuir para a eliminação destas barreiras políticas, ideológicas e culturais, e que muitas vezes se entrepõem ao investimento produtivo. Estes dois fatores contribuem ainda para as taxas de desemprego que registamos. Sem investimento, não existe emprego, e gera-se a pobreza e a exclusão. Por isso, enquanto cidadão com responsabilidades governativas, trabalho para que haja educação e investimento. A partir destes dois pontos-chave, será então possível construir a justiça social, a promoção da inclusão, o bem-estar e a felicidade das pessoas.
[su_spacer]
[su_spacer]
Quais os tipos de indústria transformadoras de suporte à agricultura, que existem em Santo Antão e em particular no Porto Novo?
A principal indústria, embora ainda de base artesanal, é a produção do grogue a partir da cana-de-açúcar, que é o principal produto de cultivo. No entanto, aqui em Porto Novo, há também o cultivo de hortícolas e frutícolas, daí haverem algumas pequenas unidades de transformação de concentrados de sumos. Há ainda a produção de licores e de compotas.
Acha que Santo Antão estará capacitado para receber outro tipo de indústrias, que não as agroalimentares, contribuindo assim para a economia da ilha?
Claro que está. A prova é a presença em Porto Novo de indústrias de transformação de matérias primas, tais como a fábrica de cimento de pozolana, uma rocha bastante abundante aqui no concelho. Mas há potencial para a instalação de outras indústrias. Apenas depende das opções do desenvolvimento do país, nomeadamente das políticas de industrialização de Cabo Verde.
E que outras indústrias se poderiam aqui instalar?
A indústria têxtil, por exemplo, que poderia encontrar aqui em Santo Antão um espaço privilegiado. Possuímos recursos humanos capacitados, com formação profissional em várias áreas e que, associados ás condições endógenas da ilha, às boas acessibilidades, à disponibilidade territorial e às infraestruturas de telecomunicações e energia, seriam uma mais-valia para qualquer projeto industrial que aqui se pretendesse fixar. Contudo, temos ainda que transformar estas vantagens em excelências competitivas, por forma a que os investidores se sintam atraídos a investir em Cabo Verde.
E o turismo? É um complemento válido em Santo Antão?
Regista-se já um incremento na procura de Santo Antão como um destino turístico. Temos a presença regular de turistas provenientes do centro da Europa que procuram essencialmente uma oferta diferenciada, mais virada para a natureza. Santo Antão pode oferecer essa diferenciação. Não concorrendo diretamente com outros destinos internos – mais vocacionados para o turismo balnear – é singular na oferta de um turismo alternativo, que privilegia a natureza e o contacto direto com as populações, etnografia e cultura.
As melhorias que estão a ser feitas ao nível do porto marítimo darão um contributo a essa captação turística?
Sem dúvida. Apesar de o porto marítimo, em termos de profundidade e dimensão, não ter as condições necessárias para receber cruzeiros de grande porte, pode acolher passageiros que nos visitem em navios de menor envergadura. No entanto, as melhorias que estão a ser realizadas ao nível do porto marítimo, não irão dispensar a necessidade do aeroporto. Se quisermos oferecer os nossos serviços turísticos diretamente aos mercados emissores, necessitamos de um aeroporto capaz de receber voos de médio curso, provenientes da Europa e da costa de África.
Sendo o Porto Novo a “porta de entrada e saída” da ilha, qual é a importância dos avultados investimentos que estão a ser realizados no seu porto marítimo?
É essencial para o futuro do Porto Novo e de todo Santo Antão. Com as obras agora em curso, que incluem a construção de um terminal de passageiros, o Porto Novo ficará com excelentes condições para o tráfego de passageiros. Será talvez dos melhores terminais portuários do país.
[su_spacer]
[su_spacer]
Em relação à carga, o porto não terá as dimensões que seriam ideais para uma exploração comercial de larga escala, no entanto, possuirá um terminal de contentores que estará à altura das necessidades do município e de toda a ilha. Será um porto que poderá servir de alternativa ao Porto Grande, caso haja necessidade de tal. É contudo necessário que haja uma articulação forte entre o porto de São Vicente e o de Santo Antão, tanto ao nível internacional de tráfego de cargas, como ao nível doméstico.
A par deste grande investimento, que outras melhorias estão pensadas para o concelho?
Precisamos de fixar as pessoas à terra, para que em conjunto a possamos desenvolver. Para isso, são necessárias políticas urbanísticas sólidas, planos para a implementação das redes viárias, de esgotos, de abastecimento de água e eletricidade, em consonância com todos os outros serviços de apoio ao desenvolvimento económico. Este tem sido o nosso esforço nestes oito anos à frente dos destinos de Porto Novo.
[su_spacer]
[su_spacer]
Reconhecemos, no entanto, que há pobreza na nossa sociedade, daí o facto de termos de continuar a investir ainda mais nos aspetos sociais. Precisamos de continuar a investir na reabilitação e requalificação habitacional. Mais do que construir casas de raiz, a nossa grande aposta será a reabilitação e a requalificação das habitações existentes, dotando-as de melhores condições.
Temos também que modernizar os nossos setores produtivos, nomeadamente a agricultura, a pecuária e as pescas. Temos que combater a estagnação que se instalou em muitos desses setores. Apesar de não termos essa competência, penso que deveríamos, de alguma forma, poder começar a apoiar diretamente os agentes económicos nesses setores chave da nossa economia, disponibilizando, por exemplo, os serviços de veterinária para os produtores animais, uma central de importação de fatores de produção – tais como sementes, utensílios e artefactos agrícolas – para a comunidade de agricultores da região, entre outras ações que permitam impulsionar a atividade económica do concelho.
Temos falado muito de economia. E a cultura? Descreva-nos algumas das atividades culturais da ilha.
A ilha de Santo Antão possui uma cultura muito variada. Do lado do Porto Novo, destacam-se as festas de São João, uma das maiores manifestações culturais do país.
Esta festa, induz diversas manifestações artísticas e culturais. Desde o artesanato, à música, passando pelas danças tradicionais de Kola San Jon. Tem a particularidade de a imagem do Santo não ficar na cidade do Porto Novo, mas sim, na igreja de São João Baptista, situada na localidade de Ribeira das Patas, que fica a cerca de 20 quilómetros da cidade. O Santo é trazido para a cidade a 23 de junho e regressa a 25. Todo o percurso é feito a pé, numa grande peregrinação, normalmente com mais de 5 mil pessoas. Ao longo do percurso, surgem os tambores, a música e as danças.
A produção de grogue, também está associada a uma manifestação cultural muito forte: o Kolá Boi, que é um tipo de canção de trabalho das gentes de Santo Antão. Existem ainda as festas tradicionais do casamento e do batismo, com forte participação da música tradicional do interior da ilha.
Paralelamente, temos a produção do queijo tradicional que encerra também uma componente cultural muito grande. O teatro encontra-se bem representado com o grupo Juventude e Marcha, que é uma referência nacional do nosso teatro popular. Também acolhemos o grupo musical Cordas do Sol, que no ano passado foi considerado o melhor grupo musical de Cabo Verde, e que se preocupa em divulgar a tradição oral da nossa ilha.
Um aspeto interessante relativamente à cultura, é que uma grande parte dos claridosos tinha aqui residência. É o caso de Baltazar Lopes, que apesar de ser originário de São Nicolau, tinha aqui uma casa. Foi em Santo Antão que terá escrito a maior parte das suas obras. Martinho Nobre de Melo, que foi o único cabo-verdiano que concorreu à presidência da república portuguesa ainda antes do Estado Novo, é oriundo do Porto Novo, mais concretamente da Ribeira das Patas. Há muitos exemplos de cabo-verdianos ligados à cultura que são naturais de Santo Antão.
Se recuarmos no tempo, verificamos que os santantonenses tiveram uma participação ativa na implementação da república em Portugal. Grandes generais do exército português, ainda no tempo colonial, eram provenientes de Santo Antão. A Independência de Cabo Verde, contou com uma participação ativa dos santantonenses. Uma grande parte dos primeiros membros dos governos pós-independência são originários de Santo Antão. Estivemos na origem das primeiras revoltas contra a existência do partido único, com as primeiras manifestações a surgirem aqui em Santo Antão por volta de 1977. Em 1981 fizemos a revolução da Ribeira Grande, com a reivindicação da reforma agrária, sempre promovendo a liberdade. Tal facto é motivo de grande orgulho para as nossas gentes, o que permite que utilizemos as glórias do passado para projetarmos o nosso futuro. As gentes de Santo Antão desde sempre que têm tido uma participação muito ativa na construção da nacionalidade cabo-verdiana, na construção do Estado cabo-verdiano e na promoção da liberdade e da democracia em Cabo Verde.
Como político que é, e com uma tarefa governativa importante, acha que o poder institucional hoje em Cabo Verde, tem o peso e o reconhecimento suficientes para que o futuro democrático do país se mantenha?
Não vejo nenhum perigo para a democracia cabo-verdiana. É uma democracia sólida, com alternância política e multipartidária. Há uma livre expressão das convicções e das vontades políticas, por isso, acredito que a democracia em Cabo Verde é cada vez mais firme e não corre qualquer perigo.
Não devemos estar muito longe das democracias mais avançadas. O poder é exercido no quadro democrático através do reconhecimento da liberdade política e de pensamento. O governo é respeitado no contexto internacional, defendendo os interesses do país, e colocando as pessoas em primeiro lugar. Apesar de pertencer a um partido da oposição, posso afirmar que o governo não nos envergonha no contexto internacional. Penso que, quer no partido agora no governo, quer no maior partido da oposição, existem quadros suficientes de reconhecida capacidade, preparados para governar o país. O facto de termos, atualmente, em Cabo Verde, um presidente da república proveniente de uma área política distinta da do governo, é prova da nossa consolidação democrática. Se nos mantivermos fieis a estes princípios e se os dirigentes cabo-verdianos continuarem nesta linha de humildade, serenidade e respeito pela diferença, penso que a nossa democracia continuará a ser um exemplo em todo o continente.
Comentários
Os comentários estão fechados.
es impressionante este,muitos no nosso PAIS,esquece q todos tem direito a viver com dignadade e so lembre qdo ja estamos em via de distincao,me da muita pena estes actitudes do nosso querido c.verde ,q ao menos nos deu este previlegio de ter um cantinho para nascermos