Paula Maria Fonseca Tavares

Paula Maria Fonseca Tavares

Chamo-me Paula Maria Fonseca Tavares. Os meus pais são de Santiago, Cabo Verde, mas eu já nasci aqui, na roça Diogo Vaz, em 1969. Nesta roça havia uma grande comunidade de cabo-verdianos que tinham sido contratados para trabalhar na agricultura. A grande maioria deles já faleceu. Restam agora uns poucos, que já estão velhos. Atualmente, a comunidade é formada essencialmente pelos seus descendentes.


Quando tinha onze anos, fiquei paralisada devido a uma artrite arterial. Só aos dezasseis anos é que voltei a andar, mas sempre com muitas limitações. Estudei até ao 8º ano, mas devido à minha doença, não consegui prosseguir os es- tudos; a escola secundária mais próxima era em Neves e a falta de mobilidade fez com que fosse cada vez mais difícil acompanhar os outros. Acabei por desistir. Aos vinte cinco anos, voltei a ficar paralisada e fiquei mais três anos sem me poder mexer. Devido ao facto de ter, durante tanto tem- po, precisado da ajuda dos outros, agora, sempre que posso tento ajudar quem me rodeia. Sempre que posso ajudo e co- laboro com os membros a comunidade, pois só nos temos uns aos outros.


Apesar de já não vivermos subjugados ao contrato, as nos- sas condições de vida continuam precárias: temos falta de energia elétrica, saneamento básico e água tratada. Conti- nuamos a viver marginalizados da restante sociedade. A delinquência juvenil é um dos problemas que afeta estas comunidades e, para isso, contribui a falta de infraestru- turas ocupacionais para os mais jovens, tais como centros de lazer ou placas desportivas. O ócio, aliado à degradação dos espaços, é o principal fator da delinquência entre os jo- vens, que acabam por procurar outras alternativas às suas carências e necessidades. Ao nível do ensino, por exemplo, o custo dos transportes impede os pais de levarem as suas crianças à escola o que faz com que muitos jovens tenham de desistir de estudar. Os poucos jovens que conseguem concluir o 12º ano de escolaridade não encontram saídas profissionais. Há uma grande carência ao nível da emprega- bilidade. A falta de recursos económicos também condicio- na os jovens a continuarem os estudos no ensino superior. Muitos destes jovens, que não conseguem emprego, aca- bam mesmo frustrados por não terem conseguido alcançar os seus objetivos, e auto marginalizam-se. Muitos acabam mesmo por se transformar em delinquentes. São poucos os que se conseguem reintegrar na comunidade. As carências ao nível dos transportes, das relações sociais e ao nível nu- tricional repercutem-se no aproveitamento escolar e, em última análise, no futuro dos mais jovens.


A degradação dos espaços é outro dos problemas destas comunidades. Apesar de as pessoas habitarem as casas que lhes foram atribuídas, o certo é que as habitações não lhes pertenciam; eram inicialmente propriedade das empresas agrícolas e, mais tarde, do Estado, por isso, as pessoas não faziam a sua manutenção, atribuindo esta responsabilida- de aos seus verdadeiros donos. Por outro lado, o Estado também não preservou o seu património e deixou a degra- dação instalar-se em todas as antigas empresas agrícolas. Chegou-se ao extremo de existirem pessoas a viver como autênticos animais. Depois de tantos sacrifícios e de tantas expectativas, é com mágoa que vejo a situação a que muitas destas comunidades chegaram. Ao nível político, continua a existir uma má gestão dos recursos do país e estas comu- nidades são o espelho dessa má gestão.


Os cabo-verdianos que vieram cumprir os contratos em São Tomé foram esquecidos pelos são-tomenses. Deram os me- lhores anos das suas vidas por este país e nunca lhes foi re- conhecido o seu verdadeiro valor. Só agora, quarenta anos depois da independência, é que está a ser atribuída a nacio- nalidade são-tomense aos que já estão há mais de quarenta anos no país. Isso já deveria ter acontecido há muitos anos atrás. Eles são mais são-tomenses que eu, que nasci e me criei aqui. Por isso, para eles, ter a nacionalidade no final das suas vidas, de pouco ou nada lhes acalenta. Apesar da grande maioria dos antigos contratados nunca ter traba- lhado na sua terra natal, Cabo Verde tem feito mais por eles que o próprio Estado são-tomense. Cabo Verde apoia-os com 750 mil dobras trimestralmente e vai duplicar este va- lor já em 2016. Por seu lado, o Estado são-tomense dá-lhes uma pensão de 470 mil dobras por mês. É triste e, acima de tudo, injusto, por isso, aos políticos são-tomenses, pedia- -lhes mais atenção aos problemas dos cabo-verdianos mais velhos, que construíram este país e que tudo deram por ele. Que os acarinhassem e que, no final das suas vidas, os re- compensassem condignamente. Pedia-lhe que, num ato de carinho e humanidade, lhes proporcionassem, antes da sua morte, uma última visita à sua terra natal, pois este é, sem dúvida, o maior desejo de todos eles.

Roça Diogo Vaz – São Tomé

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