5 de Julho de 1975. Hoje nasce um novo país.

5 de Julho de 1975. Hoje nasce um novo país.

2- Hoje Nasce um Pais Novo - Revista Nos Genti -
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Hoje é dia 5 de julho de 1975. É um dia histórico para o arquipélago. A alegria contagiante que se sente em cada esquina, é a prova do sentimento que percorre a alma de todos os cabo-verdianos, aqui e além-mar. Hoje nasce um novo país, fruto de uma gestação dolorosa, atribulada e de muitas mágoas. Hoje nasce um novo país, fruto do empenho, garra e amor à terra e ao povo de uns tantos que lutaram pela sua libertação.
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A pequena cidade da Praia está toda engalanada para celebrar este nascimento. Papéis de todas as cores contrastam com a paisagem pobre e agreste causada pela escassez de água, a que o povo já se resignou. Hoje, 5 de julho de 1975 é dia de festa, celebrado por mais de 300 mil pessoas que, teimosamente, insistem em viver neste chão incapaz de produzir sustento para mais do que 15 mil. É preciso coragem e determinação para, a partir de quase nada, se iniciar a construção de um país, onde apenas abunda a esperança no amanhã.

São dez da manhã. Nos ouvidos ainda ecoam as palavras da “aurora de um novo tempo” proferidas por Aristides Pereira às zero horas desta nova era.  As ruas estão cheias de gente, que ri, conversa e entretém-se. Às janelas, metade da população da cidade, ultima os enfeites com que dará as boas-vindas à República de Cabo Verde. Nas ruas, estudantes distribuem panfletos. As praças enchem-se num mar de gente. Quase todos exibem com orgulho o retrato de Amílcar Cabral, estampado nas camisas que envergam.

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O estádio municipal da Várzea foi o local escolhido para o cerimonial da transferência da soberania portuguesa para as novas autoridades do país. O exíguo estádio, em terra batida, mostrou-se pequeno para acolher os milhares de cabo-verdianos que queriam, com os próprios olhos, testemunhar este momento único na história do país e nas suas vidas.

Aos olhos de muitos, incluindo alguns observadores internacionais, a independência do país era alvo de apreensão e desconfiança. Ao contrário das outras antigas colónias, Cabo Verde não possuía recursos capazes de levar com sucesso uma empreitada desta natureza e que se adivinhava difícil. No entanto, era vontade de todos que, a partir daquele dia, com esforço, dedicação e muito trabalho, a realidade viria a mostrar-se menos cruel.

A cerimónia está prestes a iniciar-se. Dezenas de delegações e individualidades estrangeiras, testemunham o momento. De Portugal, veio a delegação mais numerosa, chefiada pelo primeiro-ministro Vasco Gonçalves. Da Guiné-Bissau veio o comissário-principal, Francisco Mendes que se fez acompanhar pelo comissário das Forças Armadas, João Bernardo Vieira. Há também delegações vindas de Angola, São Tomé e Príncipe, Senegal, Costa do Marfim, Guiné-Conacri, Argélia, Cuba, China e URSS. A Organização da Unidade Africana fez-se representar pelo seu presidente, o somaliano Omeh Chalib e pela Organização das Nações Unidas, o paquistanês Abu Farah, em representação do seu secretário-geral, o austríaco Kurt Waldheim.

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São onze da manhã. Chegam ao local o secretário-geral do PAIGC, Aristides Pereira, acompanhado por Vasco Gonçalves. A multidão saúda-os calorosamente. Cabe ao presidente do parlamento cabo-verdiano, Abílio Duarte, rubricar com o representante do Chefe de Estado de Portugal, o general Francisco Costa Gomes, o documento que marca a independência de Cabo Verde.

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A cerimónia prolonga-se por mais quatro horas. Do programa oficial, fazem parte desfiles da tropa portuguesa e do contingente das FARP, treinadas no âmbito do governo de transição, desfiles das Melícias Populares e dos representantes dos vários setores sociais, profissionais e culturais. Nos céus, voa uma esquadrilha da Força Aérea Portuguesa, em formação de quatro elementos. Às 12h40, Abílio Duarte finalmente proclama para os presentes e para o mundo, a independência da República de Cabo Verde:

Diz a história que as reiteradas tentativas de emancipação social das nossas ilhas, embora tenham deixado mártires e gerado heróis anónimos, foram sempre estranguladas pela opressão colonial.

Coube às modernas gerações, iluminadas pela ideologia de libertação dos povos colonizados e impregnados de espírito de Bandung, compreender que o problema da miséria e do atraso social das ilhas de Cabo Verde reconduzia-se a um problema político e, como tal, jamais poderia ser resolvido no quadro da sujeição colonial e da alienação da liberdade humana. Antes de mais, postulava a reivindicação e a luta pela Independência.

Todavia, para empreender com êxito esta luta, desigual face à expressão numérica das realidades em confronto e ao prestígio de falsos valores dominantes em vastas regiões da comunidade internacional, era, na conjuntura, necessário que os Povos Africanos superassem a escala nacional e potenciassem a sua energia vital na cooperação de esforços e na unidade de depósitos revolucionários.

Assim, AMÍLCAR CABRAL, Fundador e Militante número 1 do P.A.I.G.C., concebe a genial ideia de renovar o sentido do Povo e reestruturar na matriz política da libertação dos Povos do Terceiro Mundo, a Unidade dos filhos da Guiné e Cabo Verde, Assim se funda e se constrói o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde, motor histórico da renovação mental, social e ideológica, segundo linhas da acção construtiva e da pedagogia política do nosso imortal guia, Amílcar Cabral.

O princípio da Unidade Guiné e Cabo Verde, concebido para a luta e forjado na luta, que já estava prefigurado na nossa comunhão de sangue, de mártires e de História, deu provas irreversíveis como factor decisivo de mobilização da consciência nacional, de organização para a luta e de transmutação da nossa Sociedade.

Coroada de glória a confrontação política e armada na Guiné-Bissau, onde se iniciou a derrota do Império Colonial Português, O P.A.I.G.C. intensificou a luta revolucionária nas ilhas: lançou justas palavras de ordem correspondentes às profundas aspirações e aos interesses vitais do nosso povo, mobilizou as camadas trabalhadoras alienadas à omnipotência do Estado Colonial, deu aos trabalhadores públicos e da actividade privada uma nova consciência de dignidade na liberdade, inspirou greves e manifestações de protesto contra actos repressivos na Ordem Colonial, dinamizou movimentos de massa para reivindicação de bens e valores pertencentes ao sagrado património do Povo.

Assim, a vontade inequívoca das massas populares confirmou, no terreno firme e eloquente dos factos, a legitimidade representativa que ao P.A.I.G.C. haviam reconhecido as mais altas instâncias as Organização da Unidade Africana e das Nações Unidas.

Assim, nós, o Povo das Ilhas, quebramos as cadeias de subjugação colonial e escolhemos livremente o nosso destino Africano. E a História reterá que filhos do nosso Povo glorioso de Cabo Verde, que se bateram com valentia na frente da luta armada da Guiné, estiveram prontos e decididos para o combate armado em Cabo Verde também, se tal viesse a revelar-se como única via para a libertação das nossas queridas Ilhas.

Povo de Cabo Verde, hoje, 5 de Julho de 1975, em teu nome, a Assembleia Nacional de Cabo Verde, proclama solenemente a República de Cabo Verde como Nação Independente e Soberana.

A multidão aplaude efusivamente o momento. Todos têm noção que estão a viver um momento único na história, e há muito desejado. No meio de grande alegria e emoção, às 13h15, dois oficiais das FARP, hasteiam a bandeira cabo-verdiana, marcando assim o nascimento de um novo país no mundo.

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Cabo Verde. 5 de Julho de 1975

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Ouve-se o hino do recém-nascido Estado. Aristides Pereira, então empossado como primeiro Presidente de Cabo Verde, não esconde a emoção, ao ver subir no mastro de honra do estádio da Várzia, a bandeira do seu país. “Os nossos portos e os nossos corações estão abertos a todas as bandeiras”, disse, ao discursar, no palanque improvisado onde o primeiro-ministro português, Vasco Gonçalves, minutos antes assinara o documento que punha termo a 519 anos de domínio colonial.

Hoje é dia 5 de julho de 1975. Acabou de nascer um novo país.

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