O símbolo polissémico
30 Nov 2013

O símbolo polissémico

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“E, à mesma castidade sentir-se-ia obrigado com relação à ilha que, quanto mais desejada, cheia de promessas, tanto menos desejaria tocá-la. Longe da Senhora, longe da Ilha, de ambas poderia apenas falar, querendo-as imaculadas, a fim de que imaculadas pudessem conservar-se, tocadas apenas pela carícia dos elementos.”

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Esta citação de Umberto Eco a respeito do livro de António Carlos Diegues – “Ilhas e Mares, Simbolismo Imaginário” sintetiza o que vi e ouvi na ilha do Maio. Os estudiosos do mundo insular definem as ilhas como símbolo polissémico, com vários conteúdos e significados que variam em função das suas histórias e das sociedades que as perpetuam. Esta multiplicidade de sentimentos foi amplamente constatada aquando da realização deste trabalho. A Ilha do Maio é um mundo em miniatura que, metaforicamente falando, representa um centro espiritual por excelência; uma imagem completa e perfeita dos cosmos, o inferno e o paraíso, a liberdade e a prisão, o refúgio de um útero materno e a manumissão do livre arbítrio. Esta mescla de sentimentos foi uma constante em todas as conversas que mantive com as gentes do Maio, naturais e aficionados. Todos eles “vestiram a pele” de júri e de maienses convictos que, de uma forma ou de outra, interiorizam a ilha do Maio como a definitiva definição do “símbolo polissémico”.

Muito se poderia escrever sobre o Maio e, particularmente, sobre os desejos dos maienses. Num mundo globalizado, moderno e com inúmeras e variadas ofertas, priorizou-se o turismo como forma do seu desenvolvimento. Num mundo cada vez mais competitivo e indiferenciado, as ilhas semelhantes à do Maio são vistas como os últimos redutos de um mundo selvagem que, embora apetecível, é cada vez mais difícil de alcançar. Estes novos destinos são autênticos paraísos capazes de potenciar novas descobertas, aventuras e diversão, numa alusão ao exotismo há muito perdido. Turistas, fotógrafos, jornalistas, artistas e escritores – cada vez mais numerosos – respondem aos apelos da magia insular, viajando em pequenos pedaços de terra dispersos no oceano imenso, na busca de fragmentos de um paraíso ambiciosamente intacto dos avanços que fazem a historia da sociedade moderna.

Ao contrário das ilhas da Boa Vista e Sal, a ilha do Maio ainda goza de uma relativa inviolabilidade na afluência desmesurada de turistas que, avidamente, desfrutam do exotismo de tão afamados destinos. A grande discussão é se o modelo que foi privilegiado nessas ilhas, será forçosamente o mais adequado aos desejos e expectativas dos maienses. É um tema que não gera consensos e que, durante muito tempo, não ficará encerrado. Apesar de ser de opinião que não existem grandes alternativas, há ainda a oportunidade de se optar por outras estratégias e outras formas de incrementar a atividade turística na ilha. No entanto, uma coisa é certa: independentemente do modelo que venha a ser utilizado para a alavancagem económica do Maio, sem as devidas e eficientes infraestruturas ao nível das acessibilidades do exterior, a ilha está condenada ao estado letárgico atual, o que é inexplicável tendo em conta o seu potencial produtivo e a proximidade à ilha de Santiago, uma das maiores portas de entrada do país.

Luís Neves


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